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quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Deu na Gazeta: R$ 70,3 bilhões repassados pela União estão sem fiscalização

Levantamento mostra que recursos transferidos pelo governo federal a prefeituras, estados e ONGs não passaram por controle do uso do dinheiroPublicado em 25/12/2008
R$ 70,3 bilhões em transferências de recursos da União para prefeituras, estados e organizações não-governamentais (ONGs) não foram alvo de nenhuma fiscalização sobre a aplicação do dinheiro público durante os últimos 21 anos. O levantamento é do Congresso em Foco, entidade de Brasília que acompanha assuntos políticos nacionais. O valor tende a ser crescente, já que o governo federal afrouxou, neste ano, regras que permitiriam maior controle dos repasses.
O levantamento do Congresso em Foco se refere a cerca de 79 mil convênios da União com outras entidades públicas ou privadas registrados no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), desde que o mecanismo foi criado, em 1987, até o último dia 8 de dezembro.
O valor contabilizado pelo Congresso em Foco (R$ 70,3 bilhões) se refere a transferências que não foram objeto de uma “tomada de contas especial”. Esse mecanismo de controle é adotado pela administração pública para tentar reparar os prejuízos causados aos cofres públicos quando quem recebeu os recursos federais faz uma má aplicação do dinheiro público ou não prestou contas de forma correta.
A tomada de contas especial é um instrumento previsto na Instrução Normativa nº 1/97 da Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Pela instrução, a partir da data do recebimento da prestação de contas, o órgão que fez a transferência tem 60 dias para se pronunciar sobre a aprovação ou não dos documentos apresentados pela entidade que recebeu o dinheiro do governo. Mas, na prática, a papelada acaba ficando esquecida nas gavetas dos ministérios e autarquias federais, pois a maioria dos órgãos transfere mais recursos do tem capacidade de fiscalizar, segundo o Congresso em Foco.
O levantamento mostra que a maior parte dos recursos não-fiscalizados pela União refere-se à transferências de recursos a entidades que simplesmente não prestaram contas (R$ 50,7 bilhões) ou a órgãos cuja prestação de contas ainda não chegou a ser analisada pelo governo federal (R$ 16,5 bilhões). Não necessariamente esses recursos foram mal empregados pelos tomadores do dinheiro. Mas o fato de não haver a prestação de contas ou de ela ainda não ter sido analisada abre brechas para irregularidades que não são descobertas.
O estudo do Congresso em Foco revela ainda que há cerca de R$ 937,43 milhões em convênios que deveriam ser alvo de investigação porque os órgãos públicos ou ONGs estão inadimplentes na prestação de contas. Ou seja, não apresentaram adequadamente a comprovação dos gastos ou repassaram dados que foram rejeitados pela própria União. Apesar disso, o governo federal não fez a cobrança do valor por meio da tomada de contas. Os motivos das irregularidades na prestação de contas vão desde o desvio da finalidade do projeto inicial até o não-cumprimento da contrapartida exigida pela União.
Há ainda 14.357 convênios firmados pelo governo federal, no valor total de R$ 2,1 bilhões, cuja inadimplência na prestação de contas da parte do tomador dos recursos foi suspensa por ordem judicial. Normalmente isso ocorre porque o gestor que usou recursos já não é mais o mesmo que tomou o dinheiro (caso, por exemplo, da mudança no comanda de prefeituras). Esses convênios com inadimplência suspensa também não foram alvo de tomada de contas.
Mais brechas
A Medida Provisória (MP) das Filantrópicas, editada recentemente e que promove uma anistia a todas entidades que tinham dívidas com o governo federal, acabou sendo mais uma brecha para dificultar a fiscalização das transferências de recursos públicos federais para entidades privadas.
Portaria
Outra medida que abriu brechas foi uma portaria publicada em fevereiro, sem alarde, que arquiva a fiscalização dos convênios mais antigos. Trata-se da Portaria Interministerial nº 24. A norma autoriza o arquivamento dos processos relativos aos convênios e contratos de repasses que tenham prazo de vigência encerrado até 25 de julho de 2002, com valor de até R$ 100 mil e cuja prestação de contas tenha sido apresentada até 31 de julho de 2007. A portaria foi assinada pelos ministros do Planejamento, Paulo Bernardo; da Fazenda, Guido Mantega; e da Controladoria-Geral da União (CGU), Jorge Hage.
Técnicos orçamentários ouvidos pela reportagem dizem que a portaria não pode ser comparada à anistia para as entidades filantrópicas sem investigação, pois convênios antigos custam mais para serem fiscalizados do que o próprio valor repassado às entidades ou órgãos públicos. Apesar disso, esses técnicos disseram que a publicação da norma é um “atestado de incompetência gerencial” do governo.

Pressão de prefeitos faz governo afrouxar regras
Publicado em 25/12/2008
Uma ferramenta importante para o controle das transferências da União, que passou a operar em setembro deste ano, já foi flexibilizada para atender às reivindicações de prefeitos. O Portal de Convênios do governo federal (www.convenios.gov.br), ferramenta similar ao Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), prometia dar transparência aos repasses a prefeituras, estados e ONGs e facilitar a fiscalização do uso dos recursos. No entanto, após pressão dos municípios sobre o Congresso Nacional – que prometia dificultar a votação do Orçamento de 2009, as regras de convênios foram afrouxadas.
Em 11 de dezembro, o Ministério do Planejamento divulgou as novas regras do Portal de Convênios. Antes, exigia-se que todas as transações fossem feitas por meio do site. Com a portaria do ministério, as entidades têm o direito de formalizar os convênios com o governo pelos mecanismos antigos. Ou seja, os convênios passaram a poder ser firmados em papel, fora do portal e da fiscalização digital, que é mais rápida e eficiente.
Objetivo
O Portal dos Convênios vinha sendo gestado pelo governo desde julho de 2007. Um dos seus objetivos é criar maior dificuldade para a ocorrência de episódios como o esquema dos sanguessugas, desmontado pela Polícia Federal em 2006. Previsto para entrar em funcionamento no início de 2008, seu lançamento já havia sido adiado uma vez.

Descontrole estimula desvios, diz TCU
O relatório de atividades do Tribunal de Contas da União (TCU) relativo a 2007 confirma que a fiscalização da execução dos convênios é “praticamente inexistente” e ainda aponta os motivos da omissão dos ministérios: carência de pessoal em número e qualificação técnica e falta de parâmetros técnicos e financeiros adequados para o controle dos gastos.
O documento do TCU não poupa críticas à falta de fiscalização sobre os repasses. Isso permite, segundo o relatório, que municípios e ONGs “continuem a receber recursos públicos sem que tenham prestado contas ou que estas tenham sido aprovadas sem o lançamento da inadimplência (sem a prestação de contas)”.
“Nesse contexto, a ocorrência de desvios de recursos públicos é estimulada pela certeza da impunidade, em virtude da ausência de acompanhamento e da ineficiência dos órgãos transferidores de recursos para detectá-los. De modo geral, a permanecer o atual nível de descontrole dos recursos reservados às transferências voluntárias, torna-se impossível assegurar o alcance do interesse público”, informa o relatório do TCU.
O novo presidente do TCU, ministro Ubiratan Aguiar, que tomou posse no início deste mês, ao tomar conhecimento do levantamento feito pelo Congresso em Foco, encaminhou duas sugestões ao ministro do Planejamento, Paulo Bernardo.
A primeira proposta é criar um índice, antes de o Orçamento da União ser enviado ao Congresso, que indicaria o limite que cada ministério ou órgão federal tem para fiscalizar convênios. Esse índice balizaria o montante de recursos que o ministério ou órgão poderia repassar a outras entidades.
“Se for estabelecido que um ministério tem tantos milhões para os repasses, o que for feito além disso em convênios é uma aposta no caos. É preciso que se aloquem recursos dentro da capacidade gerencial de cada órgão público”, explicou o presidente do TCU.
Outra recomendação dele é fazer com que todas as compras executadas pelas prefeituras e entidades conveniadas sejam lançadas eletronicamente no Siafi ou no novo portal dos convênios. Apesar disso, o governo federal neste mês baixou uma portaria justamente para afrouxar as normas referente ao portal de convênios, a pedido dos prefeitos.

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