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domingo, 16 de agosto de 2009

Ricas e desiguais. Esse é o retrato de metrópoles como Curitiba


Paola Carriel na Gazeta do Povo

Curitiba será apresentada de uma forma diferente ao mundo no próximo relatório das Nações Unidas que monitora a qualidade de vida em 50 cidades do planeta. Além do eficiente planejamento urbano, estarão presentes também dados que mostram a desigualdade da capital paranaense e sua região metropolitana. Um deles é a discrepância entre o Índice de De­­senvolvimento Humano Mu­­nicipal (IDH-M). Enquanto os curitibanos desfrutam do 16.º lugar no ranking nacional, quem vive em Doutor Ulysses, distante 100 quilômetros, amarga o 4.180.º.

O urbanista e economista Yves Cabannes, professor da University College London e coordenador na América Latina do “The State of the World’s Cities Report”, lembra que é a primeira vez que Cu­­ritiba estará no relatório, que será lançado em março do ano que vem no Rio de Janeiro, no Fórum Urbano Mundial. Cabannes é doutor pela Universidade Paris I e foi diretor para a América Latina e o Caribe do Programa de Geren­­ciamento Urbano (PGU) da ONU. Acompanhe a entrevista:

Por que Curitiba será mostrada de uma forma diferente no relatório das Nações Unidas sobre a qualidade de vida em 50 ciades do planeta?

Não há uma Curitiba, mas várias quando falamos da pobreza e da exclusão. Para mim o primeiro ponto está vinculado a exclusão dentro do próprio município. É preciso dar visibilidade à questão de que Curitiba é uma das cidades mais ricas do país, com alto índice de renda da população e, contudo, possui ainda muitas pessoas mo­­rando em condições sub-humanas. O segundo aspecto é a pobreza no aglomerado, isto é, na parte urbana ao redor da capital. Está muito claro que há discriminação de cor, idade e sexo. É um quadro muito sério. Não se nota muito que as bondades do sistema de gestão estão deixando de lado essa dimensão da Curitiba real. Esta­­mos tentando abrir a discussão para essas outras Curitibas que acumulam uma pobreza histórica. Como é possível que no IDH-M a cidade esteja tão bem posicionada e a menos de 100 quilômetros daqui haja um município, como Doutor Ulysses, que ocupa uma das últimas posições? Como é possível haver um quadro tão marcado pela desigualdade próximo de um dos locais mais ricos do Brasil? Isso mostra que o modelo está errado.

Mas o Brasil tem feito muitos investimentos na área social. Recentemente, por exemplo, o governo federal lançou o programa Minha Casa, Minha Vida. Como isso pode mudar a situação do país?

Eu diria, com certeza, que essas políticas são conquistas dos movimentos sociais. São mudanças positivas e indicativas de que o Brasil está no caminho certo. Mas, as políticas não irão muito longe se não houver estímulo à capacidade das próprias lideranças, das próprias comunidades, para que se organizem melhor. Sabemos que apenas a construção da casa não permite que as populações menos favorecidas quebrem o ciclo da exclusão e da pobreza. É preciso fortalecer a organização comunitária e a educação para poder avançar. Com certeza isso faz parte da equação.

Como relacionar pobreza com a ocupação das cidades?

A pobreza, não só em Curitiba, mas em toda a América Latina, tem na população afrodescendente a parcela de pessoas com as menores rendas e os menores níveis de acesso a serviços. Ela tem cor. E tem idade. O jovem latino-americano tem muito mais dificuldade de encontrar emprego do que alguém com mais experiência. A pobreza também tem sexo. As mulheres continuam tendo renda inferior a dos homens mesmo executando tarefas semelhantes. Uma pessoa idosa sozinha também tem maiores chances de estar na pobreza do que aquelas que têm família. Portanto, a po­­breza tem idade, cor, sexo e territórios. Há muitos indicadores mostrando que é nos locais onde há menos equipamentos públicos que essas pessoas vivem. A vulnerabilidade e a precariedade estão presentes também naquelas famílias que moram em terrenos não legalizados. Sem a posse não há investimento. O Estatuto das Cidades no Brasil permite soluções, mas falta vontade política.

O senhor tem uma definição interessante sobre a oposição entre participação e inclusão. Qual a diferença entre as duas?

É como se fôssemos convidados para ir a uma festa onde só haverá valsa. Mas grande parte das pessoas dança somente samba e merengue. Elas estarão lá, incluídas, mas não poderão dançar. Na participação, as pessoas ajudam a organizar a festa e podem escolher as músicas que tocarão. Inclusão é reduzir a pobreza a satisfazer as necessidades básicas, como acesso à água e esgoto. Participação é acessar os direitos, é poder escolher qual bairro e cidade se quer.

Comparando a situação do Brasil e de Curitiba com a América Latina, qual é o quadro que temos?

Eu diria que os extremos são os mesmos. São cidades muito ricas e muito desiguais. É o resumo do quadro das metrópoles latino-americanas. Elas não conseguiram crescer e diminuir as desigualdades. Foi o contrário que ocorreu. É um traço comum e muito marcante em Curitiba. É preciso fazer algo. E isso só se resolve com participação democrática e controle do poder público. O Estado foi incapaz de reduzir sozinho as desigualdades, por isso é preciso a participação da população. É uma via de mão dupla, a comunidade deve pleitear serviços e o poder público deve estar aberto para esta participação. Faço um convite para que todos reflitam sobre isso, para que a bela Curitiba possa ser bela para todos.

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