Ações "do mal" superam ações "do bem" em 2011
Os chamados “fundos de vício”, ou “do pecado”, que reúnem ações de empresas dos setores de bebidas, cigarros, armamentos, cassinos e defesa, têm fama de serem bons para momentos de crise. De fato, desde o início deste ano, o retorno do mais famoso fundo de vícios do mundo, o Vicex, supera não só o índice de referência S&P 500, mas também o desempenho dos "fundos do bem" Pax World Balance, que investe em empresas socialmente responsáveis, e Ave Maria Catholic Values Fund, que compra ações de companhias que respeitam critérios da igreja católica.
Em 2011, ano ruim para as bolsas de valores globais, o Vicex subiu 2,25%. Administrado pela US Mutual, o fundo tem ações de empresas como a fabricante de cigarros inglesa Lorillard e a Diageo, de bebidas. Enquanto isso, o Pax World Balance caiu 5,59%. Criado pela gestora de recursos Pax World Investmentes, que foi fundada em 1971 por dois fiéis da Igreja Metodista dos Estados Unidos, o produto investe em companhias como Google e IBM. Já o Ave Maria Catholic Values Fund, da gestora Ave Maria Funds, teve uma perda de 4,51%. No portifolio estão a varejista Chico´s FAZ, a The Western Union, entre outras. No mesmo intervalo, o S&P 500 desvalorizou 4,77%.
O raciocínio dos fundos de vício é o de que as pessoas não vão deixar de beber, fumar ou jogar quando estão com problemas. Pelo contrário. Em momentos de tensão e desespero, os consumidores tendem a beber, fumar e apostar ainda mais. Por trás desta ideia, segundo os economistas, está a chamada “demanda inelástica” das empresas que fazem parte dos setores de tabaco, bebidas, jogos e armamentos, conceito que quer dizer que suas receitas não flutuam com acontecimentos econômicos.
Economistas afirmam que a idéia faz sentido e acrescentam que as empresas dos setores de vício também tendem a ter uma geração de caixa boa e bastante previsível. No entanto, ressalvam que outros fatores também influenciam as ações. “Entre os aspectos a serem avaliados, estão a situação do mercado em que as companhias atuam, a necessidade de investimentos, as tributações e os preços que pagam por matérias primas,” diz Rodolfo Amstalden, analista da Empiricus Research.
Uma empresa de bebidas, como a brasileira AmBev, por exemplo, pode ser afetada por preços do açúcar e o aço das latinhas, comenta o analista da Empiricus. Enquanto isso, companhias de cigarros podem ser prejudicadas por elevações de tributações. Por isso, antes de sair comprando ações do pecado para se proteger da crise, investidores devem conhecer bem as companhias.
Gerry Sullivan, gestor do Vicex, afirma que o fundo “tende” a ter um desempenho melhor do que o dos índices de referência do mercado em momentos de queda dos mercados financeiros. “Por isso, deve estar nas carteiras dos investidores como uma opção de diversificação e proteção,” afirma. No entanto, ele diz que não há garantias de que uma "ação do pecado" não terá perdas significativas de valor.
Foto: Getty Images
Fábrica da Phillip Morris, nos EUA
Mesmo quando observado um período mais longo, o Vicex ganha do índice de referência S&P 500. No entanto, seu retorno perde para o do Ave Maria e o do Pax World Balance quando considerado um intervalo de três anos, desde o estouro da crise 2008. No período, o fundo de vícios acumula uma queda de 5,11%, maior do que a do Pax, que cai 3,7%. Já o fundo católico acumula valorização de 9,34%, enquanto o S&P 500 tem queda de 9,31%.
Ainda que as ações do vício ganhem das ações do bem no curto prazo e percam em um período maior, a sugestão para o investidor é sempre avaliar os fundamentos das empresas e o setor em que atuam, sendo uma ação “do bem”, ou “do mal” (analistas lembram que "bem" e "mal" devem ser encarados apenas como uma "brincadeira" e não no sentido literal das palavras). “As empresas têm características diferentes e o investidor deve estar atento a todas elas,” afirma segundo Clodoir Vieira, economista-chefe da Souza Barros Corretora. “Antes de qualquer brincadeira sobre bem ou mal, o ideal é estudar as companhias, seus setores e o momento da economia,” acrescenta Amstalden.
Hugo Penteado, economista-chefe da gestora de recursos do banco Santander e responsável pelo Fundo Ethical, afirma que os fundos socialmente responsáveis, apesar de não perseguirem apenas empresas com demanda inelástica, têm uma importante vantagem em relação aos fundos de vício: a garantia da boa gestão das empresas. “Em geral, a seleção das ações avalia perspectivas para longo prazo, boa gestão, boas práticas de governança corporativa e também as ações da companhia para melhorar o meio ambiente,” afirma Penteado.
Foto: Getty ImagesAmpliar
General Dynamics, fabricante de tanques de guerra, aeronaves e submarinos está na carteira do Vicex
• As ações do pecado
Entre as ações que compõem o Vicex estão as fabricantes de cigarros inglesa Lorillard e a norte-americana Phillip Morris, as empresas de bebidas Carslberg e Diageo, o grupo de cassinos chinês Galaxy Entertainment, as três aeroespaciais Raytheon, United Technologies e General Dynamics (que também fabrica tanques de guerras).
• As ações do bem
Já nas carteiras da Pax World Investments, que administra o Pax World Balance e outros seis fundos socialmente responsáveis, estão empresas como Google, IBM, Becton Dickinson, de tecnolgia hospitalar, Thermo Fisher Scientific, de laboratórios e pesquisas científicas, Qualcomm, de telecomunicações e Prysmian, fabricante de cabos.
O Ave Maria Fund, por sua vez, reúne ações da Accenture, da empresa de tecnologia hospitalar Stryker, da varejista Chico´s FAZ, da fabricante de cabos General Cable, da empresa de tecnologia aeroespacial United Technologies, da petrolífera Halliburton, da fabricante de computadores HP e da empresa de serviços de pagamentos The Western Union.
O fundo Ethical, do Santander, possui ações de empresas como Brasil Foods, Natura, Cemig, Ecorodovias, Gerdau, Lojas Renner, Sabesp, Suzano, Pão de Açúcar, Odontoprev, Fibria, Marcopolo, entre outras.
Ambev, Souza Cruz e Forja Taurus
No Brasil, não há fundos de vício, apenas socialmente responsáveis. “Nosso mercado não chegou a este ponto de sofisticação,” diz Reginaldo Alexandre, presidente da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais em São Paulo.
Mas duas das “ações do pecado” brasileiras, que são representantes dos setores de bebidas e cigarros, estão entre as quatro maiores altas do Ibovespa, principal índice da Bolsa de Valores brasileira, desde setembro de 2008, quando estourou a crise financeira global. Os papéis da Ambev subiram 160,7%, enquanto as ações da Souza Cruz avançaram 193%, de acordo com dados da Economática. No mesmo intervalo, o Ibovespa subiu 21,3%. Já a Forja Taurus, fabricante de armas, viu seu valor crescer aproximadamente 7% na bolsa.
Analistas lembram que apesar das companhias fazerem parte dos grupos de “pecado” e “vício”, elas geralmente não têm as mesmas características. Como atuam em ramos diferentes, seus desempenhos são influenciados por fatores próprios de cada setor.
No caso da Souza Cruz, por exemplo, que é dona das marcas de cigarros Free, Derby, Carlton, Charm, Hollywood e Lucky Strike, os bons resultados são frutos do fato de a empresa ser uma boa pagadora de dividendos – o que atrai investidores -, além de boa geradora de caixa e de ter gastado menos com propaganda nos últimos anos, segundo Vieira, da Souza Barros. “A companhia não dá grandes saltos na Bolsa. Mas como é boa em pagar dividendos, acaba trazendo um resultado bom quando demais papéis têm uma performance ruim,” acrescenta a analista Sandra Peres, da Coinvalores.
Já Ambev, que atua em um mercado completamente diferente, teve seus papéis favorecidos por ter uma demanda que não depende do cenário econômico e do reajuste preço. Como a empresa é líder no setor de bebidas, consegue reajustar preço e o mercado acompanha, sem que perca receitas, segundo o analista da Empiricus Research.
A Forja Taurus, por sua vez, tem seus resultados influenciados pela demanda do setor de segurança pública. Além disso, a empresa tem uma participação de 50% no mercado brasileiro de capacetes para motociclistas.
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