Alceu Bestel morreu na semana passada de infarto, aos 60 anos. Há 39, chefiava a cozinha do tradicional Bar Palácio. Era irmão de Sebastião Bestel, garçom do mesmo restaurante, com um pouco menos de tempo de casa. Alceu passou parte da vida incógnito preparando os famosos Churrasco Paranaense, Fillet à Griset e outros pratos para gerações de curitibanos. Primeiro, na Barão do Rio Branco; depois, na André de Barros.
Mas o mais triste é saber que sua morte poderia ter sido evitada se a saúde pública brasileira fosse mais eficiente. Durante três dias Alceu sentiu dor no braço esquerdo. Levado pelo irmão a um posto de saúde da prefeitura, foi medicado, mas o médico que o atendeu pediu uma série de exames, que foram marcados pelo SUS para janeiro de 2012. Alceu não tinha plano de saúde. Só de viver mais alguns anos.
Coluna do Reinaldo Bessa, Gazeta do Povo, 17/08/2011.
A nota acima foi publicada em coluna jornalística prestigiada pelo "grand monde". Daquelas que noticiam festinhas de quinze anos, vernissages e inauguração de loja chique no shopping.
Não fosse o Alceu figura de destaque na gastronomia curitibana, o assunto não teria merecido uma só linha, nem despertaria o menor interesse da turma das SUVs 4×4 que roda nas cercanias da Pracinha do Batel.
Afinal, a turma da manada dos 4×4 tem plano de saúde, frequenta clinicas luxuosas, tem outras preocupações mais urgentes, como a eleição no Clube Curitibano, o cardápio no Bar do Golfe do Graciosa e a cotação do dólar.
No entanto, o drama do Alceu não é fato isolado. Na Curitiba "da família" ('das famiglias'?) esta tem sido a regra. A propaganda oficial 'mostra' a excelência de um sistema de saúde modelo… mas tem que caprichar no 'photoshop'!
Os Alceus, os Sebastiãos, as Marias, as Zeferinas – cidadãos 'sem SUV' – são atendidosem Unidades Básicase Centros Municipais de Urgências construídos, reformados ou ampliados no século XXI… mas que funcionam com o modelo de atenção da primeira metade do século XX.
Apenas 36% da população curitibana está cadastrada pela Estratégia de Saúde da Família. A grande maioria dos usuários é atendida com base na "demanda", na hora do episódio agudo, sem políticas efetivas de prevenção. A média mensal de visitas dos agentes comunitários de saúde por família é de 0,08 (!!!). (O ideal seria que cada família fosse visitada ao menos uma vez a cada dois meses…)
Consultas de especialidades e exames complementares demoram meses. A lista de espera não é divulgada. Hospitais correm a atender procedimentos de alta complexidade, porém o cidadão que necessite de coisas mais simples (como operar uma hérnia ou realizar uma endoscopia) enfrenta as maiores dificuldades.
É absolutamente necessário rediscutir o modelo de atenção à saúde adotado em nossa cidade. Deixar de lado carimbos, rótulos e 'grifes', para trabalhar com base real nas demandas da comunidade. Antecipar-se aos problemas, radicalizar no modelo da Estratégia de Saúde da Família (ESF) – busca ativa e acompanhamento dos pacientes do diabetes, hipertensão, câncer de mama, colo de útero, próstata; realizar atividades de promoção da saúde; ampliar a atenção em saúde mental e a atenção aos adolescentes; entre outros.
Em resumo: nenhum "Alceu" passará 39 anos de sua vida trabalhando de madrugada na cozinha de um restaurante sem que a sociedade lhe retribua com o adequado acolhimento e atenção de sua saúde.
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