Fátima OliveiraMédica - fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_
Crack causa danos que extrapolam as esferas pessoal e familiar
O governo federal anunciou a vontade política de elaborar e implantar, em âmbito nacional, uma proposta específica, multi e transdisciplinar para a abordagem da drogadização por crack.
Enquanto ela não chega, doentes e familiares continuam desamparados. Quando uma família em risco de vida dupla face (doente e família) solicita ordem judicial para internação compulsória portando indicação médica, o juiz, em geral, nega, sem se dar ao trabalho de ouvir a família e/ou quem indicou! Não é apenas descaso, mas abuso!
Não há serviços públicos de saúde especializados, na quantidade necessária, para absorver a demanda voluntária e involuntária, seja ambulatorial ou hospitalar. Uma indicação de internação pode não se concretizar por falta de vagas.
Via de regra, as "comunidades terapêuticas" que adotam o regime de internação não admitem usuário de drogas portador de "doença mental" e, de praxe, exigem um laudo psiquiátrico (sim, psiquiátrico!) de sanidade mental, alegando que "não trabalham" com quem precisa de psiquiatra! Deu para entender? Não dá!
Disse, apropriadamente, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, que a principal motivação do governo é a convicção de que o vício em crack no Brasil é uma epidemia que causa danos que extrapolam as esferas pessoal e familiar. Compreendi que o governo está convencido, o que é louvável, de que o adoecer por consumo de crack impõe mazelas para além da saúde mental, logo, a abordagem terapêutica é indispensável, embora ela sozinha não abarque todas as nuances do "adoecer" por crack.
O enunciado geral da política, "vamos enfrentar o crack", não é polêmico. O que tem dado panos para as mangas é a inclusão da internação compulsória da pessoa viciada, com indicação médica de internação (indicar internação é prerrogativa médica) na fase aguda para desintoxicação e para tratamento prolongado.
Por que na
drogadização a pessoa
enferma não tem direito à internação
quando indicada?
Não é assim para
as outras doenças?
A internação compulsória de pessoas com a sanidade mental comprometida por doenças de causas endógenas e exógenas (em especial, uso de drogas) se justifica para interromper e reduzir danos, com vistas a recuperar a saúde, mas também, siamesamente, para proteger vidas, ao garantir a segurança dupla face (doente e família). É a violência o sintoma principal que leva a família a assumir a impotência de lidar sozinha, no campo do privado, com a drogadização.
Se a medicina tipificou a drogadização, em seus diferentes tipos e formas, como doença - e é uma doença, exaustivamente comprovada -, como toda doença, segundo o estágio da evolução no momento da consulta médica, a terapêutica indicada pode ser ministrada na urgência, no ambulatório e em regime de internação, com abordagem multiprofissional.
Não é assim para as outras doenças? Por que na drogadização a pessoa enferma não tem direito à internação quando indicada? E por qual motivo ela não pode ser compulsória se a pessoa enferma está com a autonomia diminuída e sem condições de sanidade mental de decidir sobre o que é melhor para a sua saúde?
Só quem nunca se viu obrigado a conviver e/ou acompanhou o cotidiano de uma família na lida com pessoas em estado crônico e permanente de drogadização pode ter a insensatez e a falta de piedade (é o termo mais apropriado) de dizer que não há situações que justifiquem a internação compulsória.
Como disse uma mãe que entrou na marra no gabinete do juiz interpelando-o por ter negado ordem para internar a filha: "Doutor, estou entendendo que o senhor vai levá-la para sua casa, não é?". Conseguiu.
Publicado no Jornal OTEMPO em 22.11.2011
[Noite estrelada, Van Gogh (1889)]
"Quero expressar a esperança por meio de alguma estrela" (Van Gogh).
(Pinturas da minha loucura, Mark Freedom)
Leituras indicadas sobre internação compulsória:
Se de perto ninguém é normal, o que é loucura? Fátima Oliveira (02.06.2009)
A internação psiquiátrica necessária não é crime - Fátima Oliveira (09.06.2009)
Sobre internação compulsória Ferreira Gullar escreveu 3 artigos:
Uma lei errada (FSP, 12.04)
A sociedade sem traumas (FSP, 26.04)
Os inumeráveis estados do ser (FSP, 17.05)
Colônia do Bonfim no passado, hoje hospital Aquiles Lisboa: 69 anos de história a ser recuperada e preservada - Ana Maria dos Santos Martins Pinho (12.04.2010)
Veja mais sobre o assunto:
Lei 10.216 – que “Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental”
Política Nacional de Saúde Mental
Integralidade nas políticas de Saúde Mental - Domingos Sávio Alves
DIRETRIZES PARA UM MODELO DE ASSISTÊNCIA INTEGRAL EM SAÚDE MENTAL NO BRASIL. [(ver também aqui> (Anexo)]
. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA - ABP
. ASSOCIAÇÃO MÉDICA BRASILEIRA – AMB
. CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA – CFM
. FEDERAÇÃO NACIONAL DOS MÉDICOS - FENAM (2006)
Conselho Federal de Medicina: RESOLUÇÃO No- 1.952, DE 11 DE JUNHO DE 2010 - Adota as diretrizes para um modelo de assistência integral em saúde mental no Brasil e modifica a Resolução CFM no- 1.598, de 9 de agosto de 2000.
Crack causa danos que extrapolam as esferas pessoal e familiar
O governo federal anunciou a vontade política de elaborar e implantar, em âmbito nacional, uma proposta específica, multi e transdisciplinar para a abordagem da drogadização por crack.
Enquanto ela não chega, doentes e familiares continuam desamparados. Quando uma família em risco de vida dupla face (doente e família) solicita ordem judicial para internação compulsória portando indicação médica, o juiz, em geral, nega, sem se dar ao trabalho de ouvir a família e/ou quem indicou! Não é apenas descaso, mas abuso!
Não há serviços públicos de saúde especializados, na quantidade necessária, para absorver a demanda voluntária e involuntária, seja ambulatorial ou hospitalar. Uma indicação de internação pode não se concretizar por falta de vagas.
Via de regra, as "comunidades terapêuticas" que adotam o regime de internação não admitem usuário de drogas portador de "doença mental" e, de praxe, exigem um laudo psiquiátrico (sim, psiquiátrico!) de sanidade mental, alegando que "não trabalham" com quem precisa de psiquiatra! Deu para entender? Não dá!
Disse, apropriadamente, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, que a principal motivação do governo é a convicção de que o vício em crack no Brasil é uma epidemia que causa danos que extrapolam as esferas pessoal e familiar. Compreendi que o governo está convencido, o que é louvável, de que o adoecer por consumo de crack impõe mazelas para além da saúde mental, logo, a abordagem terapêutica é indispensável, embora ela sozinha não abarque todas as nuances do "adoecer" por crack.
O enunciado geral da política, "vamos enfrentar o crack", não é polêmico. O que tem dado panos para as mangas é a inclusão da internação compulsória da pessoa viciada, com indicação médica de internação (indicar internação é prerrogativa médica) na fase aguda para desintoxicação e para tratamento prolongado.
Por que na
drogadização a pessoa
enferma não tem direito à internação
quando indicada?
Não é assim para
as outras doenças?
A internação compulsória de pessoas com a sanidade mental comprometida por doenças de causas endógenas e exógenas (em especial, uso de drogas) se justifica para interromper e reduzir danos, com vistas a recuperar a saúde, mas também, siamesamente, para proteger vidas, ao garantir a segurança dupla face (doente e família). É a violência o sintoma principal que leva a família a assumir a impotência de lidar sozinha, no campo do privado, com a drogadização.
Se a medicina tipificou a drogadização, em seus diferentes tipos e formas, como doença - e é uma doença, exaustivamente comprovada -, como toda doença, segundo o estágio da evolução no momento da consulta médica, a terapêutica indicada pode ser ministrada na urgência, no ambulatório e em regime de internação, com abordagem multiprofissional.
Não é assim para as outras doenças? Por que na drogadização a pessoa enferma não tem direito à internação quando indicada? E por qual motivo ela não pode ser compulsória se a pessoa enferma está com a autonomia diminuída e sem condições de sanidade mental de decidir sobre o que é melhor para a sua saúde?
Só quem nunca se viu obrigado a conviver e/ou acompanhou o cotidiano de uma família na lida com pessoas em estado crônico e permanente de drogadização pode ter a insensatez e a falta de piedade (é o termo mais apropriado) de dizer que não há situações que justifiquem a internação compulsória.
Como disse uma mãe que entrou na marra no gabinete do juiz interpelando-o por ter negado ordem para internar a filha: "Doutor, estou entendendo que o senhor vai levá-la para sua casa, não é?". Conseguiu.
Publicado no Jornal OTEMPO em 22.11.2011
[Noite estrelada, Van Gogh (1889)]
"Quero expressar a esperança por meio de alguma estrela" (Van Gogh).
(Pinturas da minha loucura, Mark Freedom)
Leituras indicadas sobre internação compulsória:
Se de perto ninguém é normal, o que é loucura? Fátima Oliveira (02.06.2009)
A internação psiquiátrica necessária não é crime - Fátima Oliveira (09.06.2009)
Sobre internação compulsória Ferreira Gullar escreveu 3 artigos:
Uma lei errada (FSP, 12.04)
A sociedade sem traumas (FSP, 26.04)
Os inumeráveis estados do ser (FSP, 17.05)
Colônia do Bonfim no passado, hoje hospital Aquiles Lisboa: 69 anos de história a ser recuperada e preservada - Ana Maria dos Santos Martins Pinho (12.04.2010)
Veja mais sobre o assunto:
Lei 10.216 – que “Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental”
Política Nacional de Saúde Mental
Integralidade nas políticas de Saúde Mental - Domingos Sávio Alves
DIRETRIZES PARA UM MODELO DE ASSISTÊNCIA INTEGRAL EM SAÚDE MENTAL NO BRASIL. [(ver também aqui> (Anexo)]
. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA - ABP
. ASSOCIAÇÃO MÉDICA BRASILEIRA – AMB
. CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA – CFM
. FEDERAÇÃO NACIONAL DOS MÉDICOS - FENAM (2006)
Conselho Federal de Medicina: RESOLUÇÃO No- 1.952, DE 11 DE JUNHO DE 2010 - Adota as diretrizes para um modelo de assistência integral em saúde mental no Brasil e modifica a Resolução CFM no- 1.598, de 9 de agosto de 2000.
Mário, peço vênia para colocar minha colher nessa sopa. Apesar do termo não sou rábula. Sou um cara que pensa e a muito tempo já escrevi que criança tem vontade, não tem livre arbítrio e não pode ser abandonada. Vamos por partes. Não tem vontade: não se pode, em caso de abuso sexual, ou de outras situações alegar que a criança quis. Não tem livre arbítrio: não terá ela conhecimento suficiente para definir o que é bom ou mau para ela. Não pode ser abandonada: criança é incapaz e incapaz não pode ser abandonado, pela família, pela sociedade e pelo poder público sob pena de fazer incidir sobre eles a força da Lei.Se tudo isso não serve para uma criança normal que diremos de uma criança cheia de krack e óxi. Mais, adulto que pratica crime sob o efeito de drogas, não tem aliviado a pena por não ter capacidade de raciocinar? Será ele capaz de tomar decisão em que ele sequer acha que tem problemas? Creio se tratar também de abandono de incapaz e passível de abordagem pela lei. Quando uma mãe desesperada prende de alguma forma um filho dependente, está se arriscando a ser julgada por algum tipo de crime, quando ela só está lutando pela vida do filho incapaz de pensar? E a sociedade e as autoridades,que normalmente não agem a tempo, já abandonaram o incapaz?
ResponderExcluir15 de agosto de 2011 09:57
Nada mudou desde então, porém mais vozes se levantam e isso é bom! Continuo com o mesmo pensamento!