AMIR ATTARAN (*) no Globão
Se você tem mais de 40 anos de idade, deve se considerar sortudo, porque historicamente você deveria estar morto. Há apenas dois séculos, e por milênios antes disso, a expectativa de vida era a metade de hoje em dia. Devemos agradecer as ciências da medicina e da saúde pública, além da gestão legal e econômica das sociedades liberais modernas, por esta duplicação de nossas vidas.
Porém a medicina e a saúde pública já atingiram um patamar avançado, em que a expectativa de vida aumenta mais devagar, com custos mais altos. Já que as pessoas vivem mais, opções de estilos de vida (dieta, exercício físico) ajudam a evitar obesidade, doenças cardiovasculares, diabetes e câncer. Em uma população que está envelhecendo, cada vez mais uma vida longa não é uma vida saudável.
Estas transformações requerem uma reavaliação dos métodos atuais - devemos nos perguntar agora como a gestão pública das sociedades pode prevenir a doença. Bem antes de 2050, quando o brasileiro típico será uma mulher acima dos 80, a sociedade precisará se reorganizar para assegurar que estas pessoas tenham uma vida saudável. Isto quer dizer que a gestão das sociedades modernas, que antes melhorava as nossas vidas, agora precisa se adaptar para não destruir nossa saúde.
Esta semana acontece no Rio a Conferência Mundial sobre Determinantes Sociais da Saúde, da Organização Mundial de Saúde (OMS). Este é um evento muito importante: é o primeiro do seu tipo. Apropriadamente a agenda do evento prioriza a gestão pública, em vez da ciência ou da medicina. Governos precisam ser persuadidos que a saúde é um bom motivo para o uso dos controles de leis e impostos - controles que todos os governos possuem para direcionar a sociedade de forma justa e não tiranicamente - tanto para melhorar a saúde de todos como para diminuir as diferenças entre a saúde dos poderosos e dos fracos.
Nem todos os governos acatam esta versão do liberalismo, e, pior, muitos usam estes controles para destruir a saúde pública. Governos aprovam leis de subsídios agrícolas para fast food (portanto, um hambúrguer gorduroso e um biscoito doce são baratos), mas não subsídios agrícolas para slow food (portanto, comida caseira e frutas são caras). Ou governos investem em rodovias para bairros distantes onde as pessoas relativamente ricas têm que dirigir, em vez de aprimorar os centros urbanos onde todos nós possamos caminhar com segurança. Não é fácil definir os bens e serviços que merecem regulamentação e impostos, mas, com uma gestão pública assim, é de surpreender que mais e mais pessoas sofrem com a obesidade e a hipertensão?
Como professor e pesquisador nas áreas de ciência e direito, o que me preocupa é que a influência insuperável dos governos na saúde da população está sendo ignorada - por ser apreciada por poucos, ou temida por muitos. Em muitos países, até os mais ricos com sistema de saúde universal como a Grã-Bretanha, muitas vezes menos de 10 quilômetros separam bairros em que por questões sociais e econômicas a expectativa de vida diverge em 10-20 anos (no Rio, 12-8 anos). Mesmo assim, governos ainda evitam o uso dos controles de leis e impostos. Até a OMS, que deveria promover o tema, evitou a menção de "leis" ou "impostos" na agenda oficial. Em vez disso, a agenda divulga objetivos indefinidos como "Promovendo a participação e liderança da comunidade" - uma ironia porque, na sede da OMS em Genebra, nem as ONGs reconhecidas oficialmente pela organização têm acesso à participação nos grupos de trabalho. Nem a OMS oferece um bom exemplo didático.
O Brasil tem muitos problemas sociais, mas está se empenhando e muitas vezes oferece exemplos melhores do que os países mais "avançados". Recentemente na revista britânica "The Lancet", nossa equipe de pesquisa identificou leis brasileiras que possibilitam a licitação de equipamentos médicos menos dispendiosos - uma iniciativa inexistente no meu país, Canadá. Uma gestão pública melhor significa que no Brasil serviços sociais estão aumentando e a desigualdade social está diminuindo, enquanto no Canadá ocorre o oposto. Não é apenas simbólico que o vice-presidente e dois ministros de Estado brasileiros comparecerão à conferência da OMS, enquanto o Canadá não enviou nenhum ministro para o Rio, mas apenas burocratas sem autoridade.
(*) AMIR ATTARAN é professor e pesquisador nas áreas de Direito, Saúde Pública e Políticas de Desenvolvimento Internacional na Universidade de Ottawa.
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