Sob um forte esquema de segurança, que contou até mesmo com o reforço de policiais do Batalhão de Choque, a Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) aprovou ontem por 50 votos a 12 o projeto do governo que autoriza a contratação de organizações sociais (OS) para gerir unidades de saúde. Durante toda a tarde, centenas de manifestantes contrários à medida tentaram entrar no Palácio Tiradentes para acompanhar a votação, mas foram impedidos por seguranças e PMs, que chegaram a usar sprays de pimenta para dispersar a multidão. Funcionários da Casa e parlamentares, que acabaram no meio da confusão, foram agredidos com ovos lançados por alguns manifestantes. Apesar da maioria favorável à proposta, parte das bancadas do PT e do PDT, partidos que integram a base do governo, votou contra o projeto. A medida recebeu 307 emendas, mas apenas 27 foram aceitas.
Com a nova lei, o governo passa a contar com mais uma forma de contratação de profissionais de saúde - por concurso público, cooperativas, fundações e CLT, no caso da gestão compartilhada das unidades. A proposta das OS aprovada ontem, contudo, permite ainda que o governo estabeleça metas para as organizações, o que, na avaliação da Secretaria de Saúde, vai agilizar e melhorar a prestação de serviço à população.
As organizações sociais já são utilizadas em parcerias com o poder público em outros estados. Um dos exemplos é São Paulo. Segundo dados divulgados recentemente pela prefeitura da capital paulista, 5,2 milhões de pessoas (cerca de 50% da população) são atendidas em 310 unidades públicas de saúde administradas por OS.
OS terão metas de desempenho
A principal crítica dos deputados do Rio ao projeto das OS é uma possível privatização da saúde, já que as entidades são organizações privadas. O secretário estadual de Saúde, Sérgio Côrtes, defendeu a aprovação da proposta e disse que a saúde continuará tendo caráter público:
- As OS não privatizam a saúde, que continua 100% pública. Com elas, a gente ganha eficiência, vai ter maior satisfação dos usuários, que não querem saber se o funcionário é estatutário ou celetista. A população quer bom atendimento. Com as OS, os profissionais têm meta de desempenho. As OS podem ser premiadas ou punidas, caso atinjam nível de satisfação abaixo da meta.
Até a aprovação do projeto das OS, o clima esquentou tanto dentro quanto fora da Alerj. Estudantes, profissionais de saúde e bombeiros, que estão acampados na porta da assembleia, protestaram contra a medida. Como havia um número limitado de senhas distribuídas para quem queria assistir das galerias à votação, muitos manifestantes não tiveram autorização para entrar, o que ajudou a aumentar a tensão entre manifestantes e policiais militares. O deputado André Lazaroni (PMDB) foi atingido por um ovo. Com as portas fechadas, muitos servidores da Alerj ficaram impedidos de sair da Casa. Outros deputados, por sua vez, tiveram dificuldades para chegar na hora da votação.
Em nota, a presidência da Alerj informou que, por conta da "iminência de uma invasão", teve que convocar o Batalhão de Choque para garantir a segurança dos funcionários e do patrimônio público. "Mesmo com a presença de policiais, deputados e deputadas foram agredidos quando tentavam entrar no prédio", diz a nota.
No plenário, deputados de oposição se revezaram no microfone com criticas à proposta do governo. Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB) disse que o texto não deixa claro como será a contratação das OS. Para ele, o governo deveria aprimorar os sistemas em vigor, antes de sugerir um novo modelo:
- Não está claro também se haverá licitação para a contratação das OS. O governo apresentou essa proposta porque não teve competência para aprimorar os sistemas de contratação que já existem.
Marcelo Freixo (PSOL) classificou como "lamentável" a aprovação do projeto. Na opinião do deputado, a medida do governo transfere para a iniciativa privada a gestão da saúde. Ele criticou também a incapacidade da Alerj de fiscalizar a aplicação de recursos na área da saúde:
- A secretaria está diariamente nas páginas policiais e nós vamos passar para esse órgão o poder de negociar com a iniciativa privada como será a gestão desse serviço? É lamentável. Infelizmente, a Alerj não aprova os pedidos de CPI para investigar a aplicação de recursos na saúde.
Do lado de fora do Alerj, Maria Inês Souza Bravo, coordenadora do Fórum de Saúde do Rio e professora de serviço social da Uerj, afirmou que policiais agrediram estudantes. Ela disse que os profissionais de saúde são contra a contratação das OS porque elas privatizam a saúde e prejudicam os usuários do SUS:
- Fecharam as portas da Alerj à população. A assembleia é uma casa do povo e estava discutindo uma proposta de interesse da população. Somos contra as OS porque elas privatizam a saúde, reduzem os leitos e prejudicam os usuários do SUS, na medida em que também dificultam o controle da sociedade sobre a sua atuação.
Clara Fonseca, diretora do Sindicato dos Trabalhadores Federais em Saúde e Previdência (Sindsprev) e presidente da Associação dos Funcionários do Hospital Estadual Rocha Faria, criticou a gestão dos hospitais pelas organizações sociais:
- A entrada das organizações sociais é o extermínio do servidor público, que não terá mais contrato, prejudicando o nível profissional. E a população vai sofrer as consequências.
O líder do governo, deputado André Corrêa (PPS), explicou que a proposta das OS mantém o atendimento pelo SUS. Segundo ele, o estado também se comprometeu a manter as garantias dos servidores que não optarem por migrar para as OS:
- A proposta dará maior celeridade ao governo numa área que é fundamental, mas que o setor público não conta com a agilidade de que precisa. Garantimos também que haverá licitação para a contratação das OS.
A votação da medida do governo deixou em situação delicada parlamentares do PT. A líder do partido na Alerj, deputada Inês Pandeló, e Gilberto Palmares votaram contra a proposta. Desde 1998, o PT move uma ação de inconstitucionalidade contra uma proposta do governo de São Paulo de contratar OS. A ação ainda tramita no Supremo Tribunal Federal.
- No Rio, o diretório era contra a proposta das OS, mas decidiu liberar a bancada na semana passada. Decidi votar contra para manter uma posição que o partido tomou há muitos anos ao recorrer à Justiça contra uma proposta semelhante - disse Inês.
No PDT, a deputada Cidinha Campos, que foi favorável à medida, travou uma intenso debate com o seu colega, deputado Paulo Ramos, que foi contra a proposta. O deputado Wagner Montes (PDT) também foi contrário às OS.
Após a aprovação da proposta, cerca de 150 bombeiros, que apoiaram a manifestação dos profissionais de saúde, saíram em passeata até a porta do Palácio Guanabara. Eles fecharam parte da Rua Pinheiro Machado, em Laranjeiras, no sentido Botafogo. Sem conseguir uma reunião com o governador Sérgio Cabral, os bombeiros protestaram ajoelhados na porta do palácio.
COLABORARAM Maria Elisa Alves e Isabela Bastos
oglobo.com.br/rio
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