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sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

A ciência segundo a CTNBio


Desde a criação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) em 2005, as multinacionais da biotecnologia têm se beneficiado com aprovações consecutivas e sem exceção de todos os pedidos de liberação de variedades transgênicas no Brasil. Entre 2005 e final de 2009, a CTNBio dará carta branca ao plantio comercial de duas variedades de soja, dez variedades de milho e seis variedades de algodão, e poderá liberar uma variedade de arroz da multinacional Bayer, fato que colocará em risco a segurança alimentar do país, de acordo com a Embrapa.

Na próxima reunião da CTNBio, marcada para a próxima semana, os conselheiros do órgão querem modificar agora a única cláusula de segurança contra contaminações generalizada de lavouras e variedades convencionais por transgênicos: foi proposta a alteração da Resolução Normativa 05, que prevê o monitoramento dos Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) depois de sua liberação comercial, para que esta exigência deixe de existir. Graves irregularidades nos procedimentos da CTNBio foram pauta de uma matéria publicada na Revista Sem Terra - edição 53 (novembro/dezembro 2009), e que segue nesta mensagem para ampla divulgação. A reportagem "A ciência segundo a CTNBio", assinada pela jornalista Verena Glass, traz ainda - com exclusividade -um quadro que mostra a ligação de vários membros da CTNBio a multinacionais da biotecnologia.

O comportamento da CTNBio chega a ser ilegal, do ponto de vista científico, se considerado que pré-requisitos básicos, como o Princípio da Precaução, constante do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, da qual o Brasil é signatário, são sumariamente ignorados. Mas pode ser entendido levando-se em conta que ao menos nove dos 27 conselheiros do órgão têm ou tiveram relação direta com grandes empresas de biotecnologia e suas entidades representativas. Assim também as duas instâncias com maior número de representantes na CTNBio - a USP e a Embrapa - contam com acordos e parcerias com várias empresas (a Embrapa mantém uma parceria com a Monsanto desde 1997, com vigência até 2012, para o desenvolvimento de tecnologias para soja transgênica. De 2006 a 2009, a Monsanto já repassou ao Fundo de Pesquisa da Embrapa aproximadamente R$ 20 milhões).

Por isto, convocamos a sociedade a se manifestar contra os abusos cometidos em nome do enriquecimento de grandes transnacionais da transgenia e em prejuízo da agricultura e da biossegurança nacionais. É preciso que o Conselho Nacional de Biossegurança, composto por vários ministérios do governo e cujo papel é monitorar as decisões da CTNBio, assuma sua responsabilidade e evite danos irreparáveis ao meio ambiente, antes que seja tarde.

A íntegra da matéria e a versão diagramada podem ser encontradas em http://www.mst.org.br/node/8721.

A CIÊNCIA SEGUNDO A CTNBio

Órgão responsável pela liberação em série de transgênicos no Brasil não esconde relações com multinacionais de biotecnologia e posição não-científica pró-OGMs

Por Verena Glass

Entre o final de 2009 e o início de 2010, é possível que o Brasil conquiste mais um (triste) título em termos de inovação: será o primeiro país do mundo a liberar o plantio comercial de uma variedade de arroz transgênico — o LL62 da Bayer S/A. Caso venha a ser aprovado pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), o arroz da Bayer será o 19º Organismo Geneticamente Modificado (OGM) a ser cultivado comercialmente no país — entre 2005 e final de 2009, a CTNBio dará carta branca ao plantio comercial de duas variedades de soja, dez variedades de milho e seis variedades de algodão —, e manterá inalterado o fluxo das aprovações consecutivas de todos os OGMs apresentados à Comissão pelas multinacionais de biotecnologia.

A já manifesta intenção da CTNBio de permitir o cultivo de arroz transgênico não mereceria especial destaque neste cenário, não fosse uma peculiaridade: uma oposição generalizada à liberação reuniu no mesmo palanque, pela primeira vez, ambientalistas, pesquisadores pró-transgênicos e grandes produtores. Ou seja, além dos já tradicionais críticos aos OGMs, como Organizações Não-Governamentais (ONGs) ambientalistas e dos direitos dos consumidores, se uniram contra a aprovação entidades como Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa, principal agência pública de pesquisa e apoio à transgenia no país), Farsul (Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul), Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga) e Federação das Associações dos Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz).

Para a Embrapa e os rizicultores gaúchos, a maior ameaça do arroz da Bayer, cuja transgenia consiste na tolerância ao herbicida glufosinato de amônio, é a transferência da mutação genética ao arroz vermelho, considerado a principal planta invasora da cultura do arroz irrigado. Com a contaminação, a variedade, que já causa prejuízos à produtividade e à qualidade do arroz em áreas altamente infestadas, se tornará resistente ao controle químico. Ou seja, de acordo com a Embrapa, o arroz transgênico, se liberado, será uma ameaça à segurança alimentar do Brasil, podendo levar ainda a uma contaminação generalizada das variedades de arroz silvestre no país.

Ora, se pesquisadores (baseados em avaliações científicas), produtores (preocupados com questões econômicas), e consumidores (atentos ao que comem — a ONG Greenpeace recolheu mais de 20 mil assinaturas para uma petição contra a liberação) se opõem ao plantio de arroz geneticamente modificado, a pergunta que se coloca é: a que interesses a CTNBio pretende atender com a sua aprovação? (pequena observação: seria leviano afirmar que o desempenho das vendas de grandes multinacionais de biotecnologia tenha relação com as liberações de OGMs no Brasil — na sua maioria, variedades resistentes a produtos destas empresas. Mas fato é que, segundo a revista Exame, a Monsanto, que teve nove cultivos transgênicos aprovados, arrecadou em vendas US$ 783,9 milhões em 2006, US$ 899,2 milhões em 2007 e US$ 954,8 milhões em 2008).

A serviço de quem?

De acordo com a Lei de Biossegurança, a CTNBio, criada em 2005, tem como função “prestar apoio técnico consultivo e assessoramento ao governo federal na formulação, atualização e implementação da Política Nacional de Biossegurança relativa aos OGMs, bem como no estabelecimento de normas técnicas de segurança e pareceres técnicos referentes à proteção da saúde humana, dos organismos vivos e do meio ambiente, para atividades que envolvam a construção, experimentação, cultivo, manipulação, transporte, comercialização, consumo, armazenamento, liberação e descarte de OGM e derivado”.

Para a aprovação comercial de transgênicos, são necessários 14 votos favoráveis (a Comissão tem 27 membros, e uma sessão deve ter um quorum mínimo de 14 conselheiros). Responsáveis pela análise técnica e científica de pedidos de liberação de OGMs, os conselheiros da CTNBio têm de apresentar, obrigatoriamente, título de doutor em suas respectivas áreas, sendo que a grande maioria é ligada a universidades, como a USP, UFPE, UFRJ, UFMG, Unicamp, UNB, UFV, UFRGS, UFES, PUC-RS, UFAL, Unifesp e UEL. Já a Embrapa “contribui”, no momento, com cinco membros.

De acordo com as entidades da sociedade civil que têm acompanhado o trabalho da CTNBio, como as ONGs Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), Terra de Direitos e Greenpeace, muitas das análises técnicas nos processos de liberação de OGMs careceram de rigor científico e de adoção do Princípio da Precaução, previsto no Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, além de pesquisas em solo brasileiro que comprovem a segurança do plantio comercial das variedades aprovadas. Por outro lado, afirmam as ONGs, uma característica marcante da maioria dos conselheiros da Comissão tem sido um posicionamento abertamente favorável às tecnologias transgênicas. Em 2003, oito dos atuais membros da CTNBio (Alexandre Lima Nepomuceno, Edilson Paiva, Flavio Finardi Filho, Francisco José Lima Aragão, Kenny Bonfim, Luiz Antonio Barreto de Castro, Maria Lucia Carneiro Vieira, e Paulo Augusto Vianna Barroso) subscreveram a “Carta Aberta dos Cientistas Brasileiros”, em que afirmam que “o Brasil não pode abrir mão da tecnologia de organismos transgênicos”, uma vez que “é imprescindível para a sustentabilidade e competitividade do agronegócio brasileiro e agricultura familiar” e “ acarretará em benefícios sociais e econômicos para o país”.

Entre os atuais conselheiros, vários também têm ou tiveram, pessoalmente, alguma relação com as empresas de biotecnologia (ou com entidades financiadas pelas multinacionais, como o Conselho de Informações sobre Biotecnologia/CIB e a Associação Nacional de Biossegurança/Anbio, entidades de lobby pró-transgênicos que têm entre seus associados Basf, Bayer, Cargill Agrícola, Dow Agrosciences, DuPont do Brasil, Monsanto do Brasil, Pioneer Sementes Ltda, e Syngenta Seeds, entre outros).

Contaminação

No tocante à observância de critérios científicos adequados nos processos de liberação de OGMS ou no estabelecimento de normas de segurança para prevenir a contaminação de lavouras não transgênica por variedades geneticamente modificadas, a CTNBio tem sido repetidamente questionada por diversas instituições.

Em 2007, as liberações dos milhos transgênicos Liberty Link, da Bayer, e MON 810, da Monsanto (proibido na França, Áustria, Grécia, Luxemburgo, Hungria, Itália, Polônia e Alemanha), foram questionadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que apontaram erros nos pareceres técnicos que fundamentaram as aprovações. Para a Anvisa, entre as irregularidades no processo da Bayer constam a insuficiência ou inexistência de estudos toxicológicos ou de alergenicidade para comprovar a segurança do milho transgênico para o consumo humano. Já segundo o Ibama, a CTNBio ignorou a inexistência de estudo prévio de impacto ambiental realizado nas condições edafoclimáticas do país e a ausência de avaliação de risco, caso a caso, entre outros problemas. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, também não constaram do processo “estudos ou literatura que comprovem a ausência de danos ambientais, razão pela qual a decisão técnica não poderia ter sido emitida”. Os recursos contra as liberações foram apresentados ao Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), que optou por ignorar as irregularidades.

Pouco tempo após estas denúncias, uma ação civil pública de entidades da sociedade civil levou a Justiça a exigir da CTNBio a criação de regras de coexistência por meio de uma resolução normativa que, em teoria, protegeria as lavouras não transgênicas de milho da contaminação dos OGMs. Ou seja, foram estabelecidas distâncias mínimas de isolamento entre cultivos transgênicos e não transgênicos que, para garantir total segurança contra a contaminação, seriam “igual ou superior a 100 metros ou, alternativamente, 20 metros, desde que acrescida de bordadura com, no mínimo, 10 fileiras de plantas de milho convencional de porte e ciclo vegetativo similar ao milho geneticamente modificado”.

Vários casos de contaminação de lavouras não transgênicas por OGMs foram denunciados ao longo dos últimos três anos por ONGs e pela imprensa, mas em meados de 2009, a conclusão de um monitoramento do fluxo gênico do milho transgênico no Paraná, realizado pelo Departamento de Fiscalização e Defesa Agropecuária do Estado para verificar a eficácia da Resolução Normativa da CTNBio, comprovou oficialmente que as normas de segurança são ineficazes, uma vez que foi detectada contaminação em todas as áreas monitoradas. “Os resultados preliminares indicam que, mantida a atual norma, é impossível assegurar a coexistência segura entre os cultivos transgênicos, tradicionais e orgânicos, já que, até o presente momento, todas as áreas monitoradas apontaram para polinização por pólem transgênico à distância muito superior à regulamentada”, afirma documento da Secretaria de Agricultura do Estado.

Diante destes dados, no final de outubro várias organizações da sociedade civil propuseram uma ação civil pública que pede a suspensão das liberações comerciais de milho transgênico até que seja editada uma norma coerente com o princípio da precaução. O processo tramita na Vara Federal Ambiental de Curitiba e aguarda decisão do juiz.

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