Maternidades VIP estão entre as campeãs da cesariana desnecessária em SP
por Ione Aguiar no Brasil Post reproduzido no Portal Geledés
É fato que vivemos uma epidemia de cesarianas no Brasil. De acordo com uma pesquisa da Fiocruz, 52% dos brasileiros nascem por meio de cirurgia.
Os números são alarmantes, levando em conta a porcentagem de cesáreas recomendada pela OMS (Organização Mundial da Saúde), que é de no máximo 15% do total de partos.
No setor privado, porém, a situação é calamitosa: o índice nacional de cesáreas chega a 88%. Em São Paulo, o cenário é semelhante. Uma planilha obtida pelo Brasil Post mostra que alguns dos hospitais mais luxuosos da capital paulista estão entre os grandes responsáveis pelo quadro.
Veja, abaixo, quais são as maternidades campeãs da faca:
“Mas também acontece o contrário: quando começa a aumentar muito a taxa de cesariana, também aumentam muito os problemas tanto para a mãe quando para o bebê”, explica o obstetra Jorge Kuhn, professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e defensor do parto humanizado.
Segundo o Ministério da Saúde, a cesariana desnecessária aumenta em 120 vezes a probabilidade de problemas respiratórios para o bebê e triplica o risco de morte da mãe.
Quatro a cada cem
Na maior maternidade particular de São Paulo, no hospital Santa Joana, o nível de cesarianas é quase sete vezes maior que o recomendado. Dos 72 mil partos realizados na maternidade entre de 2009 e 2014, apenas 5989 foram naturais.
No campeão do índice de cesáreas, o Master Clin, apenas quatro a cada cem bebês vêm ao mundo sem cirurgia.
Maternidades VIP como o São Luiz (93%), a Pro Matre (90%) e o Albert Einstein (81%) também não ficam atrás.
No último dia 7, o Ministério da Saúde e a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) anunciaram medidas de estímulo para o parto normal.
Elas determinam que a parturiente poderá solicitar aos planos de saúde os percentuais de cirurgias cesarianas por estabelecimento de saúde e por médico, além de tornarem o cartão gestante e o partograma obrigatórios, o que significa que o pré-natal deverá ser documentado com muito mais rigor.
Mas se as recordistas de cesarianas são as maternidades particulares, onde a mãe tem muito mais acesso a um pré-natal adequado, por que os índices dessa cirurgia são tão altos no Brasil?
Problema estrutural
As causas são múltiplas e passam pela falta de informação até uma questão de conveniência para os hospitais e planos de saúde.
“A operação cesariana é muito mais simples em termos de tempo, dedicação e custos. E a conveniência também para os hospitais, porque agendar uma cesárea é muito conveniente. Você coloca na mesma sala cirúrgica a possibilidade de ter várias operações em um dia, enquanto em uma sala de parto normal, muitas vezes em 12 horas você vai ter apenas um parto”, diz Kuhn, da Unifesp. “É preciso esclarecer bem quais são as falsas indicações de cesárea e as verdadeiras indicações de cesárea”, opina.
Uma reportagem da Folha de S.Paulo relata que várias mulheres com plano de saúde estão deixando os hospitais privados para ter filhos em maternidades do SUS, por causa da dificuldade de encontrar profissionais na rede privada dispostos a realizar o parto normal. Em geral, o valor pago pelos planos para partos normais ou cesáreas é o mesmo — o que leva o médico a preferir o método que mais compensa financeiramente para ele.
No serviço privado, todo atendimento é centralizado em um só médico, que faz o pré-natal e o parto. No serviço público, ao contrário, a mulher faz o pré-natal em uma unidade básica de saúde e o parto é realizado por um ou vários plantonistas da maternidade.
“Isso tem uma grande vantagem: o médico que está no plantão não pode sair [até acabar o plantão]. Se ele começa a acompanhar um trabalho de parto e, quando terminar o plantão, a parturiente não deu a luz, ele vai embora. E aí outro médico assume o caso. Essa é uma das razões que faz o serviço público ter menor incidência de cesárea, porque o modelo não é centrado no médico pré-natalista”, opina Kuhn.
Em uma audiência pública realizada em novembro de 2014, promotores, médicos, representantes do Ministério da Saúde e da sociedade civil assinalaram a necessidade de se alterar o modelo de atendimento da gestante, tanto na rede pública quanto na privada, com a inclusão da figura da obstetriz e da doula para “desmedicalizar” o parto.
Também destacaram uma deficiência na formação dos médicos. “É preciso criar um novo paradigma de atenção ao parto na formação médica. Ainda hoje se ensinam práticas que, há mais de 20 anos, é anunciado que não se devem fazer em relação a parto e ao nascimento”, disse Maria Esther Vilela, coordenadora da área técnica de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde.
O que dizem os hospitais?
O Brasil Post procurou todos os hospitais listados no ranking acima.
O Hospital São Luiz disse que “a decisão pelo tipo de parto é uma escolha conjunta entre médico e paciente” e que “dispõe de estrutura preparada para atender todos os tipos de parto, incluindo salas para parto humanizado”.
Os representantes da maternidade Santa Joana e o Pro Matre, que pertencem ao mesmo grupo, afirmaram que “a escolha da via de parto é exclusivamente da paciente e de seu médico, sempre levando em consideração e dando prioridade à saúde da mãe e do bebê”, e que as instituições “são especializadas em gestações múltiplas e de alto risco, recebendo pacientes de todo o Brasil e outros países”, o que contribui para o aumento do índice.
O Hospital Metropolitano e o Hospital da Luz (Vila Mariana e Santo Amaro) disseram que incentivam o parto normal, mas que a decisão do método ocorre no âmbito da relação entre o médico e a gestante.
Em resposta enviada por e-mail, Silvia Regina, coordenadora materno-infantil do Hospital Salvalus, afirmou que o elevado índice do hospital pode ser atribuído ao “elevado número de gestantes de alto risco, entre eles: ausências de exames pré natais devido à carência cultural de nossos associados, levando ao aumento no risco de mortalidade fetal intra-uterina, neonatal e materno”.
Argumento semelhante foi apresentado pela coordenadora da maternidade do Hospital Israelita Albert Einstein, Rita Sanchez: “Somos hospital de referência para os partos mais complexos devido ao porte do hospital, atraindo um maior número de cesáreas”.
Rita também afirmou que, devido à mudança de perfil da mãe, que tem filho cada vez mais velha, uma “taxa aceitável” seria de 30%, o dobro do recomendado pela Organização Mundial de Saúde.
Os demais hospitais não responderam até o fechamento desta reportagem.
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