Luiz José de Souza, Jornal do Brasil
RIO - Estamos vivendo em 2010 a maior epidemia de dengue no nosso país. Já alcançamos 830 mil casos notificados até junho. Com aumento acentuado da mortalidade, internação hospitalar e presença de casos mais graves. A reintrodução do sorotipo 2 no Rio de Janeiro, a partir de 2008, mudou o perfil clínico dos pacientes com sintomas e sinais da doença.
O Centro de Referência da Dengue (CRD), na cidade de Campos dos Goytacazes, único no país, representa hoje grande proteção para a população de nosso município e municípios vizinhos.
O quadro clínico inicia sempre com: febre, cefaleia, mialgia, anorexia, dor retro-orbitária, náuseas, prostração, vômitos, diarreia e exantema em menor percentagem. No segundo ou terceiro dia logo após os sintomas, aparecem sinais de alerta da dengue hemorrágica quando defrontamos com caos graves: dor abdominal, prostração intensa, vômitos persistentes e hipotensão arterial. Representam condições que necessitam de ação mais enérgica dos médicos e outros profissionais da área de saúde. Estas condições, baseadas na fisiopatologia da dengue, ocorrem devido ao aumento da permeabilidade vascular, consequentemente, extravasamento de líquidos, desidratação, hemoconcentração, situações que precisam ser revertidas imediatamente com hidratação venosa à base de soluções cristaloides (soro fisiológico ou Ringuer Lactato), instituindo etapas rápidas na base de 20ml/kg/h e, posteriormente, etapas de manutenção com internação do paciente.
Em levantamento de 2006 nos prontuários de pacientes com idade acima de 13 anos, observamos serosites (derrame pleural e ascites) presentes em 55 pacientes, ou seja, mais de 25% dos casos hospitalizados apresentavam serosites. Observamos uma diferenciação em relação aos pacientes pediátricos. Nos pacientes adultos com serosite, 95% dos casos foram por infecção secundária pela dengue. Já os pacientes da pediatria com serosites que evoluíram para o choque e óbito foram infectados pela forma primária da dengue. Concluímos que a infecção pelo sorotipo 2, que está circulando no momento, é muito grave. E, em crianças devido à menor imunidade, torna-se ainda mais agravante, necessitando maior treinamento e manejo dos pacientes pelos colegas pediatras.
Em relação à trombocitopenia (plaquetas baixas) raramente realizamos no CRD transfusão de plaquetas. Dos 55 pacientes com serosites, 50 apresentavam plaquetas baixas e somente cinco foram transfundidos. Casos que apresentavam comorbidade (insuficiência renal crônica, insuficiência cardíaca, diabetes ou obesidade) foram transfundidos com plaquetas menores que 30 mil apresentando algum sangramento.
Outra condição em que fizemos a transfusão em pacientes sem comorbidade, com plaquetas abaixo de 10 mil, com presença de petéquia ou sangramentos. Nenhum desses pacientes recebeu tratamento com albumina humana. No tratamento da dengue, o mais importante é a hidratação venosa, instituindo 2/3 de soro fisiológico e 1/3 de soro glicosado, na manutenção com 60 a 80ml/kg/24h nos pacientes adultos.
Em relação ao diagnóstico, o protocolo é importante com solicitação de hemograma, VHS e transaminases. A leucopenia e VHS baixo-normal representam indício para diagnóstico da dengue. Na dosagem do antígeno NS1, o ideal é solicitar no terceiro ou quarto dia após o início dos sintomas. Em casos graves é de fundamental importância guardar soro colhido até o quinto dia para fazer a dosagem do PCR em casos de óbitos ou avaliação do sorotipo circulante. A sorologia (dosagem de anticorpos) só deve ser feita após o oitavo dia em relação ao início dos sintomas.
O Centro de Referência da Dengue é muito importante no diagnóstico e contribui para combater o vetor. É a seguinte a condição positiva do CRD: a centralização melhora a notificação. A informação do endereço dos pacientes é passada rapidamente para o setor de combate ao vetor. Vigilância epidemiológica permanente, diagnóstico preciso e precoce. Os pacientes ficam monitorados e, consequentemente, evitando mortes. A organização da assistência é primordial para adquirir melhor resultado dos pacientes com dengue, eficiência no diagnóstico diferencial que é bastante amplo.
Devido à infraestrutura em nosso país apresentar precariedade, temos dificuldade em combater o vetor por várias situações: baixa sincronia entre os municípios; alto índice de circulação populacional; subnotificação dos casos; erros no diagnóstico; não erradicação de focos no nosso município e localidades vizinhas; deficiência no saneamento básico; falta de planejamento urbano; tratamento de resíduos sólidos (lixo) inadequados; ausência no controle adequado do mosquito e deteriorização da infraestrutura de saúde pública. Além da identificação das áreas periféricas das grandes cidades, desemprego, violência e deficiência educacional.
Sob essa ótica cabe enfatizar que a escola é vista como um espaço de promoção de saúde e pode ser definida como uma prática social que preconiza não só a mudança de hábitos, práticas e atitudes e a transmissão de conhecimentos, mas, principalmente, na forma gradual de pensar, sentir e agir por meio da seleção e utilização de métodos pedagógicos e participativos.
Apesar de se encontrar em fase avançada, a vacina protegendo contra os quatro sorotipos levará alguns anos para ser utilizada.
A circulação dos três sorotipos presentes (1, 2 e 3) e a reintrodução desses sorotipos, associados à grande possibilidade da entrada do sorotipo 4 em nosso país, já presente em vários países vizinhos, faz com que a mortalidade por dengue seja iminente, representando risco progressivo e futuro catastrófico.
Conferência realizada no Curso de Capacitação em Urgências e Emergências da Academia Nacional de Medicina e da secretaria estadual de Saúde, sob a coordenação de José Galvão-Alves.
Luiz José de Souza é presidente da Associação Brasileira de Medicina de Urgência e Emergência Regional do Rio de Janeiro (Abramurgem-RJ) e diretor do Centro de Referência da Dengue de Campos dos Goytacazes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário