Ziraldo: Nunca, em toda a minha vida de jornalista, vi um presidente ser tão esculachado – desculpem o termo – e, como ser humano, tão desrespeitado quanto o Lula.

no blog do Ziraldo


N'  O Globo de hoje – dia 30 de setembro – o Veríssimo disse que, em relação a esta tertúlia entre o Lula e a Imprensa Livre, os dois lados estão exagerando um pouco. Ou melhor: ele acha que os dois lados estão exagerando é muito!
Os grandes jornais vivem afirmando que são imparciais. Tá bem, imparciais!!! Da minha parte, acho que eles estão exagerando é muito.

Nunca, em toda a minha vida de jornalista, vi um presidente ser tão esculachado – desculpem o termo – e, como ser humano, tão desrespeitado quanto o Lula. Acredito que, em contrapartida, nunca houve em nosso país tanta liberdade de expressão quanto temos – e conquistamos – hoje em dia. É verdade que é preciso sempre estar atento e forte, porque há lobos e linces à espreita. Por exemplo: revendo algumas de minhas charges, me lembro de como o filho do ACM andou chefiando uma campanha para reiventar e reforçar a famigerada Lei de Imprensa. Lei que, aliás, num gesto de grandeza parlamentar, o Miro mandou pras cucuias (certo, contudo, de que os “vigilantes” podem voltar e nós temos que continuar atentos). Agora, não me parece ser preciso exagerar como estão exagerando os “vigilantes” do outro lado. Um coleguinha nosso aí deu uma de Marx ao contrário e, célere, convocou-nos a todos: “Jornalistas, uni-vos. Vem aí uma Guerra Santa!”

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Acho que foi um pouco de paranóia. Aliás, muita. Tanta que teve o “êxito” de desestabilizar o velho Lula que, esquecendo-se de que Deus o blindou e ainda passou azeite na sua armadura, aceitou a provocação e destemperou-se. Se ele tivesse ficado caladinho como, por exemplo, o Ibrahim Sued – lembram-se? – sempre ficou (pois sabia que os “cães ladram e a caravana passa”) o pessoal aí não teria ficado tão excitado e brioso!

Acredito – e esta é a razão deste textinho – que descobri a causa desse, digamos, destempero do Lula. Enunciá-la-ei.

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Trata-se do que convencionei chamar de a Síndrome do Sócio Novo do Clube. Lembremo-nos da frase do velho Groucho Marx: “Não entro para clube que me aceita como sócio.” Ela é uma das frases de humor mais famosas e citadas do mundo. Mas não é uma frase de Humor, é uma frase de pura Ironia. O Henri Bergson – um dos raros grandes filósofos que tratou da questão do Humor – afirmou que o Humor é “uma descrição minuciosa do que é, fazendo crer que assim deveria ser” e a Ironia, exatamente o contrário: “é um enunciado do que deveria ser, fazendo crer que assim é.” Desta forma, o que o Groucho quis dizer-nos, com sua frase irônica, foi o seguinte: todos nós, em verdade, queremos entrar para o clube que não nos aceita como sócios: os pobres sonham em pertencer ao clube dos ricos, os ignorantes – alguns – querem entrar para o clube dos sábios, os feios gostariam de entrar para os clubes dos bonitos, os pretos gostariam – em geral! – de entrar para o clube dos brancos (os brancos são, no ocidente, o padrão do clube ideal) e vai por aí. 

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Então, o que é que acontece? O humilde metalúrgico Lula, embora possivelmente nunca tenha percebido, gostaria de pertencer ao clube dos poderosos, dos brancos, dos donos do mundo. É natural. Um dia, eis que ele entrou para o sonhado clube. Estando dentro da nova agremiação, procurou e procura – como é, humanamente, aceitável – justificar sua entrada. E acredita que está fazendo tudo direito para ser, permanentemente, aceito no clube que deu-lhe mais bolas brancas do que pretas. Acontece que, inseguro por estar em um clube que não é o seu de origem, fica achando que seus novos pares nunca estão satisfeitos com sua atuação. A todo momento ele acha que estão dizendo-lhe que ele não é do clube e que entrou lá por fortuitas razões. A seu ver, ele capricha, capricha, capricha e olha a turma sempre a olhá-lo, agressiva e desconfiada. Até que, um dia, diante de tanta rejeição – rejeição é a palavra! – ele não aguenta mais e, ainda a seu juízo, depois de muito denodo e muitas vitórias pessoais, levanta-se e grita: “Vocês vão ter que me engolir!” 

Ninguém reparou, mas o problema do Lula é o mesmo do provinciano e deslocado Dunga, dizendo para o fundo do auditório: “O que? O que?” e do Zagalo que, vindo da Zona Norte, entrou para um clube que também não o aceitava como sócio.