Câmara conclui votação de projeto que disciplina gastos estatais em saúde e rejeita imposto que cobriria parte da carência de R$ 45 bi. Tributo foi aprovado, mas 355 deputados tornaram cobrança impossível ao excluir base de cálculo. Ouvidos, governadores omitiram-se. Texto volta ao Senado. 'A partir de agora, senadores, o abacaxi passa para suas mãos', diz líder do PMDB.
André Barrocal na Carta Maior
BRASÍLIA – Os deputados concluíram nesta quarta-feira (21) a votação de projeto que disciplina o gasto mínimo em saúde pelo Estado brasileiro. Três anos e meio depois, faltava decidir sobre um ponto específico, a criação de um imposto para financiar o setor. Sem ânimo político para bancar a nova tributação, a Câmara rejeitou-a por 355 votos a 76. E devolveu ao Senado, que acabou com a CPMF, o 'abacaxi' de achar uma solução que ao menos minimize a carência de R$ 45 bilhões do Sistema Único de Saúde (SUS).
O resultado da votação era conhecido desde a véspera, quando o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), dizia abertamente “não haver clima” entre os deputados para criar imposto.
Mesmo assim, antes da sessão, Maia e líderes partidários ainda almoçaram com 14 governadores, para tomar o pulso. Haveria, nos estados, disposição para defender a Contribuição Social da Saúde (CSS)?
Em caso de resposta positiva, os deputados talvez pudessem se arriscar perante a opinião pública e defender a CSS, argumentando que o faziam a pedido dos governadores, passando adiante eventual desgaste político.
“Os governadores não fizeram pressão. Só quatro ou cinco defenderam a contribuição”, relatou o coordenador da Frente Parlamentar da Saúde, deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS).
Sem ter com quem dividir responsabilidades, o plenário da Câmara cumpriu o esperado. De todos os onze líderes de partidos ou blocos, só um, o petista Paulo Teixeira (SP), pregou voto pró-CSS. “Não podemos nos acovardar em dar saúde para o povo brasileiro”, disse.
Os demais líderes - mesmo reconhecendo que, por falta de dinheiro, o SUS está distante do que foi concebido na Constituição - foram unânimes em orientar os correligionários a boicotar o novo tributo, que renderia de R$ 10 bilhões a R$ 15 bilhões por ano e cobriria no máximo um terço da carência financeira do SUS estimada pelo ministério da Saúde.
“Governar é escolher e priorizar, sem mandar a conta para o bolso do contribuinte”, afirmou o líder tucano, Duarte Nogueira (SP), para quem o governo federal deve se virar com a verba que já tem.
'Abacaxi' no Senado
Mais do que concluir a votação do projeto, o que a Câmara fez foi “tirar um peso das costas” e jogá-lo para o Senado”, na descrição de uma autoridade diretamente envolvida nas negociações.
O projeto foi apresentado em março de 2007, pelo ex-senador e médico Tião Viana (PT-AC), mas só andou depois que o Senado acabou com a CPMF, em dezembro daquele ano. No início de 2008, a proposta era aprovada e enviada à Câmara.
O avanço acelerado foi uma espécie de mea culpa dos senadores por terem retirado cerca de R$ 20 bilhões por ano da saúde - da alíquota de 0,38%, 0,20% eram carimbados para o setor.
Para os senadores de então, uma forma de preencher a lacuna financeira deixada pela extinção da CPMF seria impor uma cota de 10% de todas as receitas federais para a saúde. Essa vinculação agregaria hoje cerca de R$ 30 bilhões anuais ao SUS, nas contas de deputados adversários do governo.
A imposição da cota causaria, porém, problemas à presidenta Dilma Rousseff, que se veria obrigada a dizer quem, dentre os demais 36 ministérios, teria de abrir mão de verba. Daí que o governo prefere arranjar dinheiro para a saúde fora do orçamento, ou seja, com taxação maior, como Dilma vem defendendo.
Por ser, no entendimento de deputados, duplamente responsável pela imbróglio na saúde, caberia ao Senado providenciar uma solução. O sentimento da Câmara foi clara e ironicamente exposto pelo líder do PMDB na Casa, Henrique Alves (RN).
“Foi o Senado Federal quem derrubou a CPMF e que aprovou a regulamentação da emenda 29. Que o Senado crie, debata, discuta, proponha, aprove e mande para cá [uma solução], para que nós a examinemos”, disse Alves. “A partir de agora, senhoras e senhores ilustres senadores, o abacaxi passa para suas mãos.”
E o que fará o Senado? “Nesse momento de crise econômica, de desonerações, não há clima para criar imposto”, disse o líder do PT na Casa e ex-ministro da Saúde, Humberto Costa (PE). “Mas nós vamos ter de enfrentar o subfinanciamento, estudar algumas alternativas já colocadas, como aumento da taxação de cigarros e bebidas”.
Ao receber o projeto de volta, o Senado terá de decidir entre três opções.
A primeira é ignorar o que fez a Câmara e recuperar o texto original de Tião Viana, que vincula 10% do orçamento federal para a saúde. E isso o governo federal não topa.
A segunda é aceitar o texto aprovado na Câmara, que não tem a vinculação orçamentária para a saúde e conta com uma CSS sem base de cálculo - foi assim, excluindo a base de incidência, que os deputados barraram o novo imposto, impossível de ser cobrado. Nesse caso, o valor do projeto estaria em definir claramente o que é "despesa em saúde", o que ajudaria estados e municípios a cumprir as cotas de investimento que já possuem (12% e 15%, respectivamente),
A terceira: preparar mais um projeto de lei, resolvendo o problema do financiamento da saúde com uma solução do tipo "aumento da taxação de bebidas e cigarros".
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