Páginas

sábado, 26 de setembro de 2009

Por que o atendimento de saúde nunca será igual

N. Gregory Mankiw no New York Times
(recebi do Ney Cunha)

Toda manhã, eu tomo um pequeno comprimido branco que me faz ter profundos pensamentos filosóficos sobre o sistema de saúde americano, o valor da vida e o relacionamento entre homem e Estado. Não, não se trata de um refugo psicodélico ilegal dos anos 60, juntamente com minhas camisetas hippies tingidas. Mas se você me acompanhar, eu aposto que este comprimido terá o mesmo efeito em você.

O comprimido é uma estatina -um tipo de medicamento farmacêutico desenvolvido ao longo das últimas duas décadas para reduzir o colesterol das pessoas. Meu pai morreu de doença cardiovascular e, infelizmente, eu herdei sua predisposição genética. Mas eu espero que a medicina moderna me ajude a evitar seu destino. Assim, como milhões de homens de meia-idade, eu tomo meu comprimido toda manhã.

Aqui está a pergunta que faço enquanto o comprimido passa pelos meus lábios: vale a pena?
Bem, você pode ficar tentado a dizer: "É claro que sim". A maioria das pessoas preferiria evitar uma morte precoce. Se as maravilhas da ciência moderna podem adiar o inevitável por um tempo maior, por que não tentar?

E foi assim, de fato, que pensei a respeito da decisão, quando meu médico recomendou o tratamento. Uma coisa que eu não considerei foi o preço. Como a maioria dos usuários de planos de saúde, eu estava protegido das preocupações econômicas. Eu sei que a seguradora -e, indiretamente, todos seus segurados- arcariam com grande parte da conta. Este arranjo, encorajado pelo sistema tributário, assegura que eu tenha o benefício dos comprimidos ao mesmo tempo em que pago pouco do custo adicional que geram.

Um otimista poderia esperar que meu médico, ou alguém mais acima na hierarquia do atendimento de saúde, fez um cálculo racional de custo-benefício em prol da sociedade. Para determinar seu meu tratamento faz sentido, alguém teria que pesar o custo da droga contra o benefício de uma vida prolongada. E para fazer isso, essa pessoa teria que atribuir um valor em dólares à minha vida -o tipo de cálculo que faz todo mundo, exceto economistas, se contorcer.

Há não muito tempo, eu li que um médico estimou que as estatinas custam US$ 150 mil a cada ano de vida salva. Esse número aproximado reflete não apenas os dólares que pacientes e planos de saúde gastam no tratamento, mas também -e igualmente importante- uma estimativa de quão eficaz ele é no prolongamento da vida. (O número é para os homens. As mulheres têm um risco menor de doença cardíaca.)

Essa estimativa é, na melhor das hipóteses, aproximada, mas certamente sugere que o atendimento preventivo nem sempre é barato. A magnitude do número também traz à mente questões difíceis de filosofia política.

Imagine que alguém tenha inventado um comprimido ainda melhor do que aquele que tomo. Vamos chamá-lo de comprimido Dorian Gray, como o personagem de Oscar Wilde. Todo dia que você tomar o Dorian Gray, você não morrerá, adoecerá ou envelhecerá. Absolutamente garantido. A pegadinha? O suprimento para um ano custa US$ 150 mil.

Qualquer um que puder arcar com o valor deste novo tratamento poderá viver para sempre. Certamente, Bill Gates tem dinheiro para pagá-lo. Provavelmente, milhares dos americanos de altíssima renda desembolsariam alegremente US$ 150 mil por ano pela imortalidade.

A maioria dos americanos, entretanto, não teria tanta sorte. Como o preço desses novos comprimidos ultrapassa em muito a renda média, seria impossível fornecê-lo a todos, mesmo se todos os recursos da economia fossem dedicados à produção de comprimidos Dorian Gray.

Então aqui está a pergunta difícil: como nós, como sociedade, decidiríamos quem recebe os benefícios desse avanço médico? Seremos igualitários na saúde e tentaríamos proibir Bill Gates de usar sua riqueza para viver mais que o João da Silva? Ou aprenderíamos a conviver com as vastas diferenças de resultados da saúde? Há um caminho do meio?

Estas perguntas podem parecer coisa de ficção científica, mas não estão muito distantes daqueles que participam do debate atual sobre a reforma da saúde.

Apesar de toda a conversa sobre desperdício e abuso em nosso sistema de saúde (que sem dúvida existem em certo grau), o principal impulsionador do aumento dos custos do atendimento de saúde é o avanço da tecnologia médica.

A profissão médica está sempre estudando novas formas de prolongar e melhorar a vida, e isso é uma coisa boa, mas essas novas tecnologias não são baratas. Para cada novo tratamento, nós temos que determinar se o preço vale a pena e quem vai recebê-lo.

A pressão pela cobertura universal se baseia na premissa atraente de que todo mundo deve ter direito ao acesso ao melhor atendimento de saúde possível, sempre que necessário.

Esta aspiração de coração mole, entretanto, colide com a realidade cabeça-dura de que o estado de arte do atendimento de saúde está cada vez mais caro.

A certa altura, alguém no sistema precisa dizer que há algumas coisas pelas quais nós não pagaremos. A grande questão é, quem? O governo? Os planos de saúde? Os próprios consumidores? E a resposta deveria ser necessariamente a mesma para todos?

A desigualdade nos recursos econômicos é uma característica natural mas não totalmente atraente de um sociedade livre. À medida que o atendimento de saúde tomar uma parcela cada vez maior da economia, nós não teremos escolha a não ser lutar com a questão de quão longe deveríamos permitir essa desigualdade e que restrições à nossa liberdade deveríamos suportar em nome da justiça.

Ao final de nosso dia filosofando, entretanto, nós enfrentamos uma decisão prática: Quem recebe as pílulas mágicas e quem paga por elas?

(N. Gregory Mankiw é um professor de economia de Harvard. Ele foi conselheiro do presidente George W. Bush.)

Tradução: George El Khouri Andolfato

Nenhum comentário:

Postar um comentário