Lenir Santos[1]
Luiz Odorico Monteiro de Andrade[2]

Nos últimos tempos temos feito constantemente uma pergunta: na articulação do Sistema Único de Saúde (SUS) qual tem sido o papel do Estado? Ele tem sido considerado como o articulador do sistema de saúde estadual e regional, conforme exigiria nossa Federação e o próprio Sistema Único de Saúde? Ou o Estado vem sendo o elo perdido do SUS?
Essa pergunta é de fundamental importância num sistema de saúde em que a própria Constituição o concebe como um sistema regionalizado e hierarquizado organizado sob a forma de redes de serviços (art. 198). Sendo o SUS um sistema regionalizado, o mais importante articulador desse sistema deve ser o estado-membro porque município não articula sistema regionalizado, mas sim o seu sistema local. E quanto o município atua ao lado de outros municípios de uma região de saúde é de fundamental importância a presença do Estado. Sem o Estado o sistema não se consolida. Numa Federação, o Estado é o principal articulador de serviços que exige a integração de serviços municipais de um conjunto de municípios. Região de saúde, regionalização são palavras que pressupõe um coordenador estadual, ou seja, o Estado. O Estado, numa Federação, deve ser o condutor das políticas que exigem compartilhamentos de serviços, interdependência de serviços, como é o caso do SUS que exige sejam todos os serviços públicos de saúde integrados numa rede regionalizada e hierarquizada de saúde, constituindo um único sistema, nos termos do art. 198 da CF.
Contudo, os Estados, com amplo poder-dever constitucional e legal de organização político-administrativa da sua região vêem sendo o elo perdido nessa articulação regional do SUS. O Estado tem o papel de coordenar o sistema estadual de saúde e legislar sobre saúde, de maneira suplementar. Bastariam essas duas competências para se reconhecer no Estado seu relevante papel de organizador, em conjunto com seus municípios, o sistema estadual de saúde, constituindo redes regionalizadas de saúde.
Nem sempre as Normas Operacionais Básicas (NOB) e Normas Operacionais da Assistência à Saúde (NOAS) levaram em conta esse relevante papel do Estado. Muitas vezes acabam por exigir que tanto o Estado quanto os municípios se habilitassem perante o Ministério da Saúde em alguma condição de gestão. Ora, essa horizontalização da condição de gestão – exigência igual para Estados e Municípios, desconsiderando o papel articulador do Estado fez com que o principal elo do conjunto dos municípios de uma região se perdesse. O mesmo aconteceu e acontece com o planejamento ascendente ou integrado. O planejamento da saúde deveria considerar o Estado como o coordenador de um planejamento regional e estadual, realizado em articulação com o conjunto dos seus municípios.

Mesmo numa Federação que contempla o município como ente federativo, jamais poderemos deixar de considerar o papel do Estado de coordenador do sistema estadual de saúde. É do Estado o papel de articulador e coordenador do SUS estadual e regional. É ele quem deve atuar ao lado dos municípios na realização do planejamento ascendente ou integrado – o qual conferirá as bases para o planejamento estadual e os planos de saúde locais e regionais. Alem do mais, o fato de o Estado ter competência para legislar sobre saúde, de maneira suplementar, nos termos da Constituição Federal, caberia a ele e não ao Ministerio da Saúde o papel de definir as políticas regional e estadual de saúde, competindo ao Ministério da Saúde a definição das macros-políticas de saúde e das políticas macro-regionais que consideram as necessidades especiais de regiões interestaduais, além de executar o papel de agente de políticas compensatórias para diminuir as desigualdades regionais.

Muitos são os desafios que precisam ser vencidos na organização e gestão do SUS, em especial os vinculados à articulação federativa. O SUS precisa urgentemente rever o papel do Estado tanto na organização do SUS quanto na legislação que considera as especificidades estaduais e regionais. O Estado não pode continuar a ser o elo perdido na articulação do Sistema Único de Saúde.
[1]Coordenadora do Instituto de Direito Sanitário Aplicado – IDISA; Coordenadora do Curso de Especialização em Direito Sanitário da UNICAMP-IDISA; ex-procuradora da UNICAMP.
[2]Médico, professor universitário – Universidade Federal do Ceará; doutor em saúde pública pela UNICAMP.