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domingo, 24 de janeiro de 2021

Coletivos de profissionais médicos publicam "Carta aberta ao Conselho Federal de Medicina"

Sobre a conivência do CFM em relação ao "tratamento precoce" contra a Covid-19


Vivemos uma das maiores crises sanitárias da História, contabilizando milhões de mortes de Covid-19 em todo o mundo. No Brasil, mais de 200 mil óbitos ocorreram desde março de 2020, observando-se recente crescimento da curva de mortalidade, reflexo do aumento do número de casos em consequência da falta de um adequado plano de enfrentamento à pandemia por parte do Governo Federal, havendo afrouxamento de medidas de distanciamento social e prevenção entre a população.

Desde o início da pandemia, diversas medicações vêm sendo testadas para prevenção da infecção pelo SARS-COV-2 e da evolução para formas graves. Vários estudos demonstraram de forma inequívoca que o tratamento precoce nos primeiros dias de sintomas não interfere no curso da Covid-19. Medicações como cloroquina, hidroxicloroquina, azitromicina, ivermectina, nitazoxanida, zinco, vitaminas, dióxido de cloro, ozônio são comprovadamente ineficazes, assim como corticóides e anticoagulantes, fármacos indicados apenas em fases avançadas da doença.

Apesar de todas as evidências contrárias, o Ministério da Saúde insiste em propagandear o “tratamento precoce”, tendo recentemente creditado a situação de caos do sistema de saúde do município de Manaus à não adesão a esta conduta. Ademais, é necessário trazer à responsabilidade da gestão dos serviços públicos de saúde brasileiros nos limites da lei. Ou seja, o fato de quem está conduzindo as políticas de saúde pública no Brasil ser um general da ativa sem quaisquer habilidades no mister do Ministério que ocupa.

Alguns médicos de todo o Brasil continuam defendendo e receitando diversos desses medicamentos, assim como Secretarias Municipais de Saúde e unidades hospitalares vem determinando a seus médicos e até a funcionários que “prescrevam” e distribuam o chamado “kit- Covid”. No entanto, destacam-se as posições das sociedades de especialidades médicas como a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) que têm reiteradamente se posicionado contra a existência de tratamento precoce e medicação preventiva para Covid-19. É também de se elogiar o semelhante posicionamento da nova gestão da Associação Médica Brasileira (AMB), a qual congrega as entidades de especialidades médicas no Brasil.

Nesse cenário, é inadmissível que o Conselho Federal de Medicina (CFM) credite aos médicos a escolha por usar, ou não, terapêutica claramente ineficaz ou até mesmo prejudicial em alguns casos. Esperar-se-ia da entidade, cuja função precípua é fiscalizar e normatizar a atuação médica e defender a sociedade, alinhamento com a Ciência e defesa da boa prática profissional, assim como com os princípios éticos fundamentais à categoria profissional:


  • “Compete ao médico aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente e da sociedade” (CEM, Capitulo 1, Art. V)

  • “É vedado ao Médico praticar ou indicar atos médicos desnecessários […]” (CEM, Capitulo III, Art. 14o)
  • “É vedado ao Médico divulgar[…]processo de tratamento ou descoberta cujo valor ainda não esteja expressamente reconhecido cientificamente por órgão competente" (CEM, Capítulo XIII, Art 113o)

A direção do CFM, entretanto, optou por um discurso em defesa da autonomia médica, eximindo-se de responsabilidade. Um silêncio conivente que favorece a desinformação e compactua com aqueles que disseminam inverdades, colaborando para o afrouxamento das medidas de proteção, forma mais efetiva de controle da transmissão viral, com claros prejuízos individuais e coletivos.


  • “O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional” (CEM, Capítulo I, Art II)

  • “É vedado ao médico causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência” (CEM, Capítulo III, Art 1o)

Ademais, médicas e médicos que zelam pela boa prática profissional, baseando sua atuação nas evidências científicas e na orientação de organismos internacionais de saúde, sofrem pressões diárias por parte da população atendida que busca prescrição dos medicamentos propagandeados como tratamento precoce, assim como por parte de empregadores públicos e privados, aumentando a carga de tensão do, já extenuante, trabalho nas linhas de frente de atendimento dos sintomáticos respiratórios. É atribuição dos Conselhos Regionais e Federal de Medicina zelar para que o exercício profissional ocorra livre de pressões de qualquer ordem e pela garantia da escolha, por médicas e médicos, dos meios cientificamente reconhecidos.

  • “Nenhuma disposição estatutária ou regimental de hospital ou de instituição, pública ou privada, limitará a escolha, pelo médico, dos meios cientificamente reconhecidos a serem praticados para estabelecer o diagnóstico e executar o tratamento, salvo quando em benefício do paciente” (CEM. Capitulo 1, Art XVI)
  • “É vedado ao médico permitir que interesses pecuniários, políticos, religiosos ou de quaisquer outras ordens, do seu empregador ou superior hierárquico ou do financiador público ou privado da assistência à saúde, interfiram na escolha dos melhores meios de prevenção, diagnóstico ou tratamento disponíveis e cientificamente reconhecidos no interesse da saúde do paciente ou da sociedade” (CEM Capitulo III, Art. 20o)
  • “É vedado ao médico deixar de usar todos os meios disponíveis de promoção de saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente” (CEM Capitulo III, Art. 32o)

Externamos através desta carta pública nossa indignação e perplexidade frente à posição do Conselho Federal de Medicina e Conselhos Regionais, dissonante de sociedades científicas e órgãos de saúde de todo o mundo. Este chamamento vai no mesmo sentido de carta-manifesto anteriormente divulgada e entregue ao CFM por estas entidades em agosto de 2020, em “defesa de uma Medicina ética, responsável e baseada em evidências”, a qual recolheu mais de 2.000 assinaturas.

Não nos consideramos representados por um conselho profissional de discursos vagos e atitudes imprecisas, incapaz de se manifestar de forma imperativa contra a anticiência e o obscurantismo, omitindo-se do embate técnico e da cobrança política que a gravidade do momento exige. A sociedade espera daqueles que juraram cuidar de sua saúde ações imperativas na defesa da Ciência, da saúde pública e da vida. 

24 de janeiro de 2021.

  • Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela Democracia (ABMMD)
  • Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares (RNMP)

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