Gilson Carvalho[1]
1. Qual avaliação que faz sobre a mudança na carga horária de médicos das equipes do programa de saúde da família?
A realidade deste Brasil é muito diferente de região a região. Se no início do Programa de Saúde da Família em 1994 a carga horária integral era um dogma para garantir o mínimo de consistência no programa, hoje é possível admitir mudanças.
2. Uma das justificativas para a mudança é a dificuldade histórica - e que se mantém, apesar de programas de incentivos - para a fixação de médicos nas equipes. Acredita que a oferta de novas possibilidades de jornada de trabalho pode ajudar a fixar o médico no programa?
Realmente hoje isto é um problema. Não existe uma carreira estável que indique ao médico, como segurança, que possa se dedicar, integralmente, ao programa. Assim é no Brasil. Os profissionais, em geral, querem diversificar sua atividade para não ficarem tão ansiosas diante do advento de medidas indevidas como mudança de prefeito e outras. Não conseguimos ainda – Brasil afora – manter equipes estáveis com Plano de Cargos Carreiras e Salários e o mínimo de estabilidade. Em muitos locais existem médicos que podem e querem fazer horário parcial e não se arriscam a ficar em tempo integral.
3. A dificuldade de fixar o médico, de acordo com gestores, aumentou depois da mudança nas regras do CNES. A nova resolução de fato provocou uma evasão dos médicos que trabalham no programa?
Havia e há ainda muitas inserções indevidas dos profissionais. A evasão, em geral, foi daqueles que estavam com vínculo irregular, em geral em mais de uma equipe. Esta situação sempre será indesejável, a menos que passe a fazer apenas 20 hs em cada equipe o que agora já se torna possível
4. A proposta prevê que a jornada de 20 horas deverá ser temporária. O país tem condições de fiscalizar os prazos, que ainda devem ser fixados?
Esta seria uma proposta transitória que não imagino quando poderia ser revertida para o tempo integral e dedicação exclusiva. O excesso de normas rígidas, muitas indevidas, é uma das características indesejáveis do sistema de saúde brasileiro. Acho que, na prática, não existirá prazo e se existisse seria quase impossível controlá-lo em 5564 municípios.
5. A proposta prevê três possibilidades para a jornada de trabalho de médicos, além daquela que prevê as 40 horas semanais. Dois médicos que trabalham 20 horas semanais numa equipe, 2 médicos que trabalham 30 horas semanais numa equipe, 3 médicos que trabalham 30 horas semanais em duas equipes. Essa variedade de formatos é benéfica?
Acho extremamente benéficas possibilitando que equipes sem médicos passem a contar com eles. Acho que só agrega oportunidades. Faz sentido e lógica.
6. Quando foi lançado, um dos destaques do programa saúde da família era a proximidade que o médico teria com a população atendida. As 40 horas semanais eram apontadas como um dos fatores que favoreceriam essa relação. A redução na jornada de trabalho dificulta esse vínculo? E no caso de o médico trabalhar em duas equipes, o vínculo é possível?
Alguns paradigmas rígidos de 17 anos atrás, devem ser quebrados. A vinculação de clientela é possível com um ou mais profissionais. Lembro que outros países já têm seus profissionais em tempo parcial e outros pretendem adotá-lo. Quando trabalhar em duas equipes o ideal é que divida estas equipes com outro colega com 20 hs o que equivale dividir também a clientela, daí ser uma realidade transitória o fato de ficar sozinho na equipe e com carga de apenas 20 hs.
7. A mudança na carga horária desvirtua o programa saúde da família?
Tenho certeza que não. Minha visão do PSF é que ele deva significar a mudança do modelo e jeito de fazer saúde. Isto é possível com dois ou três profissionais. Ser o único profissional da equipe e ficar apenas 20hs seria a pior situação e que considero indesejável e o que levou a denominar esta equipe de transitória. Esta situação não ideal seria tolerável pelo princípio “dos males o menor”. O que seria pior para a população: não ter nenhum médico ou pelo menos ter um em tempo parcial?
8. A mudança na jornada de trabalho dos médicos pode abrir precedente para que o mesmo ocorra com outras categorias profissionais que também trabalham na equipe?
Não vejo inconveniente que outros profissionais possam ter esta opção. Entretanto, quanto aos outros profissionais tenho certeza que terão maior facilidade de contrato de dois na mesma equipe.
9. A mudança proposta pode influenciar na qualidade do atendimento?
Não acredito que a qualidade do atendimento esteja ligada à carga horária. A qualidade do atendimento depende muito mais de outras variáveis como o compromisso e dedicação dos profissionais, dos gestores e outros.
10. Por que é tão difícil fixar médico no programa saúde da família? As medidas de incentivo adotadas até agora foram acertadas?
Queiramos ou não, ainda que o SUS seja uma proposta socialista avançada, vivemos numa economia capitalista com grande dependência da economia de mercado. Existem muitas variáveis levando a esta dificuldade de fixar médico de família: 1) temos dificuldade de ter médicos de perfil generalista, o que é de altíssima complexidade de conhecimento técnico e já não são formados neste mister; 2) a remuneração não é compatível com o mercado e não existem outros atrativos que pudessem compensar esta variável.
11. A mudança também é citada como a única forma para que o programa da saúde da família consiga se expandir para todo o país. O senhor acredita que essa mudança pode favorecer a criação de novas equipes?
Não pode ser imaginado como o único fator, mas um dos possíveis fatores que podem determiná-lo. Tenho expectativa de que favoreça a criação de novas equipes.
12. A expansão do programa é justificativa suficiente para as mudanças propostas na reunião tripartite?
Não se trata de expansão. Trata-se de como manter o programa no atual tamanho. Caso continue sem profissionais médicos de família a tendência é pior. É de encolhimento do programa.
13. A mudança da jornada de trabalho pode provocar também uma mudança na remuneração? Qual será o critério? Um profissional que cumpre 20 horas semanais ganha metade do que aquele que cumpre 40 horas?
Não se trata disto. O Ministério da Saúde, em sua portaria, estabelece percentuais da atual transferência financeira: 100% dos valores atuais para as equipes que tenham médico único 40 hs ou dois médicos de 30 hs; 3 médicos de 30 hs (2 equipes); 4 médicos de 30 hs (3 equipes). As equipes com 2 médicos de 20 hs receberão 85% do valor básico da equipe. As equipes com 1 médico de 20hs receberá apenas 65% do valor de uma equipe. Portanto, nenhum ganho financeiro por equipe, apenas chance de ter carga horária diferenciada.
Estes valores são aqueles transferidos pelo Ministério da Saúde ao município e não implicam em valores de remuneração do profissional médico. Hoje a totalidade dos médicos do PSF recebe remuneração bem acima dos valores transferidos pelo Ministério da Saúde. Minha avaliação é de que os salários devam ser exatamente proporcionais à carga horária. O que não impede que se tenha algum tipo de gratificação por dedicação em tempo integral.
[1] Gilson Carvalho - Médico Pediatra e de Saúde Pública - carvalhogilson@uol.com.br- o autor adota a política do copyleft podendo este texto ser multiplicado, editado, distribuído independente de autorização do autor - Textos disponíveis www.idisa.org.br
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