A gente sabe como é difícil a vida de quem anda de carro nas grandes cidades brasileiras, né? Apesar de muita reclamação, essas pessoas têm de dividir o parco espaço das ruas com gente que usa calçadas, motocicletas e ônibus. Não apenas isso, as calçadas estão cheias de postes, que, pasme, nunca dão espaço suficiente para o carro passar, seja quando precisa ser estacionado, seja quando perde o controle e sobe guia acima – nesses casos, a conseqüência é trágica para o pobre veículo, que acaba amassado, muitas vezes amassando também o seu dono.
Os pedestres brasileiros, infelizmente, são muito folgados! Arriscam-se a atravessar as ruas, e acabam atropelados muitas vezes. Quem não sabe o perigo que corre não pode reclamar de nada.
Mas eis que, aparentemente, mas apenas aparentemente, do nada, surge no Brasil uma gente imitadora de tudo o que vem do estrangeiro. E como a moda em Paris é usar um transporte não poluente, chamado bicicleta, essa gente que tem as ideias fora do lugar resolveu reivindicar o seu espaço nas ruas das grandes cidades brasileiras.
Vamos e venhamos: essa coisa de reivindicar só pode ser obra de comunista desavisado dos problemas brasileiros, querendo importar teoria e prática para o lugar errado. E essa gente de bicicleta resolveu, acreditem, usar a rua sem autorização da devida autoridade trafetícia.
Ora, as ruas brasileiras não estão adaptadas para a bicicleta. Há ondulações insanáveis, as faixas são estreitas, e chove, por que o Brasil é um país tropical abençoado por Deus. Uma coisa é tomar chuva de motocicleta, outra é de bicicleta. Não me peçam pra explicar porque, mas que é diferente, é, não?
Agora, por que estariam adaptadas as ruas para a bicicleta, se o que precisamos é de mais asfalto para colocar mais carros e incentivar a indústria automobilística, que gera tantos empregos? Se para isso for necessário tirar os ônibus e as motos da rua, por que não? Calçada na verdade é artigo de luxo, coisa que só as sociedades avançadas podem usufruir, uma espécie de produção cidadã excedente, que deve ser também invenção francesa ou soviética. Coisa de gente que gosta de flanar ou de fazer o trotoir.
Mas voltando ao tema principal: eis que surge em Porto Alegre um bando de desocupados ocupando, de bicicleta, o espaço dos carros. Ora, está aí algo que o vingador motorizado não podia aceitar. Pressionado, espremido, ameaçado por aquela gente que lhe dava as costas, pelo menos de acordo com o registrado no vídeo (sempre tem alguém filmando tudo hoje em dia, é impressionante!), o vingador motorizado de Porto Alegre resolveu que podia, muito que bem, limpar a rua daquele movimento subversivo. Strike!
Felizmente, aquela imagem do brasileiro que não luta por seus direitos está sendo desmistificada. Quando o sujeito está no seu carro, ele briga até o fim pelo espaço público que tem gente querendo desprivatizar.
Haroldo Ceravolo Sereza é jornalista, Diretor de Redação de Última Instância. É autor de Florestan – a inteligência militante (Boitempo), perfil biográfico do sociólogo e deputado constituinte em 1988.
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