Por Nelson Rodrigues dos Santos, professor colaborador da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), presidente do Instituto de Direito Sanitário Aplicado (IDISA) e consultor do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS). Enviado por Caroline Rocha.
I. O SUB-FINANCIAMENTO PÚBLICO DO SISTEMA PÚBLICO
A esfera federal vem de modo constatado, retraindo proporcionalmente suaparcela no financiamento público da saúde. Esta retração tornou-se mais explicita a partir de 1990, após a Constituição e a Lei Orgânica da Saúde, mas iniciou já nos anos 80, simultaneamente ao intenso crescimento das responsabilidades municipais em saúde na época, seguido após pelos estados.
Em 1980, 75% do financiamento público era de origem federal e 25% de origem municipal/estadual. Em 2008, somente 46% era de origem federal e 54% de origem municipal/estadual (27,5 municipal e 26,5% estadual), enquanto a participação na arrecadação tributária é de 60% para a esfera federal, 24% para a estadual e 16% para a municipal. No primeiro ano da aplicação da E.C. 29 (2001) a média nacional dos municípios já chegava ao mínimo de 15%, em 2008 em 19,5% e hoje por volta de 22%, o que significa 10 bilhões anuais além do mínimo constitucional.
Os Estados estavam em 2007 com média nacional pouco acima de 11% em relação ao mínimo constitucional de 12%; 11 deles com 12% ou pouco mais, 9 deles entre 9 e 12%, e 7 entre 3,5% e 9%. A esfera federal em retração frente ao crescimento populacional e à inflação. Sob outro ângulo, a parcela federal passou a ter sua participação reduzida dentro da receita corrente da União, paradoxalmente ao crescimento dessa receita: de 1995 a 2004, enquanto a receita corrente cresceu de 19,7% para 26,7% do PIB, a participação do orçamento do Ministério da Saúde na receita corrente, caiu de 9,6% para 7,5%. Esta retração prosseguiu após a EC-29/2000, quando o governo federal pressionou e definiu as parcelas municipal e estadual com base em porcentuais mínimos das suas arrecadações (15% e 12%), mas recusou esse critério para si, impondo a variação nominal do PIB do ano anterior, cujo porcentual perde para o crescimento populacional e a inflação residual.
Prossegue até agora, com a pétrea recusa da área econômica, de regulamentar a EC-29 com base em porcentual da arrecadação federal, que nada mais seria que retomar sua responsabilidade constitucional já assumida pelos municípios e a maioria dos estados. Por conseqüência, nosso país permanece entre os piores financiamentos públicos do planeta: somente 3,74% do PIB, somente 44% do financiamento total e somente 340 dólares padronizados internacionalmente, por habitante – ano, enquanto em todos os países europeus, Canadá e vários outros, são em média, respectivamente, 7/8%, 80% e 2.000.
É de ressaltar que o sub-financiamento federal do SUS é constante e gradativo nos 20 anos deste sistema público. Entre 1998 e 2010 (12 anos) os gastos federais com assistência de média e alta complexidade do SUS, cresceram 6 vezes, ainda abaixo do crescimento inflacionário e populacional nesse período, mas os gastos com atenção básica à saúde cresceram somente 3 vezes. Os repasses federais aos municípios para atenção básica (piso fixo e pisos variáveis) representam hoje valores reais que oscilam entre 20 e 30% dos valores de 1998.
II. A RELAÇÃO PÚBLICO – PRIVADO
É de reconhecimento geral a indefinição, baixa clareza e muitas vezes o obscurantismo e promiscuidade predatória da relação público-privado em nosso sistema público de saúde, senão vejamos:
Em primeiro lugar, temos que, a partir de 1.990, a área econômica vem elevando, ininterruptamente, subsídios públicos (diretos e indiretos) ao mercado de planos e seguros privados de saúde. Estes subsídios incluem a) isenção tributária a hospitais privados terciários credenciados por operadoras de planos privados e a industria farmacêutica, b) a participação do orçamento público, incluindo as estatais, no financiamento de planos privados aos servidores públicos, c) as deduções no IRPF e IRPJ dos consumidores de serviços privados de saúde, e d) o não ressarcimento das operadoras privadas previstos na Lei nº 9656 de 1.998.
O valor total desses subsídios corresponde hoje a mais de 20% do faturamento anual do conjunto de todas as operadoras privadas de planos e seguros de saúde que atuam no país. Somente a isenção tributária e a dedução do IRPF e IRPJ, equivaleram em 2006, a 30,6% dos gastos do Ministério da Saúde. Acresce a esses subsídios um novo papel da ANS que é o de intermediar e facilitar polpudos empréstimos do BNDES e do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), a hospitais privados de grande porte; “sem fins lucrativos”, credenciados por operadoras privadas de planos e seguros de saúde e as próprias operadoras.
A decorrência imediata é a elevação acintosa da disparidade e iniqüidade do financiamento da saúde em nossa sociedade: o per – capita em reais do SUS em 2008 para toda a população foi por volta de R$ 545 anuais e dos planos e seguros privados para seus afiliados (25% da população) foi de R$ 1.185, e como esses afiliados também estão cobertos pelo SUS, seu per – capita efetivo é de R$ 1.730.
Com relação ao valor estimado do não ressarcimento, é importante lembrar que: a) já em 2003, o PNAD / IBGE revelava que 7% dos atendidos nos ambulatórios do SUS eram afiliados a planos privados, assim como 8,4% dos atendidos em exames diagnósticos, 11,6% em procedimentos de alta complexidade e 6,7% das internações, nas quais, 9% para as cirúrgicas, afora a cobertura das ações de vigilância sanitária, imunizações, controle da AIDS e outras, e b) o valor dos gastos do SUS com procedimentos de alta complexidade é mais de 4 vezes maior que o das internações.
Em segundo lugar, os serviços privados contratados e conveniados pelo SUS, são, remunerados na prática por tabela de procedimentos e valores, por produção, altamente indutora de relações de mercado e não de parceria, além de perversa na relação custo – valor de cada procedimento.
Em terceiro lugar, 70% da provisão de internações no país eram pelo SUS em 2005: além da maior parte ter sido, em leitos privados contratados e conveniados pelo SUS, em caráter complementar (previsto na Lei 8080/90), foram em hospitais privados também credenciados pelas operadoras de planos e seguro privados, com baixíssimo controle dos direitos dos usuários e prioridades sob os ângulos contábil, burocrático e assistencial. Só em relação aos serviços de apoio diagnóstico e terapêutico – SADT, 92% são de origem privada, a maior parte contratada pelo SUS.
Em quarto lugar, a inusitada multiplicação de contratos e convênios de terceiros privados fornecedores de pessoal de saúde disponibilizados para os gestores descentralizados do SUS operarem serviços de saúde, desde os de atenção básica até os de média e alta complexidade: cooperativas de profissionais, ONGS e outras entidades sem fins lucrativos e empresas.
Em quinto lugar, a terceirização privatizante do próprio gerenciamento de estabelecimentos públicos (Fundações Privadas de Apoio, OSs e OSCIPs).
Em sexto lugar, a extensão legal, em andamento, das fundações privadas de apoio para as OSs, da venda de serviços públicos de saúde no mercado, sob a justificativa da insuficiência de recursos públicos.
Em sétimo lugar, a privatização da regulação das unidades públicas geridas por entes privados.
Em oitavo lugar, os inúmeros particularismos no seio dos serviços públicos desde o descumprimento de jornadas de trabalho e protelação de realização de procedimentos, incluindo os hospitalares, até maior acesso e cuidado a pacientes oriundos de planos privados.
Estas questões, imbricadas entre si, entre várias outras vem configurando nos 20 anos do SUS, complexo “emaranhado” de distorções privatizantes e escapismos da gestão pública, sob pressão para assistir a população, porém de caráter antipúblico, iníquo e incontrolável. É de ressaltar que esta relação público-privado na saúde é constante e crescente nos 20 anos do SUS.
III. O GERENCIAMENTO PÚBLICO DOS ESTABELECIMENTOS PÚBLICOS DE SAÚDE
O Impasse Atual:
A ineficácia e ineficiência do burocratismo e centralismo da administração pública direta e autárquica frente à massiva e complexa demanda social por serviços de saúde, somados aos drásticos sub-financiamento federal e o limite até 54% das despesas correntes líquidas para ampliação do quadro de pessoal dos municípios, compelem os gestores municipais a um cotidiano de completar valores de procedimentos da tabela federal, com recursos do orçamento municipal, para diminuir a desassistência especializada e laboratorial, assim como conviver com as “complementações” familiares de usuários do SUS para viabilizar diárias de UTI, próteses, agenda de cirurgias e vários outros procedimentos. Compelem também à precarização da gestão dos trabalhadores de saúde, com baixa remuneração, sem carreiras e baixa educação permanente e estabilidade, tanto estatutários como celetistas e como terceirizados.
A evidente impossibilidade de controle da finalidade pública no “emaranhado” de distorções privatizantes referido no item anterior, e da implementação dos princípios e diretrizes do SUS, vem impedindo a nível nacional, as necessárias mudanças nos modelos de gestão e atenção. Os gestores públicos descentralizados, seu corpo dirigente, técnico e profissionais de saúde são levados à angustia diária tentando reprimir menos a demanda de situações de maior gravidade e as de urgência, e por falta de recursos, são compelidos a reprimir mais a demanda das situações menos graves, eletivas, e das ações de proteção aos riscos, sabendo que esta repressão gera as situações mais graves e de urgência.
Esta angustia estende-se ao fato de a atenção básica à saúde não estar nacionalmente financiada e projetada para ter cobertura universal, nem alta resolutividade e nem vir a ser a porta de entrada preferencial no sistema, e por isso sem condições de estruturá-lo em redes regionais de cuidados integrais à saúde. É de ressaltar a resistência federal no campo da reforma administrativa do Estado, nos 20 anos do SUS, de criar e disponibilizar alternativas administrativas públicas realmente e eficientes e eficazes, em relação à administração direta e autárquica, para o gerenciamento público da prestação de serviços.
A maior contradição ou conflito estrutural explicita-se entre esse “emaranhado” – onde as terceirizações, ao contrário de serem desenvolvidas como complementares ou suplementares em situações especificas, foram alçadas para o espaço central do sistema, – e do outro lado, a ineficácia e ineficiência do gerenciamento público dos serviços pela administração direta e autárquica e a marcante insuficiência do financiamento federal.
Os colegiados gestores e de controle social do SUS vem periodicamente formulando estratégias de avanços possíveis e de resistência, sendo a mais recente, o Pacto pela Vida, em Defesa do SUS e de Gestão de 2006, que assume o objetivo de insistir nas pactuações regionais para construção do planejamento e gestão regional compartilhados, da atenção integral à saúde segundo as necessidades da população, com Atenção Básica à Saúde progressivamente resolutiva, universal, ordenadora e estruturante das referencias especializadas ambulatoriais, laboratoriais e hospitalares no território regional. Tentam impedir desestruturação maior dos vínculos com as diretrizes constitucionais, unindo forças e acumulando experiência, o que é extremamente imprescindível. O objetivo subjacente é o de retardar a consolidação estruturante do “SUS pobre para os pobres e complementar para os afiliados aos planos privados de saúde” política hegemônica “implícita”, até que novas relações de forças sociais, políticas e econômicas surjam.
Outro ângulo desse importantíssimo esforço dos colegiados gestores e de controle social, é seu respaldo e interação com alguns milhares de experiências locais ou microrregionais no território nacional, levadas a cabo por equipes multiprofissionais de saúde, ao nível da micropolítica e do microprocesso de trabalho, esforçando-se criativamente e exaustivamente na efetivação dos princípios da universalidade, integralidade e equidade junto à população, mesmo sabendo das graves distorções e impedimentos ao nível da macropolítica e macroeconomia.
Nessas experiências locais, inúmeras são compartilhadas com áreas da Universidade, resultando em avançados projetos de modelos de atenção à saúde e de produção de conhecimentos.
IV. DESAFIOS- MÃE: O MODELO DE ATENÇÃO E A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE
Entre os inúmeros, graves e complexos desafios à implementação do SUS, objetivo de inúmeros debates, análises e propostas, não vemos como não reconhecer como um dos “desafios mãe”, a mudança do modelo de atenção à saúde, a real democratização para toda a população, do acesso oportuno a todos os níveis do sistema, segundo as necessidades e direitos da população. É necessário destacar que essa mudança passa pela implementação de uma Atenção Básica universal, de qualidade, intervindo e articulando intervenções sobre os determinantes sociais da saúde, nas situações de riscos específicos, do diagnóstico e tratamento precoces, no acompanhamento e cuidado aos crônicos e da autonomização do cidadão na sua saúde.
Por consequência esta Atenção Básica, porta de entrada preferencial do sistema, desenvolve-se como orientadora e ordenadora das demandas aos outros níveis de maior densidade tecnológica, assistenciais e de vigilância em saúde, assumindo por isso a gestão das linhas de cuidado e a estruturação do sistema.
Neste modelo e nesta lógica devem definir-se o perfil, a alocação e a participação dos profissionais, em função do que, o papel e responsabilidades dos prestadores de serviços, e por fim, dos fabricantes de medicamentos, equipamentos, reagentes e outros insumos. Sob o ângulo da construção deste novo modelo de atenção, é de se reconhecer que passa necessariamente pela democratização do Estado, tornando a gestão pública atrelada às necessidades e direitos da população e por isso mais eficaz e eficiente.
Daí, como não reconhecer outro “desafio-mãe”: a elevação da consciência social do direito humano de cidadania (sobrepondo-se à classe, segmento e corporação), a conseqüente mobilização política, a democratização da gestão pública e a atuação das conferências e conselhos da saúde e da sociedade civil. Aí estão as complexas e preocupantes mudanças dos nossos valores e movimentos sociais pontificadas nos anos 90: a fragmentação da sociedade civil em segmentos e minorias organizados em formas pouco classistas, mas corporativas, disputando o consumo de serviços no mercado subsidiado com recursos públicos, o papel do SUS para as centrais sindicais, os sindicatos dos servidores estatutários e as minorias excluídas; a nova construção da relação sociedade-nação e o duplo descolamento dos conselhos de saúde: no campo da gestão pública, ao abdicarem da disputa competente na formulação de estratégias, sua atribuição legal, e no campo da sua representatividade das entidades e movimentos sociais, ao abdicarem de contribuir na socialização das informações estratégicas, da consciência social de cidadania e nas decorrentes mobilizações sociais.
Este desafio, que se refere ao campo da gestão participativa, deve ser analisado também no campo do modelo de gestão, que em nossa visão abarca, além de conjuntos de instrumentos/ procedimentos técnico-administrativos, também decisivas estratégias e políticas administrativas nas áreas do financiamento, planejamento/orçamentação, gestão de sistemas e redes, gestão de ciência/tecnologia/ inovação, gestão/ gerenciamento da prestação de serviços (recursos humanos, materiais e financeiros), avaliação/ controle/ regulação e relação público-privado.
Lembramos aqui, a inadiabilidade da aplicação, em cada região e município, de indicadores de impacto no nível de saúde e de resultados, como: determinantes sociais controlados/população beneficiada, doenças evitadas por proteções específicas/ idem, doenças não agravadas por diagnóstico e tratamento precoces/idem, doenças avançadas curadas/ idem, urgências evitáveis e totais, etc. A bem das realidades cotidianas vividas pelos dirigentes, técnicos e colegiados gestores e de controle social, lembramos que os “mundos” dos modelos de atenção e de gestão se desenvolvem de modo imbricado e inseparável, de formulação de estratégias e exercício de responsabilidades, competências e atribuições.
Nessa linha de abordagens, diríamos que o desafio “mãe” da consciência social dos direitos de cidadania e decorrente politização e ampliação das mobilizações sociais e da democratização do Estado, antecede os demais. É a partir deste contexto, que elegemos três desafios “filhos”, imediatos e centrais no SUS: o financiamento público, o gerenciamento público e a relação público-privado, sinérgicos e interdependentes entre si, com a finalidade de contribuir nas reflexões e mobilizações para sua superação, ainda mais porque, como enunciamos no preâmbulo, cremos que ao ressoar o conjunto dos demais desafios, as conscientizações e mobilizações repercutem no conjunto.
Estes três desafios encontram-se concretamente no “campo de batalha” cotidiano, de modo palpável, inapelável e após os 20 anos, incontornável, aí residindo outra razão da sua escolha, a de contribuir para posicionamento com os governos empossados no mês de Janeiro.
V. PROPOSTA DE MEDIDAS PARA IMPLEMENTAÇÃO DOS RUMOS CONSTITUCIONAIS
Objetivo
: delinear os rumos para obtenção de elevada eficácia e eficiência na gestão, na regulação e no gerenciamento público da prestação de serviços universais, integrais, equitativos e de qualidade.Quanto ao desvio estrutural
1. Os mínimos de 15% e 12% dos impostos municipais e estaduais e DF, e de 10% da RCB federal, constituirão patamar ou base segura para que por etapas passemos de imediato dos atuais US$ 350 públicos p.c./ano para perto de 500 e ao longo dos anos em mais 2 ou 3 etapas, para US$ 1.000. Este valor, seria ainda metade da média de US$ 2.000 na Europa, Canadá, Japão e outros países com os melhores sistemas públicos do mundo, mas, seguramente, seria suficiente para estarmos entre os melhores, com base na inusitada capacidade dos gestores descentralizados desenvolvida em 20 anos, de “tirar água das pedras” e incluir no sistema metade da população antes excluída.
Caberá aos governantes deixarem de fixar o patamar mínimo como “teto” e pactuar a elevação por etapas, assim como promover a aprovação dos 10% da RCB da União independente da criação ou não de nova contribuição social. Por outro lado, pelos mesmos motivos ligados ao financiamento federal da Educação, a DRU deve ser extinta também das fontes do financiamento federal da Saúde, progressivamente ou não. Obs. – Os U$ públicos p.c./ano padronizados pelo poder de compra constituem o indicador instituído pela OMS/ONU, e que infere os demais, como a % do financiamento público no financiamento total da saúde, a % do financiamento público no PIB, o p.c. público anual em reais e outros.
2. A indefinição, baixa clareza, obscurantismo e promiscuidade predatória da relação público – privado, estão a exigir maior transparência, clareza dos limites e responsabilidades: tornam-se imprescindíveis reduções progressivas de todas as formas de subsídios públicos ao mercado de planos e seguros privados de saúde, referidos no item 2, assim como a redução e controle dos demais componentes do “emaranhado” de distorções privatizantes apontados no mesmo item. Exemplos: a) nenhum estabelecimento público, mesmo que gerido por ente privado, pode abrir uma porta de admissão para vender serviços públicos no mercado, b) os atuais convênios com as entidades privadas filantrópicas e os sem fins lucrativos, deverão ter alternativa de evoluir para parcerias público-privadas com repasses globais não inferiores aos custos operacionais, com gestão própria ou cogestão com o SUS, corpo profissional e capacidade instalada exclusiva para o SUS, para cumprimento de metas definidas com o gestor público, e c) parcerias público-privadas formuladas transparentemente e aprovadas nos colegiados gestores e de controle social, nas áreas de economia de escala/controle de qualidade em procedimentos de alta densidade tecnológica, e de avaliação tecnológica em saúde.
A proposta é a de pactuação de novos marcos regulatórios de interesse público ao nível nacional e estadual, pelos colegiados democráticos e representativos como a Comissão Intergestores Tripartite – CIT, Conselho Nacional de Saúde – CNS, Comissões Intergestores Bipartites – CIBs, Conselhos Estaduais de Saúde – CES, e a Agencia Nacional de Saúde – ANS que hoje é aparelho de Estado, regulador somente dos agentes do mercado, e tem seu conselho diretor hegemonizado por representantes do mercado.
3. A partir do impasse descrito entre a administração direta e autárquica, com o “emaranhado” de distorções privatizantes, no item 1.3, a retomada do rumo “SUS”, além da questão do financiamento e da relação público-privado, passa necessariamente pelo desenvolvimento da autonomia gerencial de unidades públicas prestadoras de serviços, atrelada ao cumprimento eficaz e eficiente de metas de serviços de qualidade, definidas segundo as necessidades da população.
Esta autonomia gerencial supervisionada tem como partida a regulamentação e autorização, pelo Legislativo, do disposto no Art. 37 da Constituição Federal, inciso XIX e § 8º, que deverão ser pautadas por balizamentos gerados nos 20 anos do SUS, a serem aplicados às Fundações Públicas, tais como:
- O financiamento da fundação pública é público com porta de admissão única exclusiva do SUS, sob contrato por cumprimento de metas com qualidade e desempenho definidos em consonância com as metas do planejamento municipal de saúde e das redes regionais de atenção integral à saúde, discutidas e aprovadas nos conselhos de saúde.
- Outros ganhos vinculados a intercâmbios tecnológicos de interesse público e doações, poderão ser realizados sob condição de manter a aprimorar as metas contratadas.
- O quadro de pessoal é contemplado com concurso público ou processo seletivo publicizado, plano de empregos, carreiras, cargos, salários, jornadas e educação permanente, permanecendo os cargos diretivos e gerenciais submetidos a critérios técnicos e administrativos expressos no estatuto, com preferência aos quadros de carreira. A relação de trabalho será a CLT, ficando excluído o procedimento de demissão sem justa causa.
- O dimensionamento, lotação e qualificação do pessoal de saúde são realizados exclusivamente em conformidade com as necessidades da população adscrita e referida e o cumprimento das metas, observando a adesão e fixação das equipes de saúde junto à população adscrita no âmbito da atenção básica e para o acesso oportuno nos serviços de referência.
- A gestão dos recursos materiais e financeiros é publicizada e obedecerá aos preceitos públicos licitatórios eficazes e eficientes.
- Os relatórios de gestão – financeira, material, de pessoal e de cumprimento de metas será pelo menos semestral, integrados aos relatórios de gestão da Secretaria de Saúde, e publicizado em site oficial e diário oficial.
- A fundação pública é objeto das atividades de controle interno, externo e dos conselhos de saúde, e atuará em área territorial e populacional definida pelo gestor público.
- A direção geral da fundação pública é de indicação do Secretario da Saúde com preferência a técnico ou dirigente de carreira portador de reconhecida experiência na gestão pública de saúde.
Ainda neste item propositivo, deve estar pautada alteração no dispositivo especifico da Lei da Responsabilidade Fiscal, elevando até 70% da receita corrente liquida municipal com pessoal de saúde.
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