A presença de Sean Penn não parece ser um evento extraordinário no acampamento de desabrigados em Delmas 40, no sudeste de Porto Príncipe, onde vivem estimadas 45 mil pessoas. Numa das ruelas do local --um dos abrigos temporários mais organizados da capital, com escadas e barricadas feitas com sacos de areia--, um grupo jogava dominó.
"Jogamos o dia inteiro. Não temos trabalho. É o grande problema", diz Roberge Vincent, 23. "A minha barraca veio da J/P [J/P Haitian Relief Organization, J/P HRO, de Sean Penn]. Outras de outra ONG, católica."
E o Sean Penn? "Ele vem de vez em quando, mas não desce muito aqui." Ninguém do grupo foi alguma vez na vida ao cinema. Questionados, respondem que nunca viram um filme com o ator nem o conheciam antes do terremoto.
Charlie Leight/AP |
Chefe de ONG no Haiti, o ator Sean Penn diz que epidemia de cólera poderia ter sido evitada com tratamento de água |
Sean Penn é uma presença algo constante pelo acampamento desde o terremoto de janeiro, quando a ONG forneceu barracas de camping e montou pequena estrutura para atendimentos emergenciais de saúde.
Considerado uma das estrelas do Red Set, ou um representante da esquerda festiva de Hollywood, Penn se entregou à campanha de reconstrução do Haiti, não sem polemizar com outras celebridades.
Ele disse, por exemplo, que o rappper Wyclef Jean, radicado nos EUA, era um "oportunista", quando o cantor começou a fazer campanha pelo país e até tentou disputar a Presidência.
Nesta quarta-feira (1º), a Folha visitou o acampamento, quando Sean Penn fazia uma espécie de ronda. Reclamou com uma assistente sobre um poço que acumulava lixo. Não tinha tempo para atender a jornalistas, avisou.
Suava. Parou. Bebeu um pouco de água enquanto esperava o carro que deveria levá-lo a outro ponto do acampamento.
Uma menininha balbuciou o que as crianças por aqui dizem quando veem qualquer branco, um estrangeiro: "Branco, how are you?", e ele riu. "How are you?"
E então aceitou responder um par de perguntas da Folha.
Apesar de ser próximo de Hugo Chávez, um crítico da missão da ONU no Haiti, Penn afirmou que "não é hora ainda" dos capacetes azuis deixarem o país. Elogiou o comando brasileiro da missão: "[O general brasileiro] Paul Cruz é excepcional".
Leia a entrevista na íntegra:
FOLHA - O que sr. achou das eleições. Foram livres e justas?
SEAN PENN - Bom, depende da maneira como você olha. Obviamente, em qualquer país o que se quer é que a maior parte da população vá lá votar. O que foi ótimo é que, primeiramente, tudo ocorreu sem violência, que os comícios foram bons exemplos de liberdade expressão. São ótimos sinais. Eu conheço as críticas que foram feitas, mas eu não teria comentários mais profundos a fazer. Não é realmente minha área.
O sr. está muito envolvido com o tema da reconstrução desde janeiro. Qual a sua avaliação do processo 11 meses depois. Os doadores desapareceram?
Nos últimos meses tem havido uma forte atividade para tirar escombros das ruas. Mas claramente o problema agora é que ninguém levantou e disse: vamos levar água limpa para essas pessoas. São 9 milhões, não é um projeto difícil de fazer. Se algum país doador tivesse levantado a mão e feito isso, se tivesse se comprometido com um projeto, além do dinheiro, com data estabelecida, não estaríamos enfrentando uma epidemia de cólera neste momento. Eu espero que a filosofia de como esses projetos e esses dólares são gastos aqui sejam mais expressivos no ano que vem, mas é muito difícil prever.
O sr. tem medo de que a cólera alcance esse acampamento?
Nós já tivemos 27 casos. Não há um estado de emergência. A cólera é uma doença muito tratável. Tivemos 27 casos e 27 sobreviventes. Aqui, todo mundo está ciente da importância de consumir água limpa. A emergência será onde não for essa a situação.
Eu vi umas viaturas da Minustah e da Polícia da ONU por aqui. Como o sr. avalia o trabalho deles?
Eles estão sendo de grande ajuda [o acampamento é um dos 30 em que a Minustah e a Unpol, a polícia da ONU, estão presentes de maneira fixa ou ao menos fazem ronda. O comando da missão estima que este grupo abriga 500 mil pessoas].
Muitos dizem que a Minustah deve partir. O que sr. acha?
Não é hora ainda de a Minustah partir. O comando é excepcional. [O general brasileiro} Paul Cruz é excepcional.
Quanto tempo o sr. passou aqui após o terremoto? O sr. se sente otimista, de alguma maneira?
Passei seis meses. E agora fico indo e vindo. Eu sempre sou otimista. Passamos por vários problemas, mas eu sou otimista.
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