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sexta-feira, 2 de julho de 2010

É o jeito tucano de ser: 'Famiglias' que dominam cartel do transporte coletivo ganham licitação de presente e ainda levam troco

Acordos assinados pela Urbs podem gerar R$ 200 milhões de desconto no valor a ser pago pelas empresas vencedoras da concorrência
A Urbanização de Curitiba (Urbs), empresa da prefeitura que vem conduzindo a primeira licitação do transporte coletivo na capital, firmou acordos para pagar dívidas a 15 empresas de ônibus. Os detalhes não são revelados (os dados são sigilosos, por fazerem parte da concorrência pública ainda em andamento), mas a Gazeta do Povoapurou que o crédito total das empresas com o poder público varia de R$ 150 milhões a R$ 200 milhões.
Só uma das empresas, a Viação Cidade Sorriso, teve um crédito de R$ 39,4 milhões reconhecido pela Urbs. A dívida com cada uma das participantes da licitação pode ser descontada do pagamento do valor de outorga – preço cobrado pelo poder público para conceder a exploração de um serviço. Essa cobrança é de R$ 252 milhões no total dos três lotes da concorrência.
Remuneração alterada não gerou débito
A Urbs não reconheceu nos acordos firmados com as empresas de ônibus de Curitiba e região a suposta dívida causada pela mudança nos padrões de remuneração. Em 2005, o então prefeito Beto Richa reduziu as tarifas técnicas, por acreditar que as empresas recebiam mais do que gastavam em alguns serviços de manutenção.
Urbs autoriza crédito ainda pendente
Uma das dívidas assumidas pela Urbs reconhece o prejuízo que teria sido causado às empresas de ônibus pelo uso excesivo, em 2003, de vales-transporte de metal falsos. No ano passado, a 4.ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba reconheceu a dívida de R$ 31,6 milhões (valor sem juros e correção monetária).
A origem
Veja as dívidas que estão em discussão nos acordos:
Dívida de frota
As empresas compram os ônibus usados exclusivamente no transporte coletivo de Curitiba, como biarticulados e ligeirinhos. A Urbs paga todos os meses por esse investimento, até o fim da vida útil dos veículos. Depois, elas ficam para a própria Urbs. Como há ônibus com pouco tempo de uso, o investimento das empresas ainda foi não totalmente pago.
Dívida de vales falsos
Em 2003, o pagamento às empresas de ônibus foi suspenso durante cerca de 40 dias por causa do uso de vales-transporte falsos. A juíza Vanessa de Souza Camargo, da 4ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba, reconheceu a dívida de R$ 31,6 milhões (sem contar juros e correção monetária). A Urbs recorreu.
Atrasos de pagamento
A Urbs paga as empresas no 11º dia seguinte à prestação do serviço. Por falta de recursos a Urbs atrasou pagamentos, em alguns casos em até 20 dias. As empresas alegaram que operaram no prejuízo.
Indenização de pessoal
As empresas cobram da Urbs o pagamento das indenizações que terão de pagar a trabalhadores que serão demitidos quando o atual contrato de permissão for encerrado.
Mudança de remuneração
Em 2005, o então prefeito Beto Richa reduziu as tarifas técnicas de remuneração das empresas. Ele alegou que as empresas recebiam mais do que gastavam em alguns serviços de manutenção. Isso possibilitou à Urbs manter a passagem de R$ 1,90 por cinco anos. As empresas alegam que foram prejudicadas e cobraram as diferenças na Justiça. A 4ª Vara da Fazenda Pública reconheceu a dívida, mas não estabeleceu o valor. A estimativa é que o valor chegue a R$ 300 milhões. A Urbs recorreu da decisão.
A indenização referente aos investimentos feitos pelas empresas antes de uma licitação é uma exigência legal. A lei de licitações (Lei Federal 8.666/93) estabelece que concorrências só podem ser abertas depois que as atuais prestadoras dos serviços recebam em relação ao que foi investido e ainda não foi recuperado financeiramente. A Urbs costura esse acordo com as atuais operadoras desde o ano passado, por meio do Sindicato das Empresas de Ônibus de Curitiba e Região Metropolitana (Setransp). Quinze acordos foram assinados, dez com as empresas que operam na capital e cinco com as que atuam na região metropolitana.
A licitação dá às empresas o direito de explorar as linhas de ônibus em Curitiba por 15 anos, prazo prorrogável por mais 10 anos. A previsão é que as empresas recebam um total de R$ 8,6 bilhões (média de R$ 573 milhões por ano). Em contrapartida, elas devem pagar R$ 252 milhões ao município, a título de outorga. Com os acordos assinados, boa parte desse valor será descontado para o pagamento das dívidas.
Acordo de R$ 39 milhões
A reportagem teve acesso a um dos 15 acordos. Nele, a Urbs aceita indenizar quatro dos cinco itens cobrados pela empresa Cidade Sorriso, totalizando R$ 39,4 milhões. Desse total, R$ 24,2 milhões dizem respeito ao investimento na frota de ônibus exclusivos de Curitiba (biarticulados e ligeirinhos), valor ainda não amortizado, e R$ 8,9 milhões ao uso de vales-transporte de metal falsos no início da década, que teriam causado prejuízo às empresas. Outros R$ 194 mil serão pagos como juros pelos recorrentes atrasos no pagamento da Urbs às empresas.
Um detalhe que chama a atenção é que a Urbs se compromete a pagar R$ 6,1 milhões por causa da possível rescisão contratual dos funcionários da Cidade Sorriso – apesar da possibilidade de a empresa continuar a prestar o serviço depois da licitação.
Os R$ 39,4 milhões poderiam ser descontados dos R$ 96,3 milhões do valor de outorga do Lote 3. Ou seja, só a Cidade Sorriso teria direito a 40% do total da outorga do lote – e o valor a ser repassado ao poder público pode diminuir ainda mais, por causa dos créditos que outras empresas têm junto à Urbs. A Cidade Sorriso concorre ao lado das empresas Tamandaré, São José e CCD (antiga Cristo Rei), no consórcio Pioneiro.
Investigação
O Ministério Público do Paraná investiga a licitação desde o início do ano. A promotora Adriana Vanessa Rabello pediu à Urbs uma justificativa para o acordo com a Cidade Sorriso, mas a resposta ainda não foi enviada. Se houver indícios de favorecimento, a promotoria deverá propor uma ação pedindo a anulação da licitação e a responsabilização dos envolvidos.
Fernando Ghignone, diretor de Transporte da Urbs e presidente da Comissão Especial de Licitação, diz que os acordos são vantajosos para a cidade, pois os novos contratos seriam assinados sem a possibilidade de futuras ações judiciais. “Ficarão afastados todos os pleitos indenizatórios e qualquer pendência financeira”, afirma. Duas ações, no entanto, continuam sendo discutidas (leia ao lado). O Setransp foi procurado pela reportagem, mas a assessoria do sindicato não deu retorno aos pedidos de entrevista.
Demora
Uma auditoria externa foi contratada pela Urbs, com aval do Setransp, para calcular novamente as dívidas com as empresas de ônibus. O trabalho começou logo após a apresentação das propostas das empresas e ainda não foi concluído. Segundo a Urbs, esse é um dos motivos do atraso para a divulgação do resultado final da concorrência. Assim que a licitação for concluída, a Urbs promete tornar público todos os detalhes de cada um dos 15 acordos.
A previsão inicial era que a licitação fosse concluída ainda em maio, mas deverá ser finalizada neste mês. Os três consórcios que apresentaram propostas (Pon tual , Transbus e Pioneiro) são formados por 11 empresas. Seis delas operam atualmente na cidade. As outras cinco são empresas metropolitanas que compraram o patrimônio de empresas da capital.
O consórcio Pontual é formado pelas empresas Glória, Marechal, Mercês e Santo Antônio e candidatou-se ao Lote 1, na região Norte da cidade. O consórcio Transbus tem as empresas Redentor, Araucária e Expresso Azul e apresentou proposta para o Lote 2, na região Sudoeste. Já o Lote 3, na região Sudeste de Curitiba, tem como candidato o consórcio Pioneiro.

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