Marcos Mendes e Marcos Kohler no blog do Noblat
O artigo The Political Resource Curse, recentemente publicado pelo National Bureau of Economic Research (NBER) de autoria da economista brasileira Fernanda Brollo, em conjunto com papas da economia política, como Guido Tabellini e Roberto Perotti, ajuda a explicar o derretimento moral e institucional do Distrito Federal.
Os autores argumentam que o excesso de transferências recebidas por um governo local pode ampliar a corrupção, piorando o funcionamento das instituições e reduzindo a qualidade dos políticos daquela localidade.
Primeiro, porque com elevada disponibilidade de recursos é possível atender às demandas dos eleitores e ainda restam recursos a serem apropriados.
Segundo, porque a possibilidade de desviar verbas públicas atrai para a arena política candidatos de menor formação moral, intelectual e cívica.
Em terceiro lugar, em uma interação dos dois primeiros fenômenos, o governante que está no poder, ao enfrentar candidatos menos qualificados, tem uma vantagem eleitoral prévia e, portanto, pode capturar mais rendas (e entregar menos serviços públicos ao eleitor) sem que isso aumente substancialmente o risco de perder a eleição.
O Distrito Federal tem uma posição financeira privilegiadíssima dentro da Federação brasileira. Além de receber todas as transferências a que fazem jus os demais estados, o DF ainda conta com o Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF), que se destina a manter os serviços de segurança, saúde e educação.
Não bastasse isso, ainda há a vantagem de que a Justiça, o Ministério Público e a Defensoria Pública locais são de competência da União e, portanto, pagos pelo Governo Federal (enquanto os demais estados da Federação têm que arcar com os custos de entidades similares).
O resultado é o que se vê no gráfico abaixo, construído de forma a tornar comparáveis as contas do DF com as dos demais estados.
Para obter tal comparabilidade, deduzimos das receitas do DF aquelas tipicamente municipais e somamos às receitas dos estados os valores que eles transferem aos municípios (pois o DF não faz transferências a municípios).
Também somamos às receitas do DF o valor do FCDF (R$ 6,6 bilhões) e o montante despendido pela União com o Ministério Público (R$ 361 milhões) e a Justiça locais (R$ 1,2 bilhão).
Feitos esses ajustes, temos que, com uma receita per capita de R$ 7,1 mil em 2008, o DF é a unidade federada de maior receita. Trata-se de valor 42% maior que o do segundo colocado no ranking (Rondônia) e 121% superior à do Estado mais rico da federação (São Paulo).
O resultado disso não é apenas uma ampla margem financeira para a corrupção, mas também um incentivo perverso para que os governantes locais apóiem toda e qualquer reivindicação salarial dos servidores locais, pois a conta será paga pelos contribuintes de todo o país enquanto os votos dos servidores-eleitores fluirão para o governante local que os apoiou.
Não é de estranhar que o serviço de segurança pública do DF tenha ficado em último lugar em um ranking de eficiência (que compara custos e resultados de políticas públicas) estimado por Oliveira Alves Pereira Filho, em artigo acerca das finanças do DF, premiado pela Secretaria do Tesouro Nacional em 2009.
A lição que o episódio do DF deixa para o Brasil transcende a Capital Federal. Situações de excesso de transferência existem em todo o País.
Municípios de pequena população recebem fortunas do Fundo de Participação dos Municípios; os royalties do petróleo, as participações relativas à geração de energia elétrica e à extração de outros recursos naturais também despejam muito dinheiro em vários estados e municípios; os critérios de partilha do ICMS criam outros tantos “governos milionários”.
Aliás, o artigo da NBER citado acima utiliza justamente os municípios brasileiros para a comprovação empírica de suas teses.
Até hoje foi “politicamente difícil” mexer nessas partilhas, pois envolvem interesses conflitantes das diferentes unidades federadas.
Porém, com o advento do Pré-Sal e suas estimativas bilionárias de receitas, multiplica-se o potencial destrutivo desse dinheiro que “cai do céu” diretamente no caixa dos três níveis de governo.
É preciso ter muito cuidado na alocação dos royalties do “novo petróleo”. A discussão aberta no Congresso sobre essa partilha e a decisão tomada pelo STF na semana passada, declarando a inconstitucionalidade da lei que regulamenta a distribuição dos recursos do Fundo de Participação dos Estados, poderiam ser o ponto de partida para se rediscutir todo o sistema de transferências intergovernamentais do País.
Providências adicionais relevantes seriam reduzir o FCDF e atribuir ao TCU competência para monitorar e fiscalizar as finanças e os gastos das unidades federadas cujas receitas de transferência da União tivessem um peso elevado na receita corrente total.
Os autores são Consultores Legislativos do Senado Federal. O artigo reflete opiniões pessoais e não constitui manifestação oficial da instituição onde trabalham os autores. Mendes@senado.gov.br e kohler@senado.gov.br
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