Recordar é viver. Em tempos de Serra promovendo a privatização do SUS em São Paulo, de FHC "dando lições", Sarney, Collor, Jereissati e asseclas posando de "vestais da república", o Blog do Mario passará a publicar capítulos do livro "O Brasil Privatizado" de Aloysio Biondi.
Apenas por precaução né? Nunca se sabe o que vem pela frente... Sempre é bom (e prudente) lembrar os verdadeiros crimes de lesa-pátria cometidos "no limite da irresponsabilidade" pela tucanagem.
Nota do Editor
Este volume contém o texto integral da primeira edição desta
obra, publicada em abril de 1999. Com morte do autor em julho
de 2000, optamos por não fazer qualquer atualização no texto,
mantendo-o como na versão original
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Biondi, Aloysio,
PRIMEIRA PARTE
pública, um banco, uma ferrovia, uma
rodovia, um porto
Aproveite a política de privatizações do governo brasileiro. Confira nas páginas seguintes os grandes negócios que foram feitos com as privatizações – “negócios da China” para os “compradores”, mas péssimos para o Brasil.
Antes de vender as empresas telefônicas, o governo investiu 21 bilhões de reais no setor, em dois anos e meio. Vendeu tudo por uma “entrada” de 8,8 bilhões de reais ou menos – porque financiou metade da “entrada” para grupos brasileiros.
Na venda do Banco do Estado do Rio de Janeiro (Banerj), o “comprador” pagou apenas 330 milhões de reais e o governo do Rio tomou, antes, um empréstimo dez vezes maior, de 3,3 bilhões de reais, para pagar direitos dos trabalhadores. Na privatização da rodovia dos Bandeirantes, em São Paulo, a empreiteira que ganhou o leilão está recebendo 220 milhões de reais de pedágio por ano desde que assinou o contrato – e até abril de 1999 não começara a construção da nova pista.
A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) foi comprada por 1,05 bilhão de reais, dos quais 1,01 bilhão em “moedas podres” – vendidas aos “compradores” pelo próprio BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), financiadas em 12 anos.
Assim é a privatização brasileira: o governo financia a compra no leilão, vende “moedas podres” a longo prazo e ainda financia os investimentos que os “compradores” precisam fazer – até a Light recebeu um empréstimo de 730 milhões de reais no ano passado. E, para aumentar os lucros dos futuros “compradores”, o governo “engole” dívidas bilionárias, demite funcionários, investe maciçamente e até aumenta tarifas e preços antes da privatização.
Aproveite você também, conheça os detalhes neste livro.
E veja nas páginas 65 a 68, um balanço das contas que o governo está escondendo.
Promessas e fatos
Irritada, tentando há 15 minutos utilizar um orelhão, Maria coloca o telefone no gancho e desabafa:
– Esse demônio só liga em número errado... É o terceiro orelhão com defeito em que estou tentando, e preciso falar urgente com meu filho, que vai sair para a escola...
– É, tá um inferno mesmo – retruca o Zé, no orelhão ao lado. – E olhe que já estou sendo forçado a vir fazer ligações no orelhão porque o telefone lá de casa está mudo há duas semanas... E disseram que tudo ia melhorar com a tal privatização... “Telefone instalado, já, já, até em São José da Tapera”. Lembra do anúncio na televisão? Este país...
Diálogos igualmente indignados repetiram-se aos milhares, nas principais cidades brasileiras, nos últimos meses. Não apenas por causa das “telefônicas”, hoje tristemente famosas, mas também em razão dos desastrosos “apagões” da Light, da Eletropaulo, do“raio de Bauru”... Ou dos postos de pedágios que brotaram como
cogumelos nas rodovias de São Paulo, Paraná etc., antes mesmo de as empreiteiras “compradoras” terem executado um único centímetro de pista nova... Ou dos bancos, que fecham agências em cidades onde eram os únicos a atender à população... Ou das ferrovias, que não cumprem metas, mas aumentam os fretes... Ou dos fertilizantes, defensivos, remédios para o gado, antes produzidos no país e agora importados e, por isso mesmo, pago em dólar pelos agricultores...
Todos esses desastres já criaram a convicção de que o famoso processo de privatização no Brasil está cheio de aberrações. Não foi feito para “beneficiar o consumidor”, a população, e sim levando em conta os interesses – e a busca de grandes lucros – dos grupos que “compraram” as estatais, sejam eles brasileiros ou multinacionais. Mas há mentiras ainda maiores a serem descobertas pelos brasileiros, destruindo os argumentos que o governo e os meios de comunicação utilizaram para privatizar as estatais a toque de caixa, a preços incrivelmente baixos.
A venda das estatais, segundo o governo, serviria para atrair dólares, reduzindo a dívida do Brasil com o resto do mundo – e “salvando” o real. E o dinheiro arrecadado com a venda serviria ainda, segundo o governo, para reduzir também a dívida interna, isto é, aqui dentro do país, do governo federal e dos estados. Aconteceu o contrário: as vendas foram um “negócio da China” e o governo “engoliu” dívidas de todos os tipos das estatais vendidas; isto é, a privatização acabou por aumentar a dívida interna. Ao mesmo tempo, as empresas multinacionais ou brasileiras que “compraram” as estatais não usaram capital próprio, dinheiro delas mesmas, mas, em vez disso, tomaram empréstimos lá fora para fechar os negócios. Assim, aumentaram a dívida externa do Brasil. É o que se pode demonstrar, na ponta do lápis, neste “balanço” das privatizações brasileiras, aceleradas a partir do governo Fernando Henrique Cardoso.
Na surdina, governo garantiu tarifas altas
Houve uma intensa campanha contra as estatais nos meios de comunicação, verdadeira “lavagem cerebral” da população para facilitar as privatizações. Entre os principais argumentos, apareceu sempre a promessa de que elas trariam preços mais baixos para o consumidor, “graças à maior eficiência das empresas privadas”.
A promessa era pura enganação. No caso dos serviços telefônicos e de energia elétrica, o projeto de governo sempre foi fazer exatamente o contrário, por baixo do pano, ou na surdina.
Como assim? Antes de mais nada, é preciso relembrar um detalhe importante: antes das privatizações, o governo já havia começado a aumentar as tarifas alucinadamente, para assim garantir imensos lucros no futuro aos “compradores” – e sem que eles tivessem de enfrentar o risco de protestos e indignação do consumidor. Para as telefônicas, reajustes de até 500% a partir de novembro de 1995 e, para as fornecedoras de energia elétrica, aumentos de 150% – ou ainda maiores para as famílias de trabalhadores que ganham menos, vítimas de mudanças na política de cobrança de tarifas menores (por quilowatt gasto) nas contas de consumo mais baixo. Tudo isso aconteceu como “preparativo” para as privatizações, antes dos leilões.
Mas o importante, que sempre foi escondido da população, é que, em lugar de assinar contratos que obrigassem a Light e outros “compradores” a reduzir gradualmente as tarifas – como foi obrigatório em outros países –, o governo garantiu que eles teriam direito, no mínimo, a aumentar as tarifas todos os anos, de acordo com a inflação. Isto é, o governo fez exatamente o contrário do que jornais, revistas e TVs diziam ao povo brasileiro, que acreditou em suas mentiras o tempo todo. Além dessa garantia de reajustes anuais de acordo com a inflação, os “compradores” das empresas de energia podem também aumentar preços se houver algum “imprevisto” – como é o caso da maxidesvalorização do real ocorrida no começo de 1999...
E os preços cobrados pelas “compradoras” das telefônicas? Para elas, apesar dos mega-aumentos ocorridos antes da privatização, a obrigatoriedade de reduzir as tarifas dos serviços locais – os mais usados pela população, sobretudo pelo “povão” – somente começa a partir do ano... 2001. Ou seja, o governo, na surdina, combinou que as tarifas não deveriam cair em 1998, 1999 e 2000. E tem mais: para esses mesmos serviços locais, a queda máxima “combinada” é de 4,9% no total. Quando? Até 2005. Sete anos depois da privatização, o consumidor só terá 4,9% de redução acumulada.
Bem ao contrário do que o governo e os meios de comunicação afirmaram.
Qualidade dos serviços, outra mentira
O governo enganou a sociedade, também, com o anúncio de rápida melhoria na qualidade dos serviços e a promessa de punição para os “compradores” das estatais que não atingissem as metas definidas nos contratos. Utilizando como exemplos, ainda, os setores de energia e telefonia, pode-se comprovar essas mentiras. O governo e os meios de comunicação sempre esconderam que as metas estabelecidas para os “compradores” das telefônicas somente passariam a valer a partir de... dezembro de 1999. Isto é, na prática, os “compradores” poderiam deixar de atender os consumidores, ou não melhorar substancialmente os serviços, durante todo o segundo semestre de 1998 e o ano inteiro de 1999. Por quê?
Como as metas valem somente a partir do ano 2000, a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), pretensamente encarregada de fiscalizar o setor, nada poderia fazer contra os abusos, a não ser advertências... Tudo “combinado” com os “compradores”.
Foi exatamente essa alegação, a de que as metas valeriam somente a partir de 2000, que a Anatel usou durante quatro meses, de dezembro de 1998 a março de 1999, para não tomar nenhuma providência contra os desmandos da Telefônica em São Paulo.
Somente com a imensa grita da população, desta vez merecedora de atenção dos meios de comunicação, o governo finalmente se movimentou e puniu estas empresas, com base na lei que reformulou o sistema de telecomunicações, e havia sido posta de lado nos contratos. Há quem acredite na boa-fé do governo e julgue que essas estranhas “bondades” foram provocadas apenas por incompetência...
Há quem prefira, porém, a hipótese de que foi tudo um jogo de cartas marcadas, para permitir que os “compradores” adiassem gastos e investimentos para a melhoria dos serviços.
E para a Light e outras empresas fornecedoras de energia elétrica? Aqui, a “bondade” do governo bateu recordes. No caso da Light, o contrato previu – isto mesmo, previu – e autorizou a piora dos serviços, pois permitiu um número maior de blecautes ou
“apagões”, e também de interrupções mais prolongadas no fornecimento de energia. Incrível? Pois essa “piora autorizada” foi denunciada antes mesmo da assinatura do contrato com a Light, por uma organização não-governamental do Rio, o Grupo de Acompanhamento Institucional do Sistema de Energia, do qual o físico Luís Pinguelli Rosa é um dos integrantes.
Como se não bastasse, a multa fixada para as empresas de energia que desrespeitarem até os limites “simpáticos” combinados com o governo é absolutamente ridícula. Quanto? Apenas 0,1% do faturamento anual. Ou seja, se a Light ou a Eletropaulo ou a Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL) faturarem 1,2 bilhão de reais em um ano, a multa será de apenas 1,2 milhão de reais... Deu para entender a jogada? Se as empresas privatizadas deixarem de investir 100 milhões, 200 milhões ou 400 milhões de reais para atender os moradores, as indústrias, as empresas de determinada região ou cidade, pagarão apenas 1,2 milhão de reais de multa... Isso não é multa. É prêmio do governo aos “compradores”.
CONTINUA
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