Passagem do guitarrista britânico Jimmy Page pela capital fluminense reafirma a força da banda Led Zeppelin na mitologia do rock
Quando Jimmy tinha 13 anos, uma guitarra apareceu magicamente em sua casa, deixada pelo inquilino anterior ou por um amigo da família. Ele não a largou mais. Levava todo dia para o colégio: o instrumento era confiscado na entrada e devolvido na saída. Hoje, escolas como a British estimulam a prática da música e quase toda classe tem a sua banda de rock – não só rapazes, mas moças na função de cantoras... por enquanto. Mas quantos futuros Jimmy Pages existirão entre os músicos que desfilaram pelo palco da Urca naquelas três horas de show? Até a fúria do rock amainou.
No filme de Antonioni Blow Up – Depois Daquele Beijo, Jimmy vê Jeff Beck arrebentar a guitarra em marteladas contra os amplificadores num gesto ritual de rebelião. Na jam session final do show da Urca – o Kid Abelha George Israel puxando a galera num empolgado “While My Guitar Gently Weeps” enquanto Pepeu Gomes solava para animar Jimmy a tocar – apenas o pequeno baterista imberbe, filho de George, ensaiou um espasmo mais ousado, jogando as baquetas sobre a platéia. Para acentuar o abismo que separa os anos 70 dos anos 00 que vivemos, o telão projetava um Jimmy Page de cabelões caindo pelo camisão psicodélico, detonando em uivos lancinantes a sua inconfundível Gibson de dois braços.
Em cenas de tietagem explícita, um punhado de marmanjos saltava na pista e berrava: “I love you, Jimmy!” e “Give me a kiss, Jimmy!” James Patrick Page assistiu a tudo de camarote, com a paciência e sobriedade que cabe a um detentor da Order of the British Empire (OBE). Cabelos brancos fartos presos em rabo-de-cavalo, fala mansa e sorriso suave, camisa polo azul-marinho e blue jeans, elegante na canícula carioca. Não deu entrevistas nem falou com a imprensa, menos ainda pegou na guitarra, mas conseguiu agradar.
Page teve um bom pretexto para não tocar guitarra: a mão cansou do excesso de autógrafos que teve de assinar. Pôsteres do evento foram sorteados numa série de raffles (daí a palavra “rifa”) e, no gran finale, ao invés de um solo do número 9 entre os 100 melhores guitarristas do rock (segundo a revista Rolling Stone), houve um leilão em que pôsteres com a dedicatória especial de Jimmy para o arrematante chegaram à casa dos R$ 2 mil.
Tudo por uma boa causa. Desde 1997, Page contribui para a Task Brazil (The Abandoned Street Kids of Brazil Trust), uma ONG que cuida de garotos de rua cariocas. (task, em inglês, é “tarefa”). Ele mantém a Casa Jimmy, em Santa Teresa, uma residência segura e feliz para crianças carentes e adolescentes grávidas. No domingo, Page e Sting (que dava uma esticada pelo Rio) participaram de um churrasco beneficente em Santa Teresa. À noite, Jimmy comandou um evento no Rio Rock & Blues, casa de shows da Lapa, com ingressos a R$ 100, que esgotaram assim que foram postos à venda. Novamente não tocou. Deu apenas um acorde solitário com a mão direita numa guitarra do Iron Maiden que era leiloada. O toque de Midas de Jimmy elevou em R$ 1.300 o preço da guitarra, que foi arrematada por R$ 5.400.
Na segunda-feira, ele presidiu no restaurante do Hotel Santa Teresa a um almoço exclusivo para 18 VIPs, isto é, para 18 pagantes dispostos a desembolsar um mínimo de R$ 500 pelo privilégio da sua companhia. Depois, foram todos visitar a Casa Jimmy e fazer mais doações.
A passagem de Jimmy Page pelo Brasil coincidiu com o lançamento do livro Led Zeppelin/Quando os Gigantes Caminhavam sobre a Terra, pela editora Larousse, uma biografia não-autorizada do grupo pelo jornalista de música Mick Wall, que vai fundo nos detalhes mais obscuros da vida pessoal dos quatro zepelins. Particularmente em relação a Page, mostrando seu estranho fascínio pelo mestre do ocultismo Aleister Crowley (1875-1947) e a série de desgraças que caíram sobre o grupo a partir do seu envolvimento com essas “forças ocultas”: o acidente de carro quase fatal de Robert Plant e família na Sicília em 1975; a morte do filho de Plant, Karak (um palíndromo) aos seis anos, em 1977; a morte em 1980 do baterista do Led Zeppelin, John Bonham, em Windsor, na casa que Jimmy comprou do ator Michael Caine. Quanto a drogas, quem não usou, naqueles tempos loucos? Não à toa batizados de anos de “sexo, drogas e rock-and-roll” (na ordem inversa da importância dos fatores: o rock, sempre, acima de tudo.) Pelo que vi na British School da Urca, Jimmy Page parecia super à vontade com sua garrafinha PET verde de guaraná. Era o grande barato de alguém que investe caro num projeto social e procura dar alguma dignidade humana a criaturas que – ao contrário de Jimmy Page – já nascem predestinadas ao fracasso e à morte.
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