Segundo o intelectual marfinense, políticas do presidente recém-deposto contrariavam interesses franceses
Ailín Bullentini
de Buenos Aires (Argentina)via Brasil de Fato
Sylvain Poosson é professor de literatura hispano-americana e diretor de Estudos Internacionais da Universidade de Hampton, nos EUA. Nasceu na Costa do Marfim, onde estudou, exerceu o jornalismo e participou da chegada da democracia, no princípio da década de 1990. Ainda que esteja longe, sabe analisar e conhece com detalhes a realidade de seu país, que nos últimos anos lhe tirou seu sono.
"O presidente Laurent Gbagbo cometeu muitos erros. Mas é o pai da democracia, militou mais de 20 anos na política de seu país e esperou por um processo eleitoral democrático para chegar à presidência. Não é golpista, respeita os direitos de seu povo. Alassane Ouattara, ao contrário, é um assassino sem piedade e ambicioso que faria qualquer coisa para se sentar na cadeira do poder", comparou, em conversa telefônica sobre seu ponto de vista a respeito da crise no país africano. No dia 12, Gbagbo foi detido e colocado sob custódia das forças leais a Ouattara após tropas francesas terem cercado o bunker onde permanecia escondido.
Os meios ocidentais contavam as horas para que as tropas de Ouattara, ajudados pela França e pela ONU, o arrancassem do poder. O que está certo nisso?
Sylvain Poosson – A informação que chega sobre o conflito está filtrada, em sua maioria, pela imprensa francesa, que conta a história oficial. Mas é preciso ter cuidado, sobretudo em relação a temas internacionais nos quais a França tem interesses em jogo. Nesses casos, a imprensa francesa joga em favor do governo, quase como se fosse sua empregada.
Por que a França interferiu na Costa do Marfim?
Um dos principais pontos da plataforma de Gbagbo para as eleições de novembro baseou-se em um redesenho da política econômica do país, que inevitavelmente afetava a França e os negócios que o país tem na nação africana. 85% das divisas que sustentam a economia da Costa do Marfim estão depositadas nos bancos franceses. A França tem 2.500 empresas na Costa do Marfim e divide com a Inglaterra a compra da produção de petróleo e cacau – base da economia da Costa Marfim – do meu país. A Costa do Marfim ganha, pela venda desses produtos, 12% dos lucros que a França gera com sua revenda. Essa é a ameaça que a França enfrenta se Gbagbo seguir na presidência. Quando foi ministro da Economia – entre 1990 e 1993 –, Ouattara se encarregou de vender todas as empresas estatais a capitais privados, em sua maioria estrangeiros. Paris se beneficiou enormemente.
O que Gbagbo fez para mudar essa realidade, durante os dez anos que exerceu a presidência?
Não pôde fazer muito. Assumiu a presidência em 2000 e, três anos depois, as milícias rebeldes do norte do país, com armas e mercenários de Burkina Faso e o apoio oculto da França, tentaram derrubar seu governo, matando-o. Ouattara apoiou esse golpe. Deixaram-no vivo, mas iniciaram uma guerra civil e verteram sangue de centenas de inocentes nas ruas. O país ficou dividido em dois: o norte, sob o comando dos rebeldes, e o sul, com Gbagbo, que acabou negociando o poder completo. Ficou na presidência, mas nomeou o líder dos rebeldes, Guilliame Soro, como primeiro-ministro. Desde então, nunca mais pôde avançar dois passos sem a ameaça de colocar o país em guerra. Perdeu toda a condução.
O mandado presidencial de Gbagbo venceu em 2005. Por que as eleições atrasaram cinco anos?
Ele cometeu milhares de erros como presidente. O primeiro foi ter permitido que a corrupção contaminasse cada canto de seu gabinete. Mas não foi ele que não quis realizar as eleições: foi Soro, através da ameaça permanente de violência e suas contribuições para manter o país dividido, o que não permitiu a instauração de um ambiente propício para as eleições. Convinha a Soro e aos rebeldes do norte se manterem no poder devido aos negócios ilegais do tráfico de cacau. Inclusive, em novembro de 2010, Gbagbo alertou sobre a inconveniência de levar a cabo eleições democráticas, com tanta violência nas ruas.
Por que não se pôde definir ainda o processo eleitoral de novembro?
Outtara teria ganhado as eleições presidenciais se não tivesse maltratado tanto a população. As tropas rebeldes mataram e disseminaram o medo para que ele se alçasse à presidência. Mulheres foram violadas, milhares de marfinenses foram assassinados por essas bestas, com o apoio da França, para atemorizar e ganhar votos. As eleições não foram livres nem democráticas. A Comissão Eleitoral Independente, que deu vitória a Ouattara, tem 22 membros, dos quais 20 são vinculados a Outtara. Quando esses resultados preliminares chegaram à Corte Suprema, a autoridade considerou que havia sinais de fraude, mas não ordenou a anulação das eleições e a realização de um novo processo.
Tradução: Tatiana Merlino
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