Débora Fogliatto no Sul21
A Residência Integrada em Saúde (RIS) da Escola de Saúde Pública (ESP) tem, desde 2012, buscado promover uma formação voltada para a desinstitucionalização de usuários da rede de saúde mental. Há cerca de uma semana, no entanto, a coordenação do programa recebeu uma solicitação para que a ênfase em Saúde Mental Coletiva retorne para o Hospital Psiquiátrico São Pedro (HPSP).
Até agora, desde a reformulação feita em 2012, os estudantes que fizessem a residência — espécie de programa de pós-graduação em saúde — na ESP aprendiam a partir do atendimento em hospitais gerais e Centros de Atenção Psicossociais (CAPS). Assim, os profissionais já se formavam tratando pacientes em liberdade, e não dentro das instituições. Com a nova política, os residentes irão se voltar novamente ao Hospital São Pedro, medida considerada equivocada e ineficiente desde a reforma psiquiátrica.
A solicitação de retorno ao hospital foi encaminhada pelo Departamento de Coordenação dos Hospitais Estaduais (DCHE), com o apoio da Secretaria de Saúde do Estado. Logo após o comunicado, o coordenador da Residência, Nilson Maestri Carvalho, encaminhou sua carta de demissão. Na carta aberta que redigiu explicando seus motivos, ele afirma discordar “frontalmente da atual Política de Saúde Mental do Estado” e explica que “o retrocesso representado por esta Política já está lançando seus tentáculos sobre a RIS”.
Ao Sul21, Nilson relatou que a residência funcionou durante anos com foco no hospital, tendo sido reformulada em 2011 pelos professores e alunos. “O modelo do hospital psiquiátrico é completamente ultrapassado, vai contra toda a política nacional e o que se faz em todo o mundo em saúde mental. Essa formação feita assim é totalmente inadequada. Nós mudamos na época porque tinha um desconforto grande dos residentes”, afirmou.
Por isso, o ex-coordenador considera a proposta de retornar ao São Pedro “um retrocesso muito grande” que representa “voltar a um passado completamente anacrônico”. Ele atribui sua saída a “um retorno a uma situação que já foi vivida e foi catastrófica”, mas deve permanecer até ser encontrado alguém para preencher sua vaga.
Reforma psiquiátrica
O Rio Grande do Sul promulgou há mais de 20 anos a lei da reforma psiquiátrica, modelo que defende o fim da internação de longos períodos e a criação de uma Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) para tratar as pessoas com sofrimento psicossocial e usuários de drogas. A lei, que é pioneira no Brasil, defende a extinção dos manicômios, acabando com a ideia de internar para o resto da vida os pacientes de saúde mental.
DAUM e residenciais terapêuticos
O profissional de Educação Física Ubirajara Gorski Brites assumiu, nesta semana, a coordenadoria do Departamento de Atenção a Usuários Moradores (DAUM) e afirma que está inicialmente “fazendo um diagnóstico de toda a situação”. Segundo ele, o plano é seguir “os desejos governamentais”, mas lembrando que ” todo mundo tem o mesmo objetivo, que é proporcionar o melhor possível para essas pessoas em situação de abandono”.
Ele agora é o responsável pelos residenciais terapêuticos, casas para onde são encaminhadas as pessoas que vivem há muitos anos no Hospital e não têm famílias para onde retornar com a reforma psiquiátrica. O novo coordenador, mais conhecido como Bira, afirma que “em geral a desinstitucionalização continua sendo linha e esses que já estão em processo terão continuidade, procurando atender a legislação. Precisamos acertar, alinhar, trâmites normais”.
Outra preocupação que surge dentre os que defendem a reforma psiquiátrica é a continuidade dos residenciais terapêuticos. Apesar do temor de que alguns deles sejam fechados, o novo coordenador do DAUM não confirma. “Ainda não tenho planejamento de como vamos conduzir o departamento, no que vamos investir”, explicou, garantindo que tudo será discutido com a equipe que será montada nos próximos dias.
Polêmica
A linha adotada pelo novo coordenador de Saúde Mental, Luiz Carlos Illafont Coronel, causou preocupação por parte de alguns setores, que chegaram a organizar um abaixo-assinado, pedindo que ele não fosse nomeado.
O Conselho Regional de Psicologia também se manifestou, divulgando uma nota em que diz estar preocupado com a ideologia do novo coordenador. “Ao anunciar a retomada das atividades do Hospital Psiquiátrico São Pedro como centro de referência em formação e assistência em saúde mental, a Secretaria Estadual da Saúde sinaliza um retrocesso nas conquistas da Reforma Psiquiátrica (Lei nº 10.216 de 2001)”, afirmou a presidente da Comissão de Políticas Públicas do CRPRS, Cristiane Bens Pegoraro.
Por outro lado, a Associação de Psiquiatria, da qual Illafont é membro, está em consonância com as políticas propostas por ele, já tendo se reunido com a nova coordenação.
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