Contaminação por metais pesados é atribuída às minas de carvão da Klabin, que serão alagadas pela futura Hidrelétrica Mauá
Maria Gizele da Silva, da sucursal de Ponta Grossa da GPTelêmaco Borba - O lavrador João Maria Miranda, morador de um casebre próximo ao Rio Tibagi, na zona rural de Telêmaco Borba, nos Campos Gerais, sente fortes dores nos ossos e coceira intensa na pele. Aos 59 anos, diz que desde a infância tem contato direto com as águas e os peixes do rio. Exames realizados pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) comprovam a concentração de metais pesados no rio, perto das usinas de carvão já desativadas pela Klabin, mas que deixaram rejeitos que liberam os elementos na natureza.
Exame laboratorial comprova a presença dos mesmos metais pesados no organismo do lavrador. A área será alagada pelo reservatório da usina hidrelétrica Mauá. Como a situação é inédita, os efeitos são desconhecidos. O principal receio é com o comprometimento da qualidade da água que abastece toda a região metropolitana de Londrina. Miranda atribui a contaminação aos resíduos das minas. Exame realizado em julho revela que a presença de cádmio e mercúrio estava perto dos limites de referência, enquanto a de chumbo superava o aceitável.
Conforme pesquisadores da UEL, a contaminação se dá principalmente pelo consumo de peixes. A equipe da doutora em Ecologia e Recursos Naturais Sirlei Terezinha Bennemann demonstrou em 2008 que o peixe mais consumido na região apresentava metais pesados em sua composição. Esses elementos se concentram no sedimento (solo) do rio, que serve de alimento para o corimba. A análise recente da água, feita pela equipe da doutora em Química Maria Josefa Santos Yabe, revelou que a concentração de chumbo foi de 80 miligramas por quilo de sedimento, enquanto a média aceitável é de 20.
Também fizeram o exame a esposa de Miranda, Marina Antunes Teixeira Miranda, 51 anos, e o primo, Ismair Carvalho da Silva, 44 anos. Eles apresentaram a contaminação por metais pesados, embora em menor grau. Os três relatam dores intensas no corpo. "Tem dia que não dá para trabalhar, dói tudo", comenta Ismair. "Eu acho que tem mais gente contaminada, porque desde que a gente é criança vive aqui e já bebeu água ou comeu peixe do Tibagi", diz Marina. O irmão de Ismair, Inácio Silva, que morou muitos anos na localidade e hoje vive em Curitiba, calcula que haja pelo menos 300 ribeirinhos afetados.
"Foi descoberta a crista do iceberg", declara o advogado da organização não governamental Liga Ambiental, Rafael Filippin. Ele prepara um pedido à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e à Secretaria de Estado da Saúde para um levantamento epidemiológico nos ribeirinhos e nos indígenas da reserva de Mococa, que consomem o peixe do Tibagi. Por enquanto, os contaminados não recebem indenizações nem fazem tratamento médico. "Quando coça muito, eu passo pinga na pele", diz Miranda, que não tem dinheiro para comprar remédio.
A médica do Centro de Controle de Envenenamentos de Curitiba, Marlene Entres, não conhece o caso de Telêmaco Borba, mas diz que para se estabelecer uma relação entre o contaminado e o agente contaminante é preciso estudar a situação. Um único exame laboratorial não basta para dar um diagnóstico preciso. O chumbo provoca alterações no organismo que vão das mais leves, como fadiga e dor de cabeça, até as mais graves, como espasmos intestinais e paralisias musculares. O lado mais cruel da contaminação é o efeito sobre as crianças, pois pode comprometer o desenvolvimento cognitivo e ter até retardamento mental.
Recuperação
As minas foram operadas pela Klabin entre a década de 30 e o ano de 1993, quando a fábrica de papel e celulose decidiu suspender o funcionamento. Logo após a desativação, foram elaborados projetos de recuperação acompanhados pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAP) e pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).
Segundo o gerente de Meio Ambiente da Klabin, Júlio César Batista Nogueira, o processo foi concluído em 2000 com a retirada dos explosivos das minas. Desde então, a água é monitorada por laboratórios credenciados a órgãos governamentais. Nogueira garante que a qualidade da água do Tibagi está em acordo com a legislação ambiental e desconhece os resultados dos exames que mostraram a contaminação nos ribeirinhos.
A hidrelétrica
Depois de enfrentar um atraso de oito meses no início da construção, por causa de ações judiciais questionando os danos ambientais, a usina foi iniciada em julho de 2008 sem autorização da Assembleia Legislativa, que agora tenta barrá-la. A obra custará R$ 1,2 bilhão e é o principal empreendimento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal no Sul do país. A usina está prevista para entrar em operação em 2011 e vai gerar energia para cerca de 1 milhão de habitantes.
Consumo
Sanepar vai manter captação
O Rio Tibagi continuará sendo o principal reservatório de captação de água da Sanepar para a região metropolitana de Londrina. Hoje, 600 mil pessoas consomem a água captada no rio, que possui sete pontos de monitoramento para aferir a qualidade. No ano que vem, a Sanepar pretende duplicar a capacidade de vazão e atender um milhão de pessoas. O gerente da Sanepar em Londrina, Sérgio Balhs, diz que para realizar o investimento precisa que o consórcio Cruzeiro do Sul, que constrói a usina, garanta a qualidade da água.
Para o presidente da organização não governamental Liga Ambiental, Tom Grando, o principal risco com a construção da usina é o alagamento de uma área que congrega um passivo ambiental que já contaminou pessoas com metais pesados. "Estamos defendendo o interesse de um milhão de pessoas", acrescenta. O presidente do IAP, Vitor Hugo Burko, atesta que não há riscos ambientais porque "as providências estão sendo tomadas".
Divergência entre especialistas
Entre os 17 documentos de pesquisadores pertencentes principalmente à Universidade Estadual de Londrina (UEL), encaminhados aos governos estadual e federal para alertar sobre os riscos ambientais da construção da hidrelétrica Mauá, está o parecer sobre os prováveis riscos do alagamento das minas de carvão desativadas da Klabin. A área das 26 minas de carvão foi contemplada no estudo de impacto ambiental exigido para a emissão do licenciamento para a construção da usina.
O doutor em Geologia pela Universidade Federal do Paraná André Virmond Lima Bittencourt, que prestou consultoria no estudo, afirma que estão sendo tomadas providências para evitar danos ambientais quando as minas estiverem submersas. A área dos rejeitos de carvão está sendo coberta por uma mistura argilosa e as bocas das minas serão fechadas por tampões de concreto.
Bittencourt considera que o risco maior está ocorrendo agora, já que a emissão dos efluentes depende do oxigênio exposto no ar para se propagar e atingir o rio, deixando a água com as características de contaminação, como a coloração alterada e a acidez.
Para a doutora em Química Maria Josefa Santos Yabe, as medidas são muito frágeis. Como as bocas das minas têm rachaduras, a água atingirá o interior das instalações. Além disso, segundo ela, o aterramento dos locais de rejeito é preocupante porque os efeitos são desconhecidos. "É o mesmo que tapar o sol com a peneira", compara.
A discussão também está no Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Meio Ambiente. O promotor Robertson Fonseca de Azevedo informou que os exames já encaminhados estão sendo analisados. Pelo "princípio da precaução", segundo ele, a construção deveria ser paralisada até serem discutidos e medidos os efeitos do alagamento das antigas minas.
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