Cartaz e vídeo relançam polêmica em torno de ação que tramita há 5 anos.
Malformação congênita, a anencefalia atinge uma a cada mil crianças.
Enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) se prepara para julgar o direito à interrupção da gravidez de fetos sem cérebro, os grupos a favor e contra o aborto continuam travando uma disputa ideológica nos bastidores. Neste mês, duas organizações de defesa dos direitos reprodutivos da mulher lançaram campanhas que voltam a impulsionar uma controvérsia que já dura no mínimo cinco anos.
A anencefalia é uma malformação congênita que atinge cerca de um em cada mil bebês e leva ao nascimento da criança sem o cérebro. Geralmente, o recém-nascido resiste por no máximo poucos dias.
Campanha pretende pressionar judiciário (Foto: Reprodução/CCR)
As campanhas foram criadas pela Cepia - Cidadania, Estudo, Pesquisa e Ação em parceria com o Conselho Nacional da Mulher e apoio da Comissão de Cidadania e Reprodução (CCR) e pela Anis - Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero. A primeira traz a imagem de um parto sendo realizado com médicos e gestante vestidos de preto, com a seguinte frase estampada: “Quando o parto é de um anencéfalo o resultado não é uma certidão de nascimento. É um atestado de óbito.”
Já a Anis divulgou nesta semana um vídeo no YouTube em que mostra o dilema real de um jovem médico diante da decisão de interromper a gestação de um feto anencéfalo. As campanhas têm o objetivo de levantar o debate sobre o tema e pressionar para que o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 54 seja concluído pelo STF.
A ação - um instrumento jurídico que visa a corrigir a violação de um direito fundamental - foi proposta em 2004 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Saúde (CNTS). “Nós acreditamos que o julgamento deve ser ainda neste semestre, mas é um tema de grande impacto político e a Corte vai enfrentar outros temas delicados, como a extradição de Cesare Battisti e a união civil de pessoas do mesmo sexo”, diz a antropóloga e diretora da organização, Débora Diniz.
Nos últimos cinco anos, quatro audiências públicas para discutir o assunto foram realizadas como preparação para o debate no STF.
“Quando examinamos nosso Código Penal, verificamos que poucos países ainda tratam o aborto dessa maneira tão restritiva e tão penalisada”, diz a presidente do CCR, Maragert Arilha. “O Supremo tem em suas mãos uma oportunidade única de aliviar o sofrimento de muitas mulheres que se vêem obrigadas a continuar com uma gravidez que não será bem-sucedida.”
Politização injustificada
Para a presidente do Movimento Brasil sem Aborto e integrante da Comissão de Bioética da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Lenise Garcia, as campanhas só servem para chocar e o debate no Supremo é, na verdade, uma politização injustificada do Judiciário. “É uma imagem muita pesada e agressiva para as pessoas que tiveram filhos anencéfalos”, afirma.
Lenise, que também é professora da Universidade de Brasília (UnB), afirma que a aprovação do aborto nesse caso abriria um perigoso precedente.
O fundador da organização presidida por ela, Jaime Ferreira Souza, concorda. "Isso é eugenia", diz. "Agora é a questão dos anencéfalos, mas depois pode vir a ser qualquer outro problema, como a Síndrome de Down"
Rotina
Débora é uma das autoras de uma pesquisa que revela como os casos de anencefalia são frequentes na rotina dos médicos. Em média, eles atendem 6,5 pacientes nessa condição durante suas carreiras.
O estudo ouviu 1.814 médicos filiados à Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). Destes, 1.804 revelaram ter atendido casos de mulheres grávidas de anencéfalos nos últimos 20 anos. “Essa é uma realidade dos hospitais e das clínicas”, diz Débora. “A pergunta que nós devolvemos ao STF é: como esse dilema é resolvido nos consultórios?”
Os médicos entrevistados foram responsáveis por 9.730 atendimentos de mulheres com gestações de anencéfalos, 85% delas preferiram interromper a gravidez. No entanto, apenas 3.602 obtiveram a permissão do Judiciário.
A pesquisa não permite inferir quantas tiveram seus pedidos negados pela Justiça. “Hoje nós nem sabemos quantas mulheres sequer vão à Justiça e conseguem resolver com a solidariedade dos médicos ou quantas vão e não conseguem”, afirma. “O que sabemos é que nessa pesquisa uma proporção alta das mulheres queriam abortar, mas não foram à Justiça.”
Para a advogada Tamara Amoroso Gonçalves, ao permitir o aborto no caso de risco para a vida da mãe, o artigo 128 do Código Penal brasileiro, que trata do assunto, ignora que a gestação de um feto anencéfalo coloca em risco a integridade da gestante. A advogada é autora de um levantamento sobre os casos de aborto levados a julgamento nos tribunais estaduais e superiores do país, entre 2001 e 2006.
Nesse período, 781 decisões foram proferidas pelo Judiciário. A maior parte dos abortos analisados, 31%, foi resultado de violência contra a mulher. A anencefalia e os casos de malformação foram responsáveis por 7% dos casos. “Há um questionamento se trata-se realmente de uma vida. A Lei de Transplantes considera finita a vida quando há a morte cerebral. No caso do anencéfalo, ele não tem o cérebro formado. Por isso se questiona se há uma vida a ser tutelada”, explica Tamara.
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