O repertório de causos brasileiros dizem ser dos mais ricos do mundo. Vou buscar num destes “causus-cases” um preâmbulo para algumas reflexões sobre a cultura dos meios ou fins. Olhem que história deliciosa.
“Um paciente vai ao terapeuta e diz:
- Toda vez que estou na cama, acho que tem alguém embaixo. Aí eu vou embaixo da cama e acho que tem alguém em cima. Pra baixo, pra cima, pra baixo, pra cima. Estou ficando maluco!
- Deixe-me tratar de você durante dois anos. Venha três vezes por semana, e eu curo este problema. R$120 por consulta.
Passados seis meses, encontram-se paciente e terapeuta.
- Por que você não me procurou mais? pergunta o terapeuta.
- A 120 paus a consulta, três vezes por semana, durante dois anos = R$ 37.440,00. Seria caro demais. Um cara do boteco que freqüento me curou por 10 reais... ele foi lá em casa e cortou os pés de minha cama!!!”
Esta questão é antiga na humanidade. O que deve ser preservado no dia a dia: os meios ou os fins? Nicoló Maquiavel, ficou na história como o pai da cultura e tirania do fim. Resolveu sumariamente, a seu modo e interesse: “os fins, justificam os meios”. Ponto final. Não se discute mais.
No outro extremo temos os defensores teóricos e os praticantes contumazes da cultura do meio. São aqueles que sacrificam os fins tiranizando nos meios, nos processos, na burocracia levada a extremos.
Na saúde temos visto o exagero da cultura do meio a cada momento. No macro e no micro. Podemos citar o exemplo mais gritante deles: a perda do foco geral do objeto e objetivo das ações e serviços de saúde. Nosso objetivo na saúde não é fazer ações de saúde: cada vez mais, maiores e espetaculosas. Nosso objetivo é ajudar as pessoas “a viverem mais e melhor”. Daí em diante vamos atrás dos melhores meios para atingi-lo. Vamos identificar as ações mais adequadas, o melhor tempo e maneira de executá-las com o profissional mais adequado. O objetivo da ação é, em primeiro lugar, fazer tudo para que as pessoas não adoeçam e, se adoecerem, que sarem logo e, de preferência, sem seqüelas.
A cultura do meio na saúde tem levado a que nós comecemos a definir nosso objeto a partir da oferta de ações e serviços como se este fosse o fim. Pior, pressionados pela demanda muitas vezes explícita e subliminarmente induzida pelos que dela tiram proveitos econômicos e financeiros. O financiamento da saúde tem se baseado na oferta cada vez maior de mais e diferentes procedimentos independente da identificação de sua necessidade. Estamos nos perdendo nos meios, já por aí, no foco principal da saúde.
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Acho que hoje, observamos na saúde estes dois caminhos. Temos visto gente, de valor e prestígio, pura e simplesmente defendendo que na saúde temos que priorizar o fim, não importa o meio. Queremos e buscamos resultados e os temos. Não importa como e sob que regras que preceito legal.
De outro lado, e acho que isto tem sido pior, existem os defensores e praticantes da cultura do meio. Optam pelo império do meio, não ao rigor da lei, mas na burrice da interpretação restritiva de manuais, instruções normativas, portarias ilegais e imorais, pois contrariam a Constituição, as Leis. Ferem o princípio humano de que todo o aparato econômico, social e de saúde devem ter como fim ajudar a que as pessoas se ajudem a viver mais e melhor.
Diante da possibilidade de aplicar soluções simples para pequenos, médios e grandes problemas, se burocratizam as soluções numa cultura do meio a que querem submeter o fim. Isto pode ser feito culposamente, mas também dolosamente sob o domínio e império do complexo industrial e comercial do setor saúde.
Serrar o pé da cama ou fazer terapia? Ou, tirar o pé da cama para conseguir dormir melhor hoje e amanhã, fazer a terapia para “espancar” os medos em definitivo?
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