Artigo - Marcia de Almeida (no Globão)
Segundo o Censo de 2010, no Brasil há 23,9% de pessoas com algum tipo de deficiência. A população LGBT está por volta dos 10% ( a ONU calcula que seja esta a população mundial de homossexuais ou homoafetivos, no mundo).
Calcula-se que tenhamos entre 800 mil e um milhão de ciganos, mas este número nunca foi levantado. Negros e pardos são mais da metade da população. Índios, também segundo o IBGE, são cerca de 358 mil, divididos em mais de 500 aldeias, e perfazendo 0,2% da população brasileira.
O país sempre tido como bonzinho e acolhedor, é, na verdade, implacável para com parte da sua gente. Refirome aos segmentos acima, que são tratados como invisíveis e que conseguem algum espaço na mídia quando há uma tragédia ou uma transgressão muito grave.
De resto, não se leva em conta o fato de sermos o país campeão em crimes homofóbicos, por exemplo. Apesar de o STF ter dado parecer favorável ao casamento entre duas gaúchas, no Rio, tida como a melhor cidade para LGBTs do mundo, o casal Carlos Tuvfesson e André Piva não pôde oficializar a união que já dura 16 anos.
Deveríamos ver este direito como um direito civil, já que somos divididos em alíquotas pelo Imposto de Renda. E, como citei outro dia, na coluna que assino aqui no Razão Social, até o morador de rua paga imposto, quando compra uma caninha ou um pão...
Segundo o Relatório Anual de Assassinatos de Homossexuais divulgado pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), publicado no site do grupo (www.ggb.org.br) e assinado por Luiz Mott, Claudio Almeida e Marcelo Cerqueira, no ano passado foram documentados 260 assassinatos de gays, travestis e lésbicas no Brasil, 62 a mais do que em 2009 (198 mortes), registrando um aumento de 113% nos últimos cinco anos (122 em 2007). Dentre os mortos, 140 gays (54%), 110 travestis (42%) e 10 lésbicas (4%).
O Brasil confirma, assim, sua posição como campeão mundial de assassinatos de homossexuais: nos Estados Unidos, com 100 milhões a mais de habitantes do que nosso país, foram registrados 14 assassinatos de travestis em 2010. Fazendo o corte no relatório do GGB, no ano passado o Brasil registrou 110 homicídios contra travestis. E o risco de um homossexual ser assassinado no Brasil é 785% maior que nos Estados Unidos. Até novembro deste ano, já tinham sido contabilizados 235 assassinatos: - Não sabemos se este número vai ultrapassar o de 2010, pois esta época do ano é muito violenta, mas já é um número bastante grande. Dá um assassinato a cada 36 horas - disse o antropólogo Luis Mott.
Enquanto isso, o Projeto de Lei 122, de 2006, que criminaliza a homofobia, está empacado no Senado há anos.
O Censo de 2010 evoluiu, mas não perguntou ainda sobre a orientação sexual dos brasileiros. No formulário completo, podia-se declarar homossexualidade se a pessoa vivesse com seu parceiro ou parceira. No formulário simples, nem isso. A pergunta básica: qual a sua orientação sexual? ainda não veio desta vez. A conclusão é a seguinte: se você é homossexual, mas não vive com seu/sua parceiro/a, inexiste para as estatísticas oficiais do Brasil, mesmo no século XXI.
No entanto, na hora do Imposto de Renda, todos pagamos 27.5% do que ganhamos, e 11% para o INSS. Mas os homoafetivos têm que entrar na Justiça para obterem as benesses advindas dos tributos pagos.
O convite é para refletirmos sobre a injustiça - para dizer o mínimo -- contida nesses fatos. Além disso, seria bom se pudéssemos pensar sobre o que podemos ou devemos fazer para que este quadro se modifique.
O mesmo acontece com as pessoas com deficiência. São 23,9% de mais de 190 milhões de pessoas, mas a cota para deficientes nos concursos públicos é de, no mínimo, 5% e, no máximo, 20% das vagas oferecidas no concurso (art.5º, §2º, da Lei nº 8.112/90, c/c art. 37, § 1º, do Decreto nº 3.298/99). E mais: de que adiantam concursos, editais, programas de governo etc., se não existe o básico, que é a acessibilidade, no transporte e nos locais públicos? Se ela é péssima no Sul do país, imaginem no Norte e Nordeste! Somos ainda uma sociedade violenta com o sexo feminino, a ponto de termos uma lei específica, a Lei Maria da Penha, para punir os agressores de dentro da família. As consequências são tão graves, que mulheres vítimas de violência terão direito assegurado a cirurgias plásticas reparadoras custeadas pelo Sistema Único de Saúde(SUS). A regra, aprovada no último dia 8 de dezembro pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado, tramitava em caráter conclusivo e segue para sanção da presidente Dilma Rousseff.
Aproveitando as reflexões de fim de ano, será que todos não deveríamos pensar sobre este comportamento que caracteriza nossa sociedade, de fazer invisíveis aqueles que são diferentes? Não custa lembrar que são as diferenças que sempre fizeram as sociedades evoluírem.
Feliz ano todo.
Marcia Almeida é jornalista, assina a coluna Razão & Cidadania e integra a Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ
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