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quarta-feira, 16 de maio de 2018

Não foi só a austeridade que fez aumentar a mortalidade infantil. Farra com dinheiro da saúde comprou deputados

O PP foi às compras


Para se tornar a segunda maior bancada na Câmara, o PP cooptou sete novos deputados com dinheiro da Saúde e a oferta de mais R$ 2,5 milhões para a campanha de cada um


A forma como o PP conseguiu a façanha de ganhar mais deputados sem obter um único voto a mais nas urnas foi tão agressiva que provocou reações indignadas em outros partidos que perderam parlamentares nesse processo. “É uma política suja, velha e ultrapassada”, disse a ISTOÉ o líder do PSB, Júlio Delgado (MG). O PSB perdeu para o PP, em março, o deputado Marinaldo Rosendo (PE). Júlio Delgado admitiu ter ouvido de deputados que a cooptação dos Progressistas vem da distribuição de dinheiro público.


Para fazer a engrenagem do esquema funcionar, no último dia 28 de dezembro, Ricardo Barros editou, ainda na condição de ministro, a Portaria 3.992, que simplificou as normas de repasse do Fundo Nacional de Saúde. Antes, havia seis blocos de repasse dos recursos: custeio, investimentos, prestador, demandas judiciais, obras do PAC e emendas parlamentares. Ricardo Barros reduziu para apenas duas modalidades: custeio e investimentos.

Ministro abre o cofre


Ao mesmo tempo, o deputado Arthur Lira, como presidente da Comissão de Orçamento, orientou os parlamentares a não pedirem recursos na Saúde como emendas individuais, mas como emenda de relator. E que todas fossem na modalidade custeio. Com dois objetivos: sacadas como emendas de relator, não ficaria nítida a relação da liberação com o nome do parlamentar que pediu o dinheiro. E, como custeio, não haveria necessidade de apresentação de qualquer tipo de projeto mais detalhado para utilização do recurso. Os valores começaram a ser liberados após a mudança de partido em duas categorias na saúde: Atenção Básica e Atenção de Média e Alta Complexidade.


A forma como funcionou a maquininha de liberação orçamentária mostra um aumento expressivo justamente em março, mês da “janela partidária”. Em janeiro, foram repassados R$ 5,7 bilhões. Em fevereiro, R$ 6,5 bilhões. Em março, o valor saltou para R$ 9,3 bilhões. Em abril, caiu novamente para R$ 5,8 bilhões. No caso da distribuição dos valores por Estado, o ranking de liberação também chama a atenção. Somente este ano, de janeiro a abril, Minas Gerais, que tem o maior número de municípios, ficou em primeiro lugar no recebimento de emendas com R$ 293,3 milhões. São Paulo vem em segundo, com R$ 234,8 milhões. Estranho é que o terceiro lugar seja justamente Alagoas, estado de Arthur Lira, com R$ 219 milhões. E o quarto, o Piauí, de Ciro Nogueira, com R$ 186,5 milhões. Alagoas é o 17º estado em número de municípios. Piauí, o oitavo.

Arthur Lira é candidato a um novo mandato como deputado. Seu pai, o senador Benedito de Lira, candidato à reeleição. Com as liberações, ambos conseguiram apoio dos prefeitos para suas eleições. Mesmo os prefeitos de outros partidos garantem a Benedito de Lira o segundo voto para o Senado. Ciro faz movimento semelhante no Piauí para obter novo mandato como senador. Em um vídeo, ele comemora com prefeitos: “Nunca se investiu tanto no Piauí”. Por influência de Ciro, o PP passou de 30 para 84 prefeituras no Estado, além de contabilizar 246 vereadores.

Os novos deputados progressistas fazem questão de ostentar em suas bases que mudaram de partido para obter mais recursos públicos. O deputado Átila Lins, ex-PSD, por exemplo, tem como uma das suas bases eleitorais o município de Fonte Boa. Vizinho, está Tefé, de apenas 62 mil habitantes, onde Átila Lins também atua, que recebeu R$ 3 milhões. O deputado chegou a pedir pessoalmente ao presidente Michel Temer recursos para construir na cidade de Coari um hospital da mulher. Por emendas, Coari recebeu também R$ 3 milhões. Outras cidades da sua base foram beneficiadas: Borba, São Paulo de Olivença e Carauari. No caso dos demais deputados, as emendas da Saúde para suas bases foram comprovadas por ISTOÉ. Em Sergipe, Laércio Oliveira, chegou a divulgar nota à imprensa anunciando a liberação dos recursos para a Saúde de Aracaju, após se filiar ao PP. A cidade recebeu R$ 700 mil.

Graças às manobras de Ciro Nogueira (PP-PI), o PP também inchou o número de prefeitos no Piauí: pulou de 30 para 84 prefeituras no Estado

“Vá com Deus”


O PP nega as acusações. Em nota, a assessoria do hoje deputado Ricardo Barros afirma que os repasses efetuados coincidem com a liberação do Orçamento Anual. “Todos os parlamentares foram atendidos com pagamentos de emendas impositivas, independentemente de partido político, visando sempre a melhoria do acesso de serviços à população”, diz a nota. O deputado Arthur Lira informou que não comentaria o assunto. Átila Lins, Osmar Serraglio e Ciro Nogueira não responderam. Marinaldo Rosendo diz ter trocado o PSB pelo PP porque, depois da morte de Eduardo Campos, seu antigo partido “acabou”. “Ninguém nunca ofereceu nada para mim”, garantiu Laércio Oliveira. Arnaldo Faria de Sá disse que resolveu antecipar-se a uma possível expulsão do PTB. Já Alfredo Kaefer admitiu os repasses da Saúde, mas classificou-os como “normais”.

Não é o que acham os órgãos de fiscalização e controle. Segundo uma fonte ouvida por ISTOÉ, a compra de deputados pelo PP durante a janela de transferências afim de inchar sua bancada, tornando-a a segunda maior da Câmara, está na mira do Tribunal de Contas da União. Auditores da corte já seguem o caminho do dinheiro para estabelecer a relação direta entre a troca de partido e liberação de recursos públicos. O modus operandi da operação montada pela tríade do PP – Ricardo Barros, Ciro Nogueira e Arthur Lira – é semelhante ao adotado no escândalo conhecido como “Anões do Orçamento”, celebrizado no final dos anos 80.

Diante do assédio do PP aos seus deputados, o presidente do PSD, Gilberto Kassab, disse que não faria leilão. Ao ver o deputado Átila Lins (AM) cruzando a porta de saída do partido em Brasília, Kassab teria dito, segundo um deputado ouvido por ISTOÉ: “Vá com Deus”. Não parece ser exatamente com Deus que o PP conta para engordar sua nefasta bancada.

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