No balanço de um ano no Paraná, programa eleva em 14% os atendimentos emergenciais na saúde básica, além do pré-natal e saúde mental
Trecho do interior da Lapa que a médica portuguesa Maria Tereza precisa percorrer todos os dias para chegar até os pacientes
na Gazeta do Povo
O Programa Mais Médicos completa neste mês um ano no Paraná com um aumento de 14% nos atendimentos emergenciais na saúde básica, saltando de 77 mil para 87,9 mil em número absolutos. Também houve alta nas consultas de pré-natal (56,3%) e de saúde mental, que passou de 19,1 mil para 27,3 mil.
De acordo com o Ministério da Saúde, esse upgrade deve ser creditado aos 868 médicos enviados a 308 municípios do Paraná. Desses profissionais, 707 são cubanos da Organização Pan-americana de Saúde (OPAS), 110 são intercambistas individuais e 51 são médicos com registro do Brasil mesmo.
Para alguns setores da classe médica, o programa não passa de um artificio eleitoreiro com poucos benefícios para a saúde pública. Para o presidente do Conselho Regional de Medicina, Mauricio Marcondes Ribas, o foco deveria ser outro. “Na unidade básica não tem infraestrutura e aparelhos suficientes para o profissional trabalhar. É nisso que o governo deveria investir, e não na vinda de médicos estrangeiros. Eu prefiro chamá-los de intercambistas.”
“A saúde básica não está dando conta dos atendimentos. É por isso que pacientes morrem nos corredores dos hospitais”, critica Ribas. Ele questiona o discurso de que os médicos foram enviados apenas a cidades distantes. “Olha o tanto de médico em Curitiba. E se é para o médico ir para uma cidade do interior, que tenha um plano de carreira como o de um juiz”, diz. O piso definido pela Federação Nacional dos Médicos é de R$ 10.412 por 20 horas de trabalho. Um juiz ganha o dobro.
Na capital
Curitiba tem 550 médicos na atenção básica, em 109 unidades de saúde nos 75 bairros. Desses, 43 são do Mais Médicos. Sete entre 10 vieram de Cuba, mas também há venezuelanos, um egípcio, uma colombiana e uma russa. Eles estão no Cajuru, Boa Vista, Portão, Cidade Industrial de Curitiba (CIC), Pinheirinho, Bairro Novo e Boqueirão.
Para o diretor de Atenção Primária a Saúde da Secretaria Municipal da Saúde, Paulo Poli, eles compensam a falta de profissionais brasileiros. “Cerca de 20% dos médicos daqui passam no concurso, mas ficam apenas um ano trabalhando na cidade. Até receber o pessoal do primeiro ciclo do Mais Médicos, a gente tinha uma falta crônica de médicos nas equipes da capital.”
Os motivos não estão relacionados a salário baixo. O ordenado é de R$ 15 mil, mais gratificações por 40 horas semanais. “É que logo depois de passar um ano trabalhando na saúde básica, eles vão fazer suas especializações. O programa realmente trouxe uma estabilidade até termos um projeto mais estruturante.”
Segundo o ministro da Saúde, Arthur Chioro, é “equivocado imaginar que o objetivo do programa é só trazer médico”. Segundo ele, o governo pretende construir ou reformar 26 mil unidades da saúde e ampliar as vagas em cursos de Medicina em 11,5 mil no país até 2017. O Mais Médicos tem prazo até 2016, mas pode ser prorrogado.
De Portugal para os rincões da Lapa
A médica portuguesa Maria Tereza Pereira Pestana tinha certa paixão pelo Brasil. Na metade do ano passado, ao saber do Programa Mais Médicos, resolveu deixar o velho continente e fixar moradia por aqui. Quando chegou, foi enviada para a Lapa, a 70 quilômetros de Curitiba. Sua função seria atender a população das regiões ao redor. E é isso que ela faz todo dia.
Por volta das 8 da manhã um carro da prefeitura a pega em sua residência, um sobrado no Centro. De lá, eles partem para Mato Preto, Mato Preto Machado, Passa Dois, Faxinal dos Castilhos I e II e Mato Preto Santa Regina, nos arredores da Lapa. Cada dia é reservado para um local.
A quarta-feira é a vez do distrito de Mato Preto Machado. Lá, segundo os moradores, vivia faltando médico. “O doutor vinha, ficava um mês e ia embora. Diziam que ganhavam pouco. Ficávamos abandonados”, relata o lavrador José Carlos Maurer, 55 anos.
Maria diz que, no começo, o único empecilho foi o idioma. “Eles não entendiam muito bem. Agora já estão acostumados.” A médica fala rápido e é bem agitada. A população gosta dela. O também lavrador Daniel Ferreira Fonseca, 36 anos, aprova o atendimento. “Os médicos que vinham para cá atendiam rápido e mandavam a gente embora. Ela não. A gente fica na sala uns 40 minutos. Ela pergunta tudo.”
Remédio
Como o posto de saúde vivia sem médico, os moradores tinham de buscar remédio no centro da Lapa, a 30 quilômetros. Isso acabou após a chegada de Maria e sua equipe. “O pulmão do meu marido só funciona 20%. Sempre tinha que chamar um vizinho para ficar com ele enquanto eu ia atrás do medicamento. Agora não precisa mais”, conta a lavradora Marjorie Aparecida Vagner, 43 anos.
Classe médica critica falta do Revalida
Como os profissionais do programa Mais Médicos não precisam fazer o exame nacional de revalidação de diplomas expedidos por instituições estrangeiras de educação superior, o Revalida, teste que prova que ele está apto a atuar no país, a categoria ficou enfurecida. “Os médicos do Brasil fazem 7.200 horas de horas na faculdade. O aluno é cobrado e estuda por seis anos. Já sobre esses médicos que vem DE fora nós não sabemos da qualificação”, relata Mauricio Marcondes Ribas, presidente do Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR).
No início deste ano, um tumblr (rede social) foi criado para registrar equívocos cometidos por eles. Apesar de todo burburinho, não há nenhum post desde maio. No Paraná, segundo o coordenador do Mais Médicos, Edevar Daniel, não houve nenhum “erro” cometido pelos profissionais. “Não entendo por que há tantas críticas a eles. Muitos são formados faz 10 ou 20 anos e têm muita experiência na área”, relata Daniel.
No último Revalida, realizado em agosto de 2013, 90% dos médicos estrangeiros reprovaram na primeira fase. Na segunda fase, 48 profissionais não conseguiram passar no teste. Na época, o então ministro da saúde, Alexandre Padilha, disse que não via o acontecido com preocupação, pois o teste é voltado para os médicos que vão atuar em “UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e fazer procedimentos de alta complexidade” e querem se fixar no país.
“A lógica do programa é levar médico aonde não tem e por um prazo determinado , que é 2016. O objetivo de quem faz o revalida é outro”, finaliza Daniel. Tanto que os médicos do Brasil têm CRM, enquanto os profissionais do Mais Médicos tem RMS (Registro do Ministério da Saúde).
Outra crítica sobre o programa é em relação à tutoria. “Apesar de a lei obrigar a presença do supervisor ao lado do médico do programa, a gente sabe que isso não acontece”, diz Marcondes Ribas. O supervisor, de acordo com a Lei 12.871, que institui o programa, é o “responsável pela supervisão profissional contínua e permanente do médico.”
Mas, segundo Edevar Daniel, ele não precisa ficar “colado” no profissional do Mais Médicos. “O supervisor tem a função de fazer no mínimo uma visita mensal. Afinal, os profissionais do programa são formados e não precisam de outro médico prostrado atrás dele 100% do tempo”, relata. O Paraná tem 114 supervisores e oito tutores responsáveis por eles.
Médicos cubanos atendem 19 ilhas em Guaraqueçaba
Oswaldo Eustáquio, correspondente
Desde janeiro deste ano, o município de Guaraqueçaba, litoral do estado, recebeu dois médicos cubanos do Programa Mais Médicos, do governo federal. Nesses oito meses, seis foram de adaptação com a comunidade, com a região e principalmente com o idioma, que, de acordo com o secretário de saúde do município, Alcindino Ferreira Barbosa, foi a parte mais difícil do processo. “No início o idioma foi complicado, a população veio reclamar porque não entendia direito, mas pedimos para eles estudarem a língua, como assistir TV e ouvir rádio e eles se esforçaram e essa questão foi superada”, avalia.
Para o secretário, o programa está funcionando bem no município. Guaraqueçaba, segundo ele, que é dividida em mais de 19 ilhas, está tendo 100% de atendimento pelo programa. “Guaraqueçaba tem suas ilhas e sua estrada [de chão], que nos restringe o acesso, por isso, para nós é importante que o médico esteja aqui no município, que durma aqui, para facilitar o atendimento à população”, afirma.
Os dois profissionais do Programa Mais Médicos são clínicos gerais e de acordo com o secretário, mensalmente eles atendem todas as ilhas do município e depois vão para a estrada. Para o secretário, o reforço dos profissionais somado a estratégia de trabalho tem contribuído para subir os índices de saúde do município. “Temos um grande gasto com combustível nesses deslocamentos, mas, por outro lado, conseguimos subir os índices de vacinas, de exames citopatológicos e atuar efetivamente na saúde preventiva do homem e da mulher, isso é reflexo do atendimento na localidade.”
O médico cubano Oscar Damios Caballero, 29 anos, veio sozinho para trabalhar em Guaraqueçaba. O profissional, que trabalhou por quase quatro anos na Venezuela conta que apesar de algumas dificuldades, tem sido bom atuar no município. “Trabalhamos na estrada, quando preciso vamos às ilhas também. Tem sido ótimo, apesar de ter a dificuldade da estrada, do clima e do transporte, mas até agora tem ido bem”, avalia o médico.
Para o secretário de Saúde, a vinda dos profissionais do programa Mais Médicos foi muito positiva. “Hoje o município tem oito médicos e a cada 30 dias temos especialistas. E a chegada dos médicos cubanos aqui em Guaraqueçaba realmente foi muito boa, eles querem mostrar serviço, não se preocupam com o horário.”
CUBANOS ATENDEM 4,5 MIL ÍNDIOS DO PARANÁ
Os profissionais do Mais Médicos atendem 4,5 mil índios no Paraná, segundo a Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde. Eles estão em Ortigueira, Tamarana, Guaíra e Mangueirinha. A aldeia em Mangueirinha, no Sudoeste, não conseguia substituto para o médico que saiu ao ser aprovado em um concurso público.
Os 2 mil índios da tribo caingangue e guarani ficaram dois meses sem assistência médica. “Quando alguém adoecia, tínhamos que levar o enfermo ao município vizinho, a 20 quilômetros”, diz o cacique Milton Katanh Alves.
Em maio chegou o médico cubano Maikel Martinez Maikel. “No início foi difícil por causa do idioma. Mas agora está tudo ótimo, todos o adoram e ele anda todo faceiro”, conta o cacique. Maikel faz mais de 20 atendimentos por dia. Ele mora em Coronel Vivida e vai para a aldeia de segunda a quinta-feira.
As principais dúvidas dos indígenas, segundo Maria Marilene da Costa, responsável pelo Distrito Sanitário Indígena no Paraná, giram em torno da diabetes, doenças sexualmente transmissíveis e cuidados na gravidez. “Tanto o Maikel como os outros três médicos estrangeiros do programa encontraram dificuldades por causa do modo de vida do índio.”
O médico José Angel Castillo Rios deixou esposa e três filhos em Cuba para atender os 1,4 mil índios de Guaíra, no Oeste, que não tem unidade de saúde. O atendimento é feito na casa do cacique ou dos moradores. “Percebi que eles têm uma cultura diferente da nossa”, diz o sorridente Rios. Com 47 anos e 14 de experiência, ele atou em Cuba e na Venezuela.
Quem o acompanha nos atendimentos na aldeia é a enfermeira Cristiane Gomes Pereira. “Ele aprendeu rápido o português. É só não falar rápido que ele entende.”
PROGRAMA AJUDA A DAR “FÔLEGO” À SAÚDE DOS PIORES IDHS DO ESTADO
Cerro Azul, no Vale da Ribeira, tem o segundo pior IDH do Paraná. Dois profissionais do Mais Médicos (uma cubana e um brasileiro com formação no exterior) chegaram em setembro de 2013 e deram um fôlego para a saúde. Só um fôlego, porque o maior problema não está na atenção básica, mas sim na falta de um centro cirúrgico e de especialistas. “Os dois se adequaram rapidamente e estão fazendo um ótimo trabalho”, avalia a secretaria de Saúde, Cleide Miguel Bestel. Ambos não quiseram falar com a reportagem. Levando em conta o trabalho de quatro dias por semana (a sexta-feira é reservada para cursos do Ministério da Saúde), eles fazem 960 atendimentos por mês. Antes da chegada deles, os 17.612 habitantes eram atendidos por seis médicos, que se revezavam nas 14 unidades de saúde e nos atendimentos da equipe de Saúde da Família. A população aprova. “Já não tem mais fila. Meu neto pegou uma gripe danada e fomos atendidos rapidamente. A médica estrangeira foi bem atenciosa”, conta a agricultora Maria Luiza Jaquetti, 63 anos. Maria, que também tem um pequeno comércio, diz que a relação até ultrapassou o profissionalismo. “A médica sempre vem aqui, compra algo e conversa com a gente. Viramos amigas, sabe?”
“Alguns só perguntam o que a gente tem. Já o médico do programa me atendeu, me examinou e me deu a atenção devida. Nem o pouco conhecimento no idioma foi um problema para nossa comunicação”, relata a operadora de caixa Deuseli de Fátima Carneiro, 29 anos.
Doutor Ulysses
Com o pior IDH do Paraná, Doutor Ulysses pediu dois médicos logo que o programa foi lançado. Mas a secretária municipal de Saúde, Salete Westley de Paula, desistiu. “Percebi que não precisaria mais de profissionais porque já tenho três médicos, o suficiente para minha população. Além disso, a gente não tem estrutura financeira para bancar alimentação e moradia.”
ATENDIMENTO À SAÚDE BÁSICA É ÁGIL NO CENTRO DO ESTADO
Ao contrário da impaciência nas filas dos postos de saúde ao redor do país, a espera dos pacientes de Laranjal, no centro do Estado, parece tranquila. A diferença do município de 6 mil habitantes é a celeridade nas consultas de atenção básica de saúde. “O atendimento é rápido porque tem médicos. Ano passado só tinha dois, mas este ano, com três, mudou muito”, avalia a agricultora Rosemilda Aparecida Guinape, 32 anos.
O envio de um médico pelo Programa Mais Médicos do Governo Federal supriu a carência nos atendimentos à saúde familiar de Laranjal, município com o terceiro menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Paraná. Marlene Ballagas Sifontes, 58 anos, chegou à cidade em dezembro de 2013, após um mês de treinamento em Brasília. A médica de Camaguey, Cuba, atua na medicina há quase 30 anos e tem experiência na Bolívia, Haiti e Venezuela. Nos oito meses em que mora em Laranjal, a principal reclamação da médica é a saudade da família.
“Não tenho problema. Além do salário que é repassado, a prefeitura paga as minhas contas: comida, aluguel, luz, água. O mais difícil é a distância: meu filho mora no México e meu marido em Cuba. Falo com eles todos os dias pela internet e, às vezes, por telefone”, conta Marlene. O idioma não é uma dificuldade, nem para a médica, nem para os pacientes. “Dá para entender bem o que ela diz. Quando consultei, ela identificou rápido o que eu tinha e passou o remédio certo. Ela é como os médicos brasileiros, a única diferença é que ela conversa mais, parece ser mais atenciosa”, pondera Rosemilda.
Para Marlene, a situação de Laranjal é positiva. “A saúde está organizada. O primeiro atendimento feito aqui já resolve a maior parte dos casos - geralmente doenças crônicas como hipertensão e diabetes e doenças do sistema respiratório, como gripes e pneumonias. Em casos de emergência, o paciente é enviado para o Hospital São Vicente de Paulo, em Pitanga; e em casos de encaminhamento para exames e consultas com especialistas, o paciente precisa agendar consulta em Guarapuava”, explica Marlene.
A demora no agendamento de exames e consultas com especialistas é a principal reclamação dos laranjaenses: a espera pode passar de um ano. Segundo Daiane de Oliveira, secretária da Saúde de Laranjal, a quantidade de especialistas disponíveis para atender as treze cidades do Consórcio Intermunicipal de Saúde (CIS) é muito pequena. Daiane lembra que, embora a falta de médicos da saúde da família tenha sido resolvida, há outras carências na região. “Faz um ano que abrimos concurso para dentistas na cidade, mas nunca há candidatos interessados.”
Morgani Guzzo, especial para a Gazeta do Povo
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