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segunda-feira, 31 de outubro de 2011

A saúde está obesa

LUIZ FELIPE CONDE e CARLOS OLIVEIRA no Globão

Alguns dos recentes fatos amplamente anunciados pela mídia apontam a necessidade de redefinições na área da saúde. O tema é complexo, envolvendo desde questões religiosas e filosóficas até questões políticas, especialmente, no campo da moral e da ética. A esta bagagem histórica, somam-se novos elementos que têm de ser repensados.

Já há algumas décadas, pesquisadores apontam que a saúde tornou-se um campo de investimento privilegiado para o capital, com alta taxa de retorno. Assim, hoje, são orgânicas as relações entre, de um lado, bancos e bolsa de valores e, de outro, indústrias farmacêuticas e médicas. A este conjunto, agregam-se o seguro social privado e o estatal, uma vez que este também utiliza os insumos de tais indústrias, especialmente, na assistência médica.

Um exemplo concreto pode ser buscado nas discussões travadas nas últimas semanas nos Estados Unidos, em meio a uma proposta de reforma na Saúde acerca dos benefícios dos testes de detecção precoce de câncer de próstata e dos exames de mamografia. Embora não tenham produzido consenso, tais discussões trouxeram à tona a questão do excesso de cuidado à saúde como causa do aumento em espiral dos custos da assistência médica.

Tal excesso pode ir desde exames sofisticados até os mais simples. O fenômeno também pode ser observado no Brasil, como afirmam os planos de saúde, que, onerados pelo excesso de pedidos, passaram a fazer estatísticas de exames deixados nos laboratórios sem que os pacientes jamais voltem para pegá-los e atestaram seu grande número. Cabe observar que isso se verifica tanto no setor público quanto no privado e, em ambos, se traduz em investimento de recursos financeiros e humanos sem nenhuma contrapartida positiva para a população assistida.

Nos Estados Unidos, um número crescente de estudos apontou que 30% dos gastos com pacientes são desnecessários e, às vezes, danosos. Assim, profissionais envolvidos na elaboração das políticas públicas e seguradoras passaram a abordar o problema do excesso de uso do sistema como um plano de redução de calorias para perder peso, argumentando que é necessário eliminar o excesso para tornar mais leve o corpulento sistema de assistência à saúde.

Foi neste sentido que algumas seguradoras americanas começaram a pagar sessões de ginástica e aconselhamento alimentar a seus segurados. Estimam que tal operação seja autofinanciável, pois pesquisas indicam que uma diminuição de 5% do peso corporal corresponde a 60% menos chances de um pré-diabético vir a desenvolver a doença. Apenas para que se possa dimensionar corretamente a questão do diabetes tipo II nos EUA, entre diabéticos e pré-diabéticos, calcula-se que haja cerca de 100 milhões de pessoas, gerando um custo de tratamento que excede US$200 bilhões por ano.

A criação de academias de ginástica é uma ideia simples que consegue equacionar a lucratividade de empresas do ramo do seguro saúde privado e o bem-estar dos segurados. A solução também é passível de ser importada para o setor público e, no Brasil, já está sendo implementada - ainda que de forma lenta, devido a problemas políticos e administrativos - pelo Ministério da Saúde em convênio com prefeituras de algumas cidades.

Outros exemplos - que envolvem a Lei de Patentes; a publicidade e a venda de medicamentos pela internet; desenvolvimento de tecnologia nacional na área da indústria médica e da indústria farmacêutica com parcerias público-privadas - fazem pensar que o sistema de saúde não está necessariamente em colisão com os pacientes, nem muito menos com a realidade econômica. Antes, faz parte dela com todas as suas contradições e possibilidades.

O futuro do sistema de saúde não está determinado, porém, de fato, esta não é a questão. Cabe mencionar que, hoje, o futuro do sistema econômico, ao qual o sistema de saúde está atrelado, é uma incógnita.

Em um mundo em crise, é preciso antes de tudo criatividade. Melhorar o valor do dinheiro gasto tornou-se clichê, a questão hoje é melhorar o valor do sistema sem gastar dinheiro algum e ainda expandir o campo de investimento.

LUIZ FELIPE CONDE é advogado.

CARLOS OLIVEIRA é médico.

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