Paulo Moreira Leite
É curioso observar que mesmo pessoas com alguma cultura, estudos genéricos em assuntos econômicos e alguma formação política têm dificuldade para reconhecer certas situações quando elas aparecem com clareza à sua frente. É o que tem acontecido hoje em dia, diante do lento e previsível colapso da economia européia.
Dá a impressão que essas pessoas esfregam os olhos, como se estivessem no meio de um pesadelo, para depois pensar consigo mesmas: “não. Não pode ser. Um governo sério, de países como a França e a Alemanha, ricos, desenvolvidos, não faria isso.” Em seguida, vem o pensamento definitivo: “não. Eles não podem estar conspirando para destruir a própria riqueza.”
Essa reação explica o caráter benigno da recepção às idéias de mudanças na União Européia de Merkhozy (Angela Merkel e Nicolas Sarkhozy) que estão em debate no momento. É um plano estranho. Merkhozy discute normas gerais para o bom funcionamento da economia, que, certas ou erradas, poderiam ser úteis, hoje, amanhã, ou no momento da formação da UE. Mas não representam uma saida para hoje, quando o Velho Mundo está à beira do abismo. Assim, na prática, o aspecto mais importante da proposta de Merkhozy é aquilo que ela não diz. Consiste em cruzar os braços e deixar o mercado fazer o serviço.
Qual serviço? Destruir o Estado do bem-estar social através da crise mais grave e profunda desde os anos 30 — quando esse sistema foi criado na maioria dos países europeus.
Não sou o único a enxergar ísso. Escrevi ontem:
“É um plano errado na hora errada. A Europa precisa de estímulos. Sem dinheiro para ir às compras, as famílias reduzem o consumo. Com menos consumo, há mais desemprego. Com mais desempregados, há menos receitas. As empresas fecham as portas e os Estados nacionais ficam sem condições de financiar seus serviços e honrar suas dívidas.”
Também disse:
“O saldo previsível do plano dos dois governos será uma nova fase de destruição de riquezas, mais desemprego, menos bem-estar, seguindo a lógica tão bem estudada por Shumpeter (considerado um dos grandes economistas do século XX) para quem a destruição criadora é a essência do sistema capitalista.
Escrevi ainda: ”Do ponto de vista econômico, o momento para políticas de austeridade é péssimo. Foram elas que transformaram a queda nos governos europeus num simples jogo de dominó. Mas, do ponto de vista político, pode ser tentador. A crise instalou governos conservadores na Espanha, em Portugal e na Grécia que, juntos a Alemanha e França, tão um perfil nítido ao coração da União Européia. Essa é a vantagem de Merkel e Sarkhozy. Seu problema é o tempo. Em breve começa um ciclo de eleições em seus próprios países.”
Quem acha que essa visão é conspirativa, ou pelo menos exagerada, precisa ler o que escreve o economista americano Mark Weisbrot, hoje, na Folha. Um dos mais respeitados críticos dos fanáticos de mercado, Weisbrot afirma claramente:
“Se o BCE se engajasse em manter esses juros em níveis baixos, os mercados se estabilizariam e a região se recuperaria, potencialmente. Há um porém: o BCE só fará seu trabalho e acabará com a crise se conseguir arrancar dos governos europeus a austeridade que deseja. Agora podemos enxergar claramente o que está acontecendo de fato: o BCE apoiado pela Alemanha e por alguns outros governos- poderia encerrar a crise em qualquer momento, sem custo algum para os contribuintes europeus.”
Você poderia perguntar: se é tão fácil sair da crise, por que os principais governos europeus não tomam as providencias necessárias? Weisbrot explica:
"(O BCE) está prolongando a crise para forçar a adoção de ‘reformas’ que a maioria dos europeus jamais votaria, como elevação da idade de aposentadoria, privatizações e até mesmo controle da UE sobre os Orçamentos nacionais.
É por isso que a crise está longe de ter terminado: o BCE e seus aliados na realidade não querem resolver a crise tanto quanto querem impor essas 'reformas' impopulares. Na melhor das hipóteses, as autoridades europeias farão o suficiente para evitar um derretimento financeiro, mas os riscos provavelmente vão voltar à medida que as reformas empurrarem a Europa mais fundo numa recessão, com endurecimento fiscal desnecessário e prejudicial.”
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