Autor paranaense lança antologia de histórias inéditas e mostra, a cada frase elíptica, por que é um dos gigantes da literatura brasileira
As elipses do contista curitibano, de 84 anos, levaram a “teoria do iceberg”, de Ernest Hemingway, a um extremo visitado por poucos. Para o autor americano de O Velho e o Mar, o importante num conto é apenas sugerido pela pequena parte vísivel dele – como a ponta de uma geleira.
Parte das 22 histórias inéditas de Violetas e Pavões, novo livro de Trevisan publicado pela Record, sua editora há mais de três décadas, são de uma brevidade atordoante. As frases não têm pontuação, são curtas – às vezes, muito curtas – e ocupam um parágrafo cada. É como se não tivessem fim nem começo: “tudo foi culpa da mulher/ ficando em casa nada acontecia/ bem na noite do cursinho dela; agora com a mania de aula/ antes cuidasse do maridinho na noite dessa desgraça”.
Quem vê a coloquialidade do texto “A Culpada”, ou de qualquer outro conto da antologia, pode achar simples transcrever para o papel o modo de falar de um ex-viciado em crack, ou de uma senhora mãe de um garoto perseguido pelo tráfico. A simplicidade é só aparente.
Outro que transcreve o modo de falar das ruas, o americano Richard Price, do romance Vida Vadia, explica que as pessoas não costumam completar frases, usam gírias demais e são muito repetitivas. Criar diálogos “fiéis” ao linguajar dos enjeitados tornaria o texto ilegível. É preciso criar mecanismos que consigam reproduzi-lo e, de quebra, fazer literatura.
É assim que funciona, em “Cachaça e Pamonha”, de Trevisan: “Tudo ia bem. Daí o meu assassino ganha condicional. E me rouba a única riqueza do pobre, que é você dormir em paz”.
Price tem amigos no submundo nova-iorquino e passa um bocado de tempo ao lado deles. Quanto ao paranaense, se pode apenas supor que tenha informantes, sejam eles jornais sangrentos ou vendedores de loteria.
Violetas e Pavões tem também contos que são aulas de anatomia feminina e falam de sexo – descrevendo inclusive cenas bem quentes – usando metáforas a maior parte do tempo e quase nenhuma palavra chula. Pense no que pode significar “colmeia de vespas laboriosas”, “dunas movediças”, ou “cravo rosáceo violeta”...
As sacanagens descritas só se tornam pornográficas no último segundo. A intensidade vivida pelos personagens é experimentada pelo leitor, que é preparado “em fogo brando”, numa referência a outra cena, até alcançar as frases em que ação é escancarada e as metáforas, deixadas de lado.
Não faltam referências a Curitiba – os pavões do título estão no passeio público e o lendário Tiki-bar ainda existe na ficção – e a outros escritores. Trevisan usa, por exemplo, J.D. Salinger, o americano recluso que escreveu Apanhador no Campo de Centeio. O conto “Lábios Vermelhos de Paixão” cita a frase de Salinger sobre o som “de uma única mão que bate palmas”, dando a ela um significado sexual – e genial.
Serviço
Violetas e Pavões, de Dalton Trevisan. Record, 128 págs., R$ 32,90.
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