Fundação Estatal de Direito Privado é mais um erro desse governo
A direção do SindSaúde é radicalmente contra a criação das fundações estatais de direito privado. A direção sindical sempre defendeu o Estado como o executor das políticas públicas que atendem ao interesse geral.
A experiência demonstra, com clareza, mesmo sem lei em vigor, o que não dá certo. Um exemplo é o HT. O Estado constrói, equipa e, por meio de contrato de gestão, repassa o hospital para as mãos da iniciativa privada. Quem paga essa conta é o contribuinte. A população sofre e os trabalhadores vivem no maior sufoco.
Esse modelo, proposto pelo governo Lula, de Fundação Estatal de Direito Privado é o mesmo que legalizar uma prática que, à ótica da direção do SindSaúde, é imoral e inconsequente. Imoral porque transfere à iniciativa privada recursos públicos e, sobretudo, porque o Estado deixa de fazer o que é função própria. E inconsequente porque não leva em conta experiências que foram frustradas e só encheram o bolso de alguns grupos.
Por essas e outras razões, a direção do SindSaúde pede a todos os parlamentares que votem contra o PLP 92/2007, que propõe a criação de Fundação Estatal de Direito Privado. Desde a apresentação do Projeto de Lei à Câmara Federal, o assunto tem levantado polêmica e é motivo de debates e mobilizações de diversos setores contrários à sua aprovação.
A saúde não pode ser fonte de lucro. O Estado não pode servir aos interesses dos grandes grupos da indústria da doença.
Muitos dos argumentos em que se baseia a direção sindical foram localizados em um texto na internet. Confira.
Saúde democrática e jurídica
Dalmo Dallari*
No Estado democrático de direito, espera-se que os ministros de Estado sejam exemplares no respeito aos princípios e normas constitucionais e, além disso, que sejam capazes de enfrentar os problemas afeitos à sua pasta, propondo soluções compatíveis com os conceitos jurídico-administrativos já consagrados ou que, se forem inovadores, não deixem dúvidas quanto à constitucionalidade e ao respeito aos preceitos da legislação vigente. Declarações recentes do ministro da Saúde, José Gomes Temporão, deixam evidente seu autoritarismo e seu despreparo para acatar decisões democráticas que contrariem seus planos e a forma por ele concebida para executá-los. Nem a legitimidade democrática nem a legalidade são parâmetros para suas decisões.
Como tem sido amplamente noticiado, o ministro da Saúde tem um projeto de criação de Fundações Estatais de Direito Privado, elaborado segundo o figurino do neoliberalismo. Antes de tudo, é oportuno lembrar que o conceito de fundação, já consagrado, aplica-se à vinculação de um fundo rentável à realização de certo objetivo. Em palavras mais simples, alguém é proprietário de bens que podem produzir renda, como ações de empresas, imóveis ou coisa semelhante. Essa pessoa decide doar esses bens para a composição de um fundo, estabelecendo que todos os rendimentos que eles produzirem serão usados para um objetivo determinado. Isso tudo é estabelecido num documento, onde se estabelece, inclusive, quem será o administrador do fundo, sobretudo para cuidar da obtenção do melhor rendimento possível e da aplicação dos resultados no objetivo estabelecido como finalidade do fundo. Aí está, em síntese, o caminho para a criação de uma fundação.
É importante assinalar que os objetivos serão buscados com a aplicação dos rendimentos produzidos pelo fundo, não fazendo parte do conceito de fundação a dependência de dotações orçamentárias do poder público. O que se criou entre nós, com grande malícia, foram fundações sem fundos, ou seja, falsas fundações, que assumem tarefas do poder público, para serem executadas com dinheiro público, e são administradas segundo as conveniências dos instituidores da falsa fundação ou de seus gestores.
O projeto do ministro Temporão não deixa dúvidas: as fundações receberiam recursos públicos e cumpririam metas governamentais. Como são fundações privadas, poderão contratar com terceiros a execução dos serviços, sem estarem obrigadas a fazer licitação – ou seja, o dinheiro público vai ser usado para contratar serviços com particulares livremente escolhidos pelos administradores das fundações. A par disso, os empregados das fundações serão livremente escolhidos pelos seus dirigentes, sem a necessidade de concurso público, podendo ser demitidos a qualquer momento, como nas empresas privadas.
Essa proposta do ministro da Saúde foi rejeitada pela Conferência Nacional de Saúde, instituição de participação popular que surgiu para dar efetividade à disposição dos artigos 1º e 198 da Constituição de 1988, segundo os quais o poder público será exercido pelo povo, diretamente ou através de representantes eleitos, e as ações e serviços de saúde serão efetivados com a participação da comunidade. Em relação à criação das fundações estatais de direito privado, assim como no tocante à descriminalização do aborto, objetos de propostas do ministro rejeitadas pela Conferência, que reuniu mais de cinco mil especialistas da área da saúde, a manifestação de Temporão, anterior à decisão da Conferência, mas, já prevendo sua derrota, foi incisiva: "Se a Conferência rejeitar a fundação estatal, o projeto será mantido no Congresso Nacional". O povo, ora o povo... A vontade do ministro da Saúde é a lei, mesmo que isso represente grave dano à saúde da democracia e do direito.
*Professor e jurista - artigo publicado no Jornal do Brasil em 24/11/2007
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