por Juan Gérvas y Mercedes Péres Fernández
Carta Aberta ao Dr. Hêider Aurélio Pinto, Departamento de Atenção Básica Secretaria de Atenção a Saúde, Ministério da Saúde, Brasil
Estimado companheiro,
Seguimos com interesse o desenvolvimento do Brasil, país cujo o sistema sanitário conhecemos pela primeira vez em 1984, e ao qual, desde então, temos dedicado tempo, em forma de leituras e varias visitas.
O Brasil é hoje um exemplo para o mundo, como reconhecido por uma série de textos que tem sido publicados na prestigiada revista The Lancet, em maio passado.
Entre os êxitos do Brasil, estão o desenvolvimento e a implantação da Estratégia de Saúde da Família, que tem impacto notável nos indicadores de saúde, tais como a mortalidade neonatal ou as hospitalizações/internações evitáveis, constituindo uma excelente opção para a melhora dos serviços sanitários1,2,3. Contudo a Estratégia de Saúde da Família precisa ser reforçada, para alcançar sua máxima efetividade4,5,6,7,8,9,10.
Nosso próprio trabalho11 aponta os pontos fortes e fracos da ESF e a necessidade de continuar na linha pratica da ESF, como é feito na Política Nacional de Atenção Primária12. Nesse sentido comemoramos a publicação do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ). A leitura do mesmo é reconfortante, pois mantém o melhor da ESF ao mesmo tempo que assinala fragilidades e propõe soluções.
Contudo, acreditamos que a proposta de indicadores para o seguimento do PMAQ(anexo sem data[provavelmente os autores se referem à minuta do documento com os indicadores que irão compor a avaliação do PMAQ, ainda não divulgado publicamente - nota do sub-editor]) pode ser melhorada, embora tenha acertos como promover o aleitamento materno, destacar a importância do baixo peso ao nascer e a relevância do cumprimento do calendário vacinal de crianças menores de um ano, estimular a atenção à demanda urgente e fortalecer o componente de cuidados gerais e odontológicos.
Como dizemos em nosso relatório: “De acordo com os estudos publicados, para uma valorização normativa global da ESF, servem tanto o “Primary Care Assessment Tool” (PCATool) como a “Avaliação para Melhoria da Qualidade de Estratégia Saúde da Família” (AMQ), por mais que pareça melhor o PCATool13,14.
A respeito do seguimento da implantação e do êxito da ESF, desde o ponto de vista do nível institucional – fundamentalmente o Federal, mas também os Estados e Municípios – o ponto chave é assinalar os objetivos “mensuráveis”. A respeito destes, como havíamos comentado, existem algumas enfermidades e situações nas quais a atenção é claramente ineficiente, sendo possível buscar a melhoria sem medo do desperdício de recursos. Em nossa opinião, esse seria o caso na insuficiência cardíaca, na asma, no tratamento das infecções em geral (especialmente, infecção urinária baixa em mulheres e as de transmissão sexual), pacientes crônicos e terminais em domicílio, em pacientes psicóticos e com problemas mentais graves e na certificação de morte-óbito (especialmente fora do horário de trabalho).
Na Atenção Primária, sempre convém utilizar indicadores gerais, os que se referem às pessoas, não às enfermidades15. Nesse sentido, por exemplo, mais que registrar indicadores sobre insuficiência cardíaca, o importante é contar com dados dos pacientes com insuficiência cardíaca, suas famílias, englobando o processo conjunto de sua atenção. Neste exemplo, é importante diminuir as hospitalizações por insuficiência cardiaca, mas analisando esse objetivo no contexto da situação do paciente, de sua família e da prestação da atenção (visitas a domicilio por diferentes membros da equipe, informes – contra-referenciais dos especialistas, utilização de medicamentos apropriados, capacitação para autocuidado e outros).
A importância de indicadores gerais tem sido destacada pela Dra. Bábara Starfield, citada nos documentos do PMAQ (e em nossa nota 15 do rodapé ).
A atenção primária se caracteriza por considerar a pessoa e sua família, comunidade e contexto cultural. Por isso, seu “produto” não deveria ser medido com indicadores pontuais, salvo algumas exceções16,17,18,19. Ademais, os indicadores deveriam evitar o fomento da Lei dos Cuidados Inversos, devendo ser selecionados segundo seu impacto na saúde dos pacientes, famílias e comunidades20.
No caso dos indicadores do PMAQ bastaria, por exemplo, concatenar (unir) a atenção pré-natal aos nascimentos de crianças com baixo peso ao nascer, ou concatenar (unir) a atenção para os diabéticos com alguma “complicação” da diabetes (por exemplo, hospitalização por hipoglicemia, infarto do miocárdio, cegueira, amputação, diálise), ou ainda medir o tempo de atraso do diagnóstico em tuberculose (desde os primeiros sintomas até o inicio do tratamento)
Tudo que escrevemos nesta carta foi escrito com o devido respeito, tanto científico, onde se tem que decidir com o escasso conhecimento que nos fornece a ciência, quanto político, onde se busca o melhor no que é possível.
Esperamos que esta carta, e os trabalhos prévios, seja apenas uma reflexão que ajuda na mesma direção em que trabalha esse Departamento de Atenção Básica: fortalecer os avanços e corrigir as debilidades da ESF.
Nos despedimos com um abraço, e um pedido de desculpas pelo atrevimento de escrever e enviar esta carta.
Juan Gérvas y Mercedes Péres Fernández
Em Buitrago de Lozoya, Madrid, España.
A 25 de agosto de 2011
1Guanais F, Macinko J. Primary care and avoidable hospitalizations: evidence from Brazil. J Ambulatory Care Manage. 2009;32:115-22.
4 Conill EM. Ensaio histórico-conceitual sobre a atenção primária à saúde: desafios para a reorganização de serviços básicos da Estratégia Saúde da Família em centros urbanos no Brasil. Cad Saude Publica. 2008; 24 Suppl 1:S7-16.
6Lemos N. Leçoes aprendidas. En: Harzheim E y col. Inovando o papel da atençao primária nas redes de atençao à saúde. Navegadorsus (nº 3). Brasilia: OPS-Brasil; 2011. páginas 117.27.http://new.paho.org/bra/apsredes/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=87&Itemid=
8Para una revisión sistemática reciente de los trabajos sobre evaluación de la Atención Primaria en Brasil, ver el trabajo de: Figueiredo A. Avaliação da Atenção Primária à Saúde: análise de concordáncia entre os instrumentos AMQ e PCATool no municipio de Curitiba, Paraná. Porto Alegre; Universidad Federal de Rio Grande; 2011. Dissertaçao de mestrado.
11-texto íntegro final del Informe sobre “Una Atención Primaria fuerte en Brasil. Cómo fortalecer la Estrategia de Salud de Familia en Brasil”, 39.000 palabras, en:
http://www.equipocesca.org/organizacion-de-servicios/una-atencion-primaria-fuerte-en-brasil/
-resumen técnico final, 6.000 palabras, en:
http://www.equipocesca.org/organizacion-de-servicios/una-atencion-primaria-fuerte-en-brasil/
-resumen técnico final, 6.000 palabras, en:
12Política Nacional de Atención Básica. Ministerio da Saúde. Serie Pactos por la Saúde; vol 4. Brasilia: Ministerio da Saúde; 2006.http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/politica_nacional_atencion_primaria.pdf
13 Trindade TG. Associação entre extensão dos atributos de Atenção Primária e qualidade do manejo da Hipertensão Arterial em adultos adscritos à rede de Atenção Primária à Saúde de Porto Alegre. [dissertação de mestrado]. Porto Alegre. UFRGS, 2007.
15Starfield B. The hidden inequity in health care. International Journal for Equity in Health 2011, 10:15.http://www.equityhealthj.com/content/pdf/1475-9276-10-15.pdf
19 Smetana GW, Landon BE, Bindman AB, Burstin H, Davis RB, Tjia J et al. A comparison of outcomes resulting from generalists vs specialist care for a single discrete medical condition. Arch Intern Med. 2007;167:10-20.
20Fleetcroft R, Cookson R. Do the incentive payments in the new NHS contract for primary care reflect likely population health gain? J Health Serv Res. 2006;11:27-31.
Traduzido por de Gabriele Freitas
Revisado por Felipe Cavalcanti
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