Rede de Pesquisas APS entrevista Hêider Aurélio Pinto (via Saúde com Dilma)
Hêider Aurélio Pinto – médico sanitarista e militante pela reforma sanitária; formado em medicina pela Universidade de Pernambuco (UPE), com especialização em Saúde Coletiva pela Universidade Federal de Sergipe (UFS); foi diretor-geral da Fundação Estatal Saúde da Família (FESF-SUS); e, atualmente, é diretor do Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde.
1) Quais aspectos você considera positivos e negativos no Sistema Único de Saúde?
Compartilho do entendimento de nossa presidenta Dilma que o SUS é uma das maiores e mais importantes conquistas sociais do povo brasileiro. Cravar na Constituição que saúde é direito de cidadania, exigindo um sistema nacional de saúde que garanta a universalidade, integralidade, equidade e participação da comunidade, é uma ousadia sem tamanho!
Muito avançamos nesses anos todos na produção da reforma sanitária no dia a dia das lutas e da atuação nos serviços de saúde.Já é lugar comum citar a cobertura de APS de mais da metade da população, que inclui a saúde bucal diferente de muitos outros países; a expansão da rede de urgências, com destaque para o SAMU; nossa importante oferta gratuita de medicamentos; nossas mundialmente reconhecidas políticas de imunização, aids, transplantes etc. Fazer o SUS funcionar e avançar num país enorme e diverso envolvendo mais de 5.500 municípios, 27 Estados e a União, num desenho federativo com diversos problemas, concentração de recursos na União, fragilidade econômica e de gestão da maioria dos municípios e carência de arranjos regionais, e com o pouco financiamento que nosso sistema tem – se compararmos com países que têm sistema universal de saúde e até mesmo com outros vizinhos de nossa América Latina –, é um desafio que gestores, trabalhadores e usuários têm superado para além das expectativas. Desse ponto de vista, o SUS é um sucesso. Mudando de perspectiva, olhando desde a necessidade e satisfação do usuário para o acesso, acolhimento e qualidade da atenção prestada, muito se avançou , mas ainda temos que avançar muito mais. As pessoas precisam perceber concretamente a partir da experiência delas o que já sabemos teoricamente – investir nessa exitosa política e sistema público é muito melhor e menos dispendioso que tentar copiar o modelo privado dos Estados Unidos, quando eles mesmos decidem mudar dada a sua inviabilidade. Nosso governo tem um desafio: convencer os brasileiros, principalmente aquele em ascensão por causa desse momento extraordinário de nossa economia, que eles precisam usar, confiar e querer melhorar o SUS quando identificam problema, além de compreender que, hoje e daqui para frente, o potencial de acesso e qualidade do SUS é muito maior que qualquer solução individual e privada que ele pode acessar.
2) E a Atenção Primária à Saúde no SUS?
Não tenho a menor dúvida de quanto avançamos. A Estratégia Saúde da Família é vitoriosa. A ampliação do acesso é inquestionável e, a cada dia, diversos estudos nacionais e internacionais mostram com fartura de evidências que o impacto na saúde da população é enorme. Junto com o Bolsa-Família, o “programa” de maior impacto que temos é a Saúde da Família. Não obstante, temos que dar uma virada, um salto de qualidade. Muitas equipes existem no sistema de informação, mas não quando a mãe procura a unidade de saúde para atender o filho. Outras vezes, até existe na prática, os profissionais estão lá, mas não podem acolher o avô que teve um pico hipertensivo porque não há lugar para problemas agudos. Ou, e ntão, não se consegue resolver o esperado e o gargalo da atenção especializada condena o sujeito a uma espera angustiante.
Temos que colocar o “bode na sala”, falar das coisas sem preconceitos ou medos. Qual o problema, onde queremos chegar, como resolveremos, quais sacrifícios teremos que fazer ou interesses compatibilizar porque, se pudéssemos ir à omelete sem precisar passar pela quebra de ovos, já estaríamos saciados.
3) Como novo diretor do Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde, quais serão os grandes desafios da sua gestão?
Todos sabem, felizmente – e isso é motivo de muita comemoração por parte do movimento sanitário –, que a presidenta Dilma colocou a saúde “debaixo do braço”, é prioridade de governo. Até por isso temos o privilégio de ter Alexandre Padilha como Ministro da Saúde. Ambos tiveram reuniões e trataram do tema da atenção primária por mais de três vezes. Imagine isso! Quando poderíamos pensar que um presidente em tão pouco tempo se ocuparia desse tema com tanto afinco?
Pois bem, o governo está colocando no centro da pauta a saúde como importante para o desenvolvimento econômico e social de nosso povo, daí que a APS é central no desafio de erradicar a miséria. Reestruturar a rede de Unidades Básicas de Saúde é fundamental para mostrar ao povo qu e ele merece um lugar bonito e humanizado, para gerar empregos temporários e permanentes e para garantir acesso a todos os brasileiros.
Porém, existe o desafio central de qualificar o acesso para que, perto de cada um, haja um serviço de APS ao qual é vinculado, com o qual se possa contar tanto nos problemas agudos quanto nos cuidados regulares de saúde, onde vai encontrar caras reconhecidas e que conhecem a história dele. A saúde tem que estar em todo lugar e quando a pessoa precisa. Isso exige medidas de expansão de rede relacionadas à organização do serviço, mas também dirigidas à gestão e regulação do trabalho. Sem combinar essas três coisas, torna-se inútil.
Qualificar a atenção, avançando rumo a uma atenção integral e resolutiva, é outro desafio que exige gestão da informaç& atilde;o, formação ampla, permanente e de boa qualidade, que exige difusão de boas práticas, implantação de processos de qualidade, diálogo e pactuações entre profissionais de diferentes pontos da rede, mudanças importantes na lógica de gestão e de gestão do trabalho etc.Avançar na práxis das ações junto à comunidade, promovendo a autonomia, autocuidado, redes de relações sociais promotoras de qualidade de vida, enfim, fazer a intersetorialidade e a promoção da saúde habitarem o cotidiano além do discurso é outro desafio. E isso vai desde as iniciativas feitas em cada comunidade a pactos e ações regulatórias com a indústria de alimentos e bebidas, por exemplo.E tudo isso tem que valer para toda a APS, não importando se é Saúde da Família de um jeit o A ou de um jeito B, ou mesmo se é modelo X de APS que não tem sua sustentação no médico de Família. O Ministério vai trabalhar para que todos implantem os princípios da APS, pois entendemos que ou o SUS se sustenta numa presente, expandida, forte, qualificada e articuladora Rede de APS ou não cumprirá a tarefa do ponto de vista da universalidade, qualidade e sustentabilidade.
4) Em sua opinião, como a rede pode contribuir para o avanço da APS no Brasil?
A rede é uma daquelas iniciativas que merecem muitas salvas de palma. Reunir as pessoas do modo que ela fez já é uma conquista. Uma rede ativa que produz e dissemina conhecimentos, que identifica e pactua novos rumos para essa atividade é fantástica não só para a qualificação das tecnologias utilizadas na produção e gestão do cuidado, na gestão dos serviços e redes e na formulação de políticas, mas também na legitimação e sustentação dessa opção. O desafio é combinar a rede com movimentos que podem ou não fazer parte dela: atuar também na mobilização de mentes, experiências e saberes que orientem a tomada de decisão e formulação de políticas na velocidade que isso demanda – que é bem mais rá ;pida que a de produção científica – e conectar-se ao fazer cotidiano, à produção massiva de experiências e de tecnologias no dia a dia, aquele fazer permanente e criativo que sempre dá “nó” nos problemas. Vou instigar para que a rede se relacione, alimente e dialogue com uma comunidade de práticas.
5) Nós sabemos que vestir a camisa da APS é difícil e, em seu entender, qual o principal diferencial desses profissionais?
É fantástico quando temos militância combinada com responsabilidade e qualidade no trabalho. Em algumas áreas é desse jeito. Como não reconhecer a militância que temos na saúde mental, na luta contra a aids, no que estamos vendo no cuidado dos usuários de drogas, entre outras. Na APS é assim também, temos muitos militantes e eles dão vida, dedicação e criatividade ao trabalho. Dão sustentação também porque lutam, resistem, impulsionam o projeto para a frente.Mas nenhuma política vive só de militantes. Mais e mais pessoas precisam vestir a camisa da APS e elas têm que fazer do trabalho certa militância sem serem necessariamente militantes a priori. Ou seja, temos que ter uma política, projeto, proposta que seja interessante enquanto lugar de trabalho e projeto profissional para as pessoas, que faça sentido para elas e que seja associado a um trabalho sério, necessário, de qualidade, valorizado e gostoso de fazer, aprender, ensinar, dedicar-se… Valorizar, mobilizar e envolver esse trabalhador é uma tarefa grande, desafiante, gostosa e absolutamente necessária!
Fonte: Rede APS por email em 16 de março de 2011
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