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sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Parlamentares dizem que Emenda 29 não irá resolver o problema da saúde



A poucos dias da votação da regulamentação da Emenda Constitucional 29 (EC 29), que deve ir a plenário na quarta-feira, há ao menos um ponto de consenso entre os líderes parlamentares: o texto aprovado na Câmara não irá resolver o problema de insuficiência de investimentos na saúde. Ao contrário, se permanecer como está, poderá retirar recursos da área.

Isso porque o projeto de lei complementar (PLC) que regulamenta a Emenda 29, aprovado no Senado e enviado à Câmara em 2008, recebeu um substitutivo do deputado Pepe Vargas (PT-RS) que retira os recursos do Fundo de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) da base de cálculo do percentual a ser aplicado pelos estados em saúde. A exclusão do Fundeb foi uma condição imposta pelo governador do Ceará, Cid Gomes (PSB), para que seu partido apoiasse a aprovação do texto.

Hoje, o Fundeb totaliza cerca de R$ 58 bilhões entre todos os estados. Com a retirada desse valor da base de cálculo dos gastos dos governadores, seriam cerca de R$ 7 bilhões a menos para serem investidos em saúde — a Emenda 29 estipula um gasto mínimo de 12% da arrecadação dos estados em saúde. 

Para os parlamentares, a saída será retirar o artigo incluído por Pepe Vargas na votação do Senado. “Já temos um acordo para excluir esse dispositivo. Se conseguirmos, mudamos a situação atual e teremos mais investimentos em saúde”, aponta o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP).

Ilusão
O deputado Marcus Pestana (PSDB-MG), ex-secretário de Saúde do governo Aécio Neves por sete anos, expõe sua preocupação com o assunto. “As pessoas estão iludidas, pois foi gerada uma falsa expectativa de que a Emenda 29 iria resolver todos os problemas da saúde, quando, na verdade, é apenas o primeiro passo de uma longa caminhada”, diz. Ele explica que, para que se inicie um processo de melhora do sistema da saúde pública, seria necessário dobrar os investimentos atuais. Hoje, o gasto da União, dos estados e dos municípios no setor é de cerca de R$ 150 bilhões.

As fontes de financiamento vêm sendo discutidas nos últimos dias e há diversas propostas nesse sentido. Recentemente, o Palácio do Planalto desistiu de defender a criação de um imposto e a retirada da Contribuição Social para a Saúde (CSS) do texto da Emenda 29 é dada como certa. Mas há sugestões de aumento de impostos em outros setores, como o que incide sobre bebidas alcoólicas, tabaco e o seguro obrigatório de veículos (Dpvat). Dados levantados por parlamentares governistas estimam que, com esses três passos, seria possível arrecadar até R$ 12 bilhões a mais. Outra fonte viria dos royalties do pré-sal. 

Marcus Pestana defende um rearranjo fiscal como forma de direcionar mais dinheiro para a saúde, sem que seja necessário um aumento da carga tributária, que hoje já chega a quase 40%. Ele cita o montante destinado a grandes empresas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) — que, nos últimos três anos, somou cerca de R$ 370 bilhões — como um dinheiro que poderia ter um destino melhor. Os juros pagos a credores internacionais, que somam cerca de R$ 200 bilhões anuais, também são vistos como um desperdício pelo deputado. “É uma questão de prioridades. Há espaço fiscal para melhorar substantivamente os gastos com saúde”, aponta.

Vizinhos
Dados do Banco Mundial sobre gastos com saúde indicam que o Brasil investe menos na área que seus vizinhos Argentina, Uruguai e Chile (veja quadro). O gasto total em termos de percentual do PIB com saúde está alinhado ao dos países desenvolvidos, mas, quando se analisa o investimento público, a posição do Brasil despenca. O perfil indica que, ao contrário da maioria desses países, os gastos no Brasil são, majoritariamente, privados — cerca de 54,3%. O Chile, país que herdou um modelo econômico mais liberal de seu governo militar, apresenta hoje gastos públicos de 46,8% do PIB, mais de um ponto percentual acima do Brasil. 

Os investimentos brasileiros se assemelham a países de menor peso no cenário econômico mundial, como Letônia, Bulgária e Turquia, o que, para Pestana, confirma a tese de que há um longo caminho a trilhar para que a saúde no país alcance melhores patamares.

Diagnóstico internacional
Veja quanto alguns países gastam* com saúde por habitante. O cálculo soma os dispêndios públicos e privados

Estados Unidos - US$ 7.410
Canadá - US$ 4.196
Austrália - US$ 3.382
Espanha - US$ 3.150
Itália - US$ 3.027
Portugal - US$ 2.704
Argentina - US$ 1.235
Chile - US$ 1.172
Uruguai - US$ 979
Brasil - US$ 943

Total de gastos* públicos com saúde (em relação ao total de gastos com saúde)
Itália - US$ 2.339 (77,3%)
Espanha - US$ 2.271 (72,1%)
Portugal - US$ 1.890 (69,9%)
Canadá - US$ 2.882,6 (68,7%)
Argentina - US$ 820 (66,4%)
Austrália - US$ 2.211,8 (65,4%)
Uruguai - US$ 617,7 (63,1%)
Estados Unidos - US$ 3.601 (48,6%)
Chile - US$ 548,4 (46,8%)
Brasil - US$ 430,9 (45,7%)

Percentual do PIB do total de gastos* com saúde (público e privado)
Estados Unidos - 16,2% 
Portugal - 11,3%
Canadá - 10,9%
Argentina - 9,5%
Itália - 9,5%
Espanha - 9,7%
Brasil** - 9%
Austrália - 8,5%
Chile - 8,2%
Uruguai - 7,4%

*Dados em dólares, usando as taxas de paridade de poder de compra de 2005

Fonte: Banco Mundial

**Segundo dados do Ministério da Saúde, os gastos da União com saúde em 2007 corresponderam a 3,3% do PIB

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