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sábado, 9 de abril de 2011

O Brasil precisa de mais médicos?, por Felix Rigoli

na página do CONASEMS


Dizem alguns que para o SUS só faltam mais recursos , outros contestam afirmando que o que falta é mais gestão. Precisamos assumir uma posição mais sensata de que faltam recursos e falta gestão.

A falta de mais recursos não pode se limitar a "mais recursos financeiros" pois é evidente que "mais dinheiro" não vai resultar em mais e melhores serviços de saúde no Brasil. Portanto é necessário fazer uma ampliação do raciocínio quando se fala em ¨recursos¨: o que a saúde pública brasileira precisa é não apenas de dinheiro, mas também de infra-estrutura, tecnologia e capacidades humanas.

Sou fã da multicausalidade e das multi-intervenções. O resto é preguiça mental ou conservadorismo.

Claro que muito pode ser feito com melhor uso dos recursos existentes, por isso falo de mais capacidades humanas e não só de mais ¨pessoal¨.

Mas, vamos ao que todo mundo fala: o Brasil precisa de melhor gestão, mais recursos financeiros, boa infra-estrutura tecnológica... Ainda assim, o país precisa de ¨mais medicos¨?

Eu penso que sim. O Brasil tem, segundo dados do Datasus de 2007, 265.000 médicos (indivíduos) ou 360.000 postos de trabalho de médicos. Não há boa informação sobre qual desses números se aproxima mais da realidade de pessoas trabalhando como ¨médicos em tempo integral¨. Mas podemos trabalhar com esses números.

A OPAS calcula , em seu observatório, uma taxa de 16 médicos por cada 10.000 habitantes no Brasil. Usando os numeros do Datasus o Brasil está abaixo da Argentina, Canadá, Costa Rica, Cuba, Ecuador, El Salvador, Estados Unidos, Nicaragua, Puerto Rico e Uruguai. Também abaixo da maioria dos países da OCDE.

Mas não está aqui o problema, pois que bem pode fazer a saúde da população brasileira ter mais médicos que o México ou menos que a Espanha?

O problema principal é que a população brasileira ainda não tem o acesso que precisa aos serviços de saúde que merece. É uma distância grande entre o que tem e o que precisa. O avanço da última década é um bom indicador. O crescimento das camadas sociais médias e altas não é só um aumento do poder de compra, mas também um aumento das expectativas de cidadania, incluindo o uso e demanda por serviços de saúde de qualidade. É uma explosão que continua e vai se acentuar: combina a rápida mudança demográfica, que vai adicionando demandas do perfil epidemiológico ao aumento da expectativa por mais e melhores serviços.

Um autor americano, R. Scheffler, relata a história da demanda por médicos nos Estados Unidos e vincula esta demanda aos ciclos economicos (R. Scheffler, Is There a Doctor in the House? Stanford University Press, 2008). Se ele está certo, a demanda brasileira por médicos já deve ter aumentado muito e vai aumentar muito mais.

Para adicionar mais uma variável a estas questões, os programas do governo criaram e vão criar mais demandas agregadas. Quando o governo diz que vai extender a atenção primária de saúde para 40.000 equipes de saúde, ou quando existem planos concretos de criar 500 UPAS (que de acordo com a norma atual ocupam uma media de 40 médicos, ou seja um estimativa de 20.000 medicos em tempo integral), alguém está fazendo a conta de onde estão hoje as pessoas que vão trabalhar nessas estruturas? As UPAS serão construídas em pouco tempo, mas onde está a tecnologia para "construir" 20.000 médicos no mesmo tempo? Os projetos de desenvolvimento e os investimentos acabam sendo predatórios uns de outros se os recursos humanos não são planejados integralmente com os outros componentes.

Mas, não quero perder o foco: o Brasil precisa de mais médicos. Mesmo distribuindo melhor os atuais, fica em dívida com as demandas já existentes. Mas como não pode "fabricar" mais médicos na velocidade necessária, vai precisar distribuir melhor e urgentemente a força de trabalho atual.

E como não vai conseguir melhores resultados sem mudar o modelo de atenção, também precisa médicos com formações diferenciadas, orientados para a atenção primária e voltados às necessidades dos cidadãos.

Em suma: voltamos aqui a multicausalidade e a multi-intervencão: mais médicos, melhor distribuídos e com perfil de formação diferente dos atuais – adequados a um novo modelo de atenção a ser, urgentemente, instituído no Brasil.

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Felix Rigoli – Consultor da Organização Panamericana da Saúde (OPAS) 

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