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quarta-feira, 9 de março de 2011

Parceria PUC-RJ, Viramundo e Rocinha dá samba, ops!, saúde

por Conceição Lemes no Vi o Mundo

É muito comum as pessoas irem ao médico como se fossem a uma oficina mecânica. Entregam o “carro” para avaliação e depois o “pegam”, na crença de que, magicamente, montes de exames (o brasileiro é fã deles, veja aqui) e remédios por si solucionarão eventuais problemas de saúde e prevenirão um porção de outros.
Um tremendo equívoco. Saúde se constrói com check ups periódicos (veja aqui e aqui ), diagnósticos e tratamentos adequados, mas principalmente com adoção de hábitos e estilo de vida saudáveis. Acredite. Muito da nossa saúde – atual e futura – está nas mãos de cada um de nós. Isso implica informar-se. Educação em saúde.
“O modelo biomédico vigente há 100 anos, mais centrado na doença do que na saúde, tem contribuído para a perpetuação de diversas doenças infecciosas e crônico-degenerativas evitáveis, sobretudo na população de baixa renda”, afirma o médico Flávio Wittlin, coordenador executivo do curso de Educação em Saúde da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e presidente da ONG Viramundo.  “Afinal, esse modelo não prioriza a medicina preventiva, a promoção e a educação em saúde.”
“Para agravar, predomina na mídia a informação que privilegia a doença, como a publicidade de remédios e de planos de saúde”, prossegue Wittlin. “Portanto, é fundamental recuperar o tempo perdido e investir em Educação em Saúde, para ajudar a reverter essa perspectiva negativa.”
É justamente com essa visão que a PUC-RJ promoverá de março a julho de 2011 um curso de extensão universitária de Educação em Saúde. Visa à formação de pessoal para transmitir informações básicas de saúde; será em parceria com a ONG Viramundo e a comunidade da favela da Rocinha.
Público-alvo: estudantes universitários e profissionais com nível superior das áreas da saúde (médicos, enfermeiros, nutricionistas, psicólogos, assistentes sociais, dentistas, fisioterapeutas), educação e comunicação, interessados em Educação em Saúde. O curso tem duas aulas semanais. Nesta entrevista, o professor Flávio Wittlin, que também integra as comissões de Saúde e  Saneamento Ambiental da recém-fundada Câmara Comunitária de Desenvolvimento Rocinha, Gávea e São Conrado, dá detalhes.
Viomundo – O curso implica trabalhar conteúdos básicos de saúde assim como as formas de levá-lo às diferentes populações?
Flávio Wittlin – É isso mesmo. Só que a agenda dos conteúdos de saúde é definida em conjunto com os moradores da Rocinha, que funciona como laboratório. Na maior parte das vezes, a Academia tenta se impor ao mundo, muitas vezes com receitas de bolo solado e de péssimo gosto. Já nós buscamos ampliar as possibilidades de conexão com a comunidade e suas diversas áreas de necessidade e interesse social.
Viomundo – Quais os objetivos educacionais do curso?
Flávio Wittlin – São vários, entre eles estes: 1) produção de conhecimento sobre questões de saúde pública e prevenção de doença e promoção de saúde; 2) a construção de novos paradigmas práticos que ampliem a eficácia de informação em saúde, sobretudo em comunidades socialmente excluídas; 3)  capacitação para manejo básico dos meios digitais para aplicação em Educação em Saúde.
Viomundo – Frequentemente no imaginário popular a disseminação de informações de saúde está associada a médicos. O projeto de vocês passa esse poder também para outros atores. Por quê?
Flávio Wittlin — A ação de saúde é muito maior do que o ato médico. Focar com exclusividade ou primazia no médico é algo muito tacanho e estúpido, um reducionismo que concorre para conservar baixo o nível de informação da população.
Há uma lacuna abissal quanto à comunicação de informação de saúde. Isso envolve desde colegas que não sabem e muitas vezes não querem comunicar nada em saúde até agentes comunitários do Programa de Saúde da Família, que têm deficiências nessa área. Mas uma vez encorajados e qualificados podem ampliar a conscientização das comunidades onde atuam.
Viomundo – Por que a Rocinha?
Flávio Wittlin – Proximidade com a PUC-RJ. O curso, aliás, é ministrado no campus da PUC e na Rocinha.  Agora, por seus indicadores sociais e de desenvolvimento humano, saúde, educação e ambientais, a Rocinha é por si só uma prioridade.
Viomundo — Como é a relação com a comunidade? E os traficantes?
Flávio Wittlin – A sensação é que estamos avançando na forma de a comunidade ver as questões de saúde. Mas ainda não conseguimos medir esses resultados.  Até recentemente as lideranças da Rocinha nos viam como outsiders. Mas estamos ganhando o respeito crescente da comunidade. Os traficantes pelo menos não nos molestam.
A propósito. Inspirando-me  nas companheiras italianas, comprometidas em construir uma rede de neopartisans contra Berlusconi et caterva, cabe a pergunta: se não agora, quando? O modelo biomédico precisa ser enfrentado com determinação, conjungando a força dos trabalhadores da saúde com a das comunidades socialmente deserdadas.

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