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terça-feira, 26 de julho de 2016

[Inacreditáveis caminhos do coxinhismo]: Não basta ser pai. Tem que ser pai em Miami

Em tempos de Donald Trump brasileiros continuam se achando mais espertos do que realmente são 

por Rita Lisaukas no blog "Ser mãe é padecer na internet" 

Recebo um release na minha caixa de e-mail. Para quem não sabe, release é um texto escrito por uma assessoria de imprensa, sugerindo ao jornalista que um determinado assunto é interessante para uma reportagem. É comum que venha com depoimentos de pessoas ou profissionais que contrataram esse serviço, com intuito de convencer a publicação de que o assunto é realmente relevante. Nesse caso o cliente é uma clínica médica em Miami, que oferece um “pacote” para que casais tenham seus filhos nos Estados Unidos. As razões para você querer parir longe de casa estão explicitadas no texto. Com a proximidade do dia dos pais, o título do release é “Ser pai em Miami” (mas é claro que se há um pai, alguém também optará por ser “mãe em Miami”). 

“O advogado Fulano de tal* lamenta não ter conhecido o programa antes. O segundo filho, que nasceu há apenas um mês em Miami, já possui todos os privilégios de um cidadão americano comum. ‘Queremos que ele seja cidadão do mundo. Somos conhecedores das dificuldades que nós, brasileiros, enfrentamos em decorrência dessa crise sem precedente e por isso ponderamos que seria interessante dar essa oportunidade para que no futuro, ele possa optar, ou não, em permanecer no Brasil’, explica o advogado.” (*Nome trocado por motivos óbvios). 

(O release continua…) 

“Mesmo sendo um momento especial, em que Beltrano* sempre imaginou compartilhar com o restante da família, ele preferiu mudar seu endereço temporariamente para Miami, para que seu filho nascesse lá. Além de todos os benefícios que só a cidadania americana pode oferecer, o medo do zika vírus foi um fator que pesou muito na decisão do casal. ‘Esse é nosso primeiro filho. No começo, estávamos muito apreensivos, mas quando achei um mosquito da dengue dentro do meu carro, bem ao lado da minha esposa já grávida, foi crucial para afastar qualquer dúvida. Decidimos ir no mês de março e em abril já estávamos em Miami’, afirma.” 

Será que é legal? Não sei. Provavelmente seja, embora eu duvide que esses casais quando chegam aos Estados Unidos deixem claras as razões que os levaram até lá. Ou alguém imagina algum deles “dando a real” na fila de imigração? 

– “O que você veio fazer na América?”, pergunta o funcionário, nem um pouco simpático. 

– “Viemos ter nosso filho aqui já que, nascendo nos Estados Unidos, ele terá todos os privilégios de um cidadão americano comum”, sorriem, satisfeitos. 

-“Claro! Sejam bem-vindos! Nós, americanos, adoramos imigrantes latino-americanos! Que Nossa Senhora do Bom Parto te dê uma boa hora!” 

A história não é tão nova assim. Em uma rápida pesquisa vi que é cada vez mais comum os casais brasileiros comprarem um, digamos, “pacote” para que os filhos nasçam em Miami. Foi um médico brasileiro e um obstetra colombiano que lançaram a novidade (que parece ter rendido frutos) de olho na lei americana, que garante que todas as crianças nascidas no país, inclusive filhas de turistas e imigrantes ilegais, sejam americanas de forma automática. As brasileiras mais bem de vida e que passam ao largo da crise pagam cerca de 11 mil dólares, cerca de 38 mil reais, por um combo parto normal + 3 dias de hospital “em suíte vip” e U$ 13 mil e 400, cerca de 45 mil reais, pelo cesárea + “hospedagem”. Keep your fingers crossed, porque qualquer coisa que sair do script pode sair caro, muito caro, já que lá nos Estados Unidos não existe Sistema Único de Saúde, folks. 

As crianças logo voltam ao Brasil porque apenas elas são americanas. Seus pais não. Só eles, os bebês de Miami, obtém a dupla cidadania e terão de pagar impostos lá e aqui. Seus pais continuam dois rapazes latinosamericanos, sem parentes importantes e nascidos em terras brasilis, onde não se fala espanhol, mas português, cuja capital é Brasília e não Buenos Aires. Daqueles que têm de tirar visto para visitar a terra do Tio Sam, já que só o bebê não pega fila na imigração. Esses pais, cheios de boas intenções, claro, dizem que querem que os filhos tenham mais chances e um futuro melhor. 

Nem tudo que é legal é moral, não é verdade? Claro que logo, logo, os americanos vão perceber que espertinhos esses brasileiros são. E essa farra vai terminar. Muitos não vão conseguir migrar legalmente para os Estados Unidos usando como “desculpa” o fato de ter um filho americano. Vão ter de ficar por aqui. Mas, em contrapartida, essas crianças podem virar aqueles adultos que, na hora de entrar no cercadinho vip daquela boate hypada do Itaim não vão mais sacar o tradicional “você sabe com quem está falando?’. Poderão soltar logo um “Você sabe onde eu nasci?”.

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