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sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Fundação estatal: isso é bom mesmo?


Títulos interrogativos, vivamente desaconselhados pelos manuais de redação, começam a marcar esta coluna... Afinal, eu vim aqui pra informar ou perguntar? Ora, não sou mais jornalista, exerço portanto meu direito à dúvida. O próprio SUS desperta dúvidas até mesmo entre seus mais fieis defensores.
Fundação estatal de direito público todos conhecem e aplaudem, aí está para confirmar, entre outras, aFiocruz. Mas fundação estatal de direito privado (FEDP) é polêmica viva há três anos, desde que o Ministério do Planejamento enviou ao Congresso o PLP 92/2007. Com apenas 192 palavras, regulamentava a parte final do inciso XIX do art. 37 da Constituição, permitindo a criação das fundações em nove áreas, da saúde à cultura.
Essa concisão, alvo de críticas maciças, provocou chuva de substitutivos, apensos, supressões, ementas. Ganhou maior visibilidade o substitutivo do deputado Pepe Vargas (PT-RS), que lhe acrescentou sete artigos, entre os quais a garantia de controle social e a proibição da venda de serviços ao setor privado – por sua vez, objeto de novos destaques. O resultado é que, embora tenha chegado à pauta do Plenário da Câmara pelo menos 30 vezes, não houve votação até hoje.
Por quê? Os simplistas chamarão de corporativismo: como a fundação estatal contrata pelo regime celetista, e não pelo estatutário, o projeto foi vitimado desde o início por ações de inconstitucionalidade de entidades classistas do SUS. Quem pode dizer que isso é errado? O profissional do SUS tem direito a usufruir de estabilidade no emprego. Na minha humilde opinião, em sendo área crítica a saúde deveria figurar entre as carreiras de Estado, como diplomatas e funcionários da Receita. O problema é que o SUS é descentralizado. Suas ações são distribuídas entre as três esferas de governo, reúne servidores federais, estaduais e municipais, o que inviabiliza tal iniciativa para os mais de 2 milhões de profissionais de saúde do país.

 Os defensores da FEDP argumentam: se o contrato sob o regime celetista vilipendia os profissionais do SUS, a grande maioria dos brasileiros é então vilipendiada? Confesso: não tenho resposta para isso. Se alguém tiver, sem tergiversar (aí, Dilma!), que apresente. Uma das principais lutas dos sanitaristas é pela desprecarização dos contratos de trabalho no SUS. O governo Lula avançou muito nesse quesito. Por outro lado, a terceirização crescente dos serviços de saúde reintroduz o problema...
Ufa! É difícil. Sou a favor da fundação estatal, é uma forma moderna de gestão... Sou contra a fundação estatal, o problema do SUS não é gestão, é subfinanciamento... Como é possível isso??? Quem definiu melhor a polêmica foi o coordenador da Radis, Rogério Lannes: o que temos é “um choque de visões sobre a organização do Estado”. Bingo! Que Estado queremos? No 9º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, em 2009, o grande ativista do SUS Mário Scheffer resumiu a questão: “Há uma nova onda — e não marolinha — de crise de identidade do SUS, com a expansão de fundações, OSs, instituições privadas travestidas de filantrópicas, planos privados voltados para classes C e D”, disse ele. O que temos é “o apoio tácito do público ao privado”.
Isso é doloroso. Quero um Estado que garanta saúde pública universal, integral e gratuita. É o que manda a Constituição. E a verdade é que estamos nos distanciando disso.
Ou não?

Mais sobre fundação estatal aqui e aqui.

* Marinilda Carvalho, jornalista aposentada, ex-editora (2003-2009) da Radis, revista de comunicação em saúde da Ensp/Fiocruz;

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