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sexta-feira, 15 de julho de 2011

Motivos econômicos pelo transporte público gratuito


Uma sociedade que depende de automóveis individuais como meio de transporte principal tem custos sociais e ecológicos elevados



João Alexandre Peschanski no Brasil de Fato

A criação de um sistema de transporte público gratuito universal no capitalismo soa como uma fantasia inatingível. Tal sistema, à primeira vista, seria economicamente ineficiente, na medida em que oneraria demais o Estado.
Mas, do ponto de vista econômico, criar um sistema de transporte público gratuito é vantajoso para o Estado. Uma sociedade que depende de automóveis individuais como meio de transporte principal tem custos sociais e ecológicos elevados. É preciso levar em conta esses custos no cálculo da eficiência de qualquer sistema de transporte.
Uma sociedade dependente de automóveis individuais tem altos níveis de poluição -- muito mais do que teria se o principal meio de transporte fosse coletivo. A contaminação do ar leva a doenças respiratórias e, consequentemente, gastos médicos, para o cidadão e o Estado. Na medida em que tais doenças respiratórias incapacitam os membros de uma sociedade levam a uma possível desaceleração econômica -- trabalhadores sem saúde não produzem no mesmo nível do que trabalhadores com saúde. Há outros gastos relacionados ao uso do automóvel em massa, como a manutenção de uma rede de fiscais de trânsito, fundamental para organizar cidades com tráfego intenso, e o tempo -- produtivo -- perdido em engarrafamentos. Quem paga a conta pelo trânsito são, de novo, o cidadão e o Estado.
As montadoras conseguem vender a preços mais baratos os automóveis que produzem porque repassam ao cidadão e ao Estado os custos sociais do sistema de transporte que patrocinam. Nos primeiros meses de 2011, o aumento na venda de automóveis chegou a 8% em comparação com o ano anterior. As montadoras exigem do governo redução de impostos e mais facilidade no crédito para compradores, isto é, querem se livrar ainda mais dos custos sociais relacionados a seus carros. Mas o imposto deveria aumentar, não diminuir.
O imposto deveria aumentar sobre as montadoras que lucram com a produção de um bem com alto custo social, como acontece com outros produtos nocivos (cigarro, bebida). Mas também deveria aumentar, paulatinamente, sobre o consumidor, à medida que se consolide um sistema de transporte coletivo funcional. Numa sociedade onde o transporte público é bom, um cidadão pode querer ou precisar de um carro, por conforto ou por qualquer outro motivo, mas como sua decisão tem repercussões sociais -- o custo social relacionado ao uso do automóvel -- cabe também a ele pagar por isso.
Até agora, a argumentação nos levou à necessidade social de substituir o uso em massa dos automóveis pelo transporte público, mas por que este teria de ser gratuito? Por justiça econômica. Os usuários de transporte público beneficiam toda a sociedade, pois mantêm baixos os custos sociais relacionados ao transporte (poluição, trânsito). Beneficiam até mesmo as pessoas que não usam o transporte público. Cobrar tarifas pelo uso do transporte público é, então, uma injustiça econômica: por mais que o serviço beneficie a todos, só uma parcela dos beneficiados paga por ele. De certo modo, cobrar pelo transporte público se torna uma exploração dos usuários pelos não-usuários. Os gastos do sistema de transporte coletivo têm de ser partilhados pelos beneficiados, ou seja, divididos entre todos os cidadãos.
A gratuidade do transporte público pode ser defendida por dois outros aspectos econômicos. Por um lado, cobranças de tarifas envolvem custos de operação e fiscalização; um sistema de transporte público gratuito os elimina. Por outro lado, a gratuidade funciona como um incentivo aos cidadãos para que usem meios públicos de locomoção, aumentando os benefícios sociais.
Um sistema de transporte público gratuito é eficiente, do ponto de vista econômico, e compatível em teoria com uma sociedade capitalista. Os obstáculos à criação desse sistema não são de ordem econômica, mas política. As montadoras têm, evidentemente, interesse em manter a sociedade dependente dos carros que fabricam. Para garantir seus lucros, precisam manter essa dependência e investem para pressionar os governos local e federal a manter seu controle sobre o sistema de transporte. No Brasil, têm alta capacidade de pressão, pois contam com políticos aliados com posições-chave, na Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados, e potencial de chantagem sobre o governo, ameaçando demitir trabalhadores se seus interesses não forem atendidos.
A reivindicação por transporte público gratuito é, portanto, realista e justa. Organiza-se no Brasil, principalmente, pelo Movimento Passe Livre, criado em 2005, que mobiliza jovens e trabalhadores de baixa renda em diversas capitais sob a bandeira da tarifa zero. Enfrenta, nas ruas, uma visão atrasada e ineficiente da vida em sociedade. E tem a lógica econômica de seu lado.


Comentário do Roberto Ghidini:
Mario.

Esta questao vem sendo discutida universalmente há muito tempo. Aqui na España, o urbanista Fernando ramón, no seu livro - RAMÓN, FERNANDO, 1970 – La ideologia Urbanística – Madrid.- dedica um capítulo todo ao tema e de forma bastante similar ao discurso exposto (João Alexandre Peschanski no Brasil de Fato).

Parece que os governos sao sócios do "trio-de-ferro" (montadoras-petroleiras-construtoras), que querem fabricar carros, abastecê-los e construir mais e mais estradas para que andem, consumam e sejam substituídos cada vez com maiso velocidade, ao contrário do que seria racional...

O MPL vem nesse sentido, danado a cara e tentando a gratuidade em primeiro lugar e como medida paletiva, a reduçao das tarifas bem como a melhoria da qualidade do Transporte Público nas grandes cidades, mas o poder público nao lhes dá ouvidos e em muitos casos coibe com violência as manifestaçoes.

Um comentário:

  1. Mario.

    Esta questao vem sendo discutida universalmente há muito tempo. Aqui na España, o urbanista Fernando ramón, no seu livro - RAMÓN, FERNANDO, 1970 – La ideologia Urbanística – Madrid.- dedica um capítulo todo ao tema e de forma bastante similar ao discurso exposto (João Alexandre Peschanski no Brasil de Fato).

    Parece que os governos sao sócios do "trio-de-ferro" (montadoras-petroleiras-construtoras), que querem fabricar carros, abastecê-los e construir mais e mais estradas para que andem, consumam e sejam substituídos cada vez com maiso velocidade, ao contrário do que seria racional...

    O MPL vem nesse sentido, danado a cara e tentando a gratuidade em primeiro lugar e como medida paletiva, a reduçao das tarifas bem como a melhoria da qualidade do Transporte Público nas grandes cidades, mas o poder público nao lhes dá ouvidos e em muitos casos coibe com violência as manifestaçoes.

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