Em 2010, 19,3% dos bebês nascidos vivos eram de mães nessa faixa de idade, contra mais de 23% nos primeiros anos da década passada. No Paraná, a situação é semelhante: a proporção foi a menor registrada em 17 anos – 19,1% dos bebês paranaenses nasceram de mães com até 19 anos. O declínio ocorre desde 1998, quando o índice chegou a 22,8%, o maior de todos os anos.
- “Nunca imaginei que um dia seria igual a elas”
"Durante as aulas de educação sexual na escola, eu ouvia casos de meninas que engravidavam, deixavam de estudar e passavam a levar uma vida difícil. Nunca imaginei que um dia eu seria igual a elas.” O relato, contado com um misto de tristeza e resignação, impressiona e deixa no interlocutor um sentimento igual de pesar. Aos 18 anos, a dona de casa Raquel Rodrigues contabiliza duas gestações, a morte do primeiro filho, histórico de evasão escolar e temor diante do futuro.
Aos 16, Raquel engravidou da primeira filha, Emanuelle, que nasceu já sem vida. O pai não reconheceu a filha e não compareceu ao enterro. Estu-dante do primeiro ano do ensino médio de uma escola de Colombo, na Região Metropo-litana de Curitiba, ela abandonou os estudos e foi mandada embora do emprego por estar grávida. Nunca mais retornou, nem à escola nem ao mercado de trabalho.
Grávida de oito meses de João Pedro, não sabe como vai criar o filho. O atual companheiro pede um exame de DNA, o que faz com que ela evite sair de casa. “As pessoas falam mal de mim, aí eu prefiro ficar sozinha”, diz. A irmã, de 16 anos, também está grávida. A cunhada, Ana Carolina Nunes da Silva, de 15, acabou de ganhar o segundo filho. “Todas as minhas amigas estão na mesma situação. Se eu pudesse, teria feito diferente.”
Tímida, Raquel diz que tinha medo de pedir aos namorados que usassem a camisinha. Apesar do futuro incerto, diz que vai concluir os estudos e que deseja se formar em Medicina. Quer se obstetra e trabalhar na maternidade onde deu à luz Emanuelle e onde deverá nascer João Pedro. “Aqui é precário. Quero ajudar de alguma forma. Vai levar um tempo, até o bebê ficar grande, mas eu não vou desistir.”
Prejuízo social por ter engravidado é maior
Engravidar na adolescência traz mais prejuízos do ponto de vista social e emocional do que para o organismo da mulher. De acordo com o médico obstetra e especialista em gravidez de risco do Hospital Evangélico Marcelo Guimarães, a ideia de que a mulher está despreparada por ter um útero ainda pequeno ou em formação, ou uma bacia estreita, não se aplica para a maior parte dos casos de gravidez nessa época da vida.
“A mulher está preparada para engravidar logo após ter a primeira menstruação. Desse modo, o corpo das adolescentes está tão preparado para gerar um filho quanto o de uma mulher adulta”, diz o médico. É a pouca maturidade o que pode gerar problemas nesta fase – adolescentes tendem a se alimentar mal e a não tomar as vitaminas e os remédios prescritos pelos médicos, o que causa anemia na mãe e um crescimento intraútero menor do feto.
Elas também faltam mais aos exames e às consultas, e o fato de muitas esconderem a gravidez dos pais faz com que o pré-natal comece a ser realizado mais tarde, às vezes já no segundo trimestre da gestação. “Por conta da falta de cuidados, elas têm o sistema imunológico mais fraco, o que aumenta em duas vezes o risco de contraírem infecções e ocorrerem partos prematuros.”
Os cuidados com o bebê já nascido também são menores devido à imaturidade. Muitas não têm um relacionamento estável com o pai da criança, o que faz com que os filhos cresçam em ambientes familiares mais desintegrados. E, em 80% dos casos, elas abandonam a escola e o trabalho e têm dificuldades em sustentar a criança, o que dificulta a tarefa de criar os filhos.
Para quem acompanha o tema, mudanças no ambiente escolar foram responsáveis por uma parcela deste avanço. A introdução de aulas sobre direitos sexuais e reprodutivos nos colégios, visando a frear o índice de contaminação por HIV entre os jovens, tornou-se o melhor canal para evitar também a gravidez. “Não há nada melhor e mais eficiente do que educar”, avalia o médico ginecologista e obstetra da Maternidade Vitor Ferreira do Amaral, em Curitiba, Fernando César de Oliveira Júnior.
A educação, de acordo com Oliveira Júnior, tem duplo efeito positivo sobre as jovens. Além de esclarecer sobre os métodos contraceptivos e os riscos de uma gravidez precoce, o ensino abre oportunidades que ajudam a afastar as adolescentes da ideia de ser mãe antes do tempo, principalmente nas camadas mais pobres. “Para muitas, ter um diploma e uma carreira são sonhos distantes.”
Mais diálogo
Outro aspecto importante para a diminuição nas taxas é algo pouco mensurável, mas muito percebido por médicos ginecologistas: maior diálogo em casa. Com o bombardeio de conteúdo erótico na internet e na televisão, os pais estão se dando conta de que é preciso orientar e têm buscado mais a supervisão dos médicos. Esta é a opinião do obstetra Marcelo Guimarães, do Hospital Evangé-lico, em Curitiba.
“As mães estão trazendo as filhas para a primeira consulta antes mesmo da primeira menstruação. Isso é bom, pois é preciso focar nas ações preventivas. A menina deve ir ao médico logo que arranjar namorado, pois se há interesse, ela não vai deixar de ter relação sexual. Então, precisa conhecer os métodos contraceptivos.”
O obstetra afirma que a oferta de pílula anticoncepcional e camisinha nos postos de saúde também colaborou para a queda nos números. Hoje, é possível ter acesso gratuito aos métodos sem a necessidade de identificação. O maior desafio, de acordo com o médico Fernando César de Oliveira Júnior, é conscientizar os meninos, o que exige uma revisão de conceitos sobre os gêneros. Segundo ele, a maioria dos programas prioriza as meninas, sobre as quais recai tanto a responsabilidade pela escolha do método contraceptivo quanto os cuidados com o bebê. “Os garotos precisam ser chamados à responsabilidade. E as meninas têm de ser empoderadas. Devem ser incentivadas a se impor e dizer ‘não’ quando não querem ter relações, ou quando o homem se recusar a usar proteção.”
Brasil ainda está longe dos números ideais
Apesar da queda na proporção de grávidas adolescentes, o Brasil ainda passa vergonha em comparação com outros países industrializados. Um estudo divulgado pelo Fundo de Populações das Nações Unidas (Funpa, na sigla em inglês) em 2010 mostra que o número de adolescentes grávidas para cada grupo de mil meninas ainda é assombroso: 56, contra uma média de 5 a 10 meninas grávidas/ mil nas demais nações posicionadas à frente do país em termos econômicos, como China (5), Japão (5), Alemanha (10) e França (11). A exceção são os Estados Unidos (41).
A proporção também não segue a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) para que o índice de nascidos vivos de mães de até 19 anos não ultrapasse os 10%, ou seja, o Brasil tem hoje uma taxa duas vezes maior do que a considerada razoável. Para mudar esse cenário, é preciso anular um ciclo vicioso poderoso. Estudo da Secretaria de Saúde de São Paulo mostra que, em 69,2% dos casos de gravidez na adolescência, a avó materna da criança também havia sido mãe adolescente.
Entre as iniciativas já defendidas por organizações não governamentais e especialistas está a distribuição de camisinha e pílulas anticoncepcionais nas escolas, já que em casa, muitas vezes, a falta de esclarecimento e o histórico de gravidez precoce da mãe impede que os pais conversem com os filhos sobre o assunto. Essa medida é defendida por muitos médicos, como o oncologista Dráuzio Varella, referência em planejamento familiar.
Para a coordenadora do Programa Adolescente Saudável da prefeitura de Curitiba, Luciana Savaris, a ideia, embora ideal, precisa ser vista com cuidado e trabalhada passo a passo. “Alguns pais ainda acham que a escola estará incentivando o adolescente a fazer sexo caso distribua os métodos. Claro que isso não é verdade, mas é preciso ir com calma para não criar uma resistência ainda maior sobre o tema.”
De acordo com Luciana, a comunidade tem respondido bem às aulas de educação sexual e reprodutiva em sala de aula, desde que o programa federal Prevenção e Saúde nas Escolas (PSE) foi implantado nas escolas da cidade, em 2003. “Temos conseguido chegar até eles [alunos]. Atualmente, mais de 600 estão envolvidos diretamente, mas a cada evento que fazemos, comparecem mais de mil pessoas.”
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