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terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Curitiba: Atenção primária é opção para desafogar emergências



Prefeitura de Curitiba promete criar mais 20 equipes de Saúde da Família até março. Internacionalmente, o investimento em atenção primária está ligado à redução de custos com internações

na Gazeta do Povo


Diante dos episódios recorrentes de superlotação de hospitais e Centros Municipais de Urgências Médicas (CMUMs), a nova gestão da prefeitura de Curitiba pretende investir na ampliação do Programa Saúde da Família (PSF), lançado em 1994 pelo governo federal, para tentar diminuir os problemas na rede municipal de saúde. O PSF engloba equipes multiprofissionais que atendem a comunidade nas unidades de saúde ou nos domicílios. O programa promove ações de prevenção, recuperação e reabilitação de doenças e agravos mais frequentes.
Atualmente, a cidade conta com 185 equipes do progra­­ma, que atendem cerca de 677 mil curitibanos, cerca de 38,7% da população. A meta é ousada: até a metade de março, a expectativa é que mais 20 equipes sejam criadas e mais 100 mil pessoas beneficiadas, representando cerca de 43% da população curitibana. Se a experiência der certo, o número de equipes deve dobrar em 2014.
Frentes
Estratégia inclui flexibilização da carga horária dos médicos
Além da ampliação das equipes de Saúde da Família, a estratégia da prefeitura vai envolver a adequação da carga horária dos médicos contratados e o oferecimento de residência em Medicina de Família pela própria secretaria, que deve começar em março, oferecendo vinte vagas.
“Uma das frentes para captar médicos é oferecer capacitação a partir da residência. A outra é flexibilizar [a jornada de trabalho], utilizando uma portaria de 2011, e permitir que o profissional possa assinar contratos de 20 horas de trabalho no Saúde da Família”, diz César Titton, assessor de atenção primária à saúde da Secretaria de Saúde de Curitiba.
Monitoramento
Fiscalização revelou falhas, fraudes e falta de equipamentos
Com a ampliação das unidades e equipes do Saúde da Família, o cuidado com a fiscalização do programa vem igualmente aumentando. Entre 2008 e 2011, uma avaliação da Controladoria-Geral da União (CGU) envolveu 354 municípios distribuídos por todos os estados – desses, 38 eram paranaenses. O resultado foi decepcionante.
A pesquisa mostrou que há falta de materiais, equipamentos e infraestrutura física para os trabalhos, falhas na atuação das equipes, descumprimento da carga horária semanal de 40 horas pelos profissionais – a falta de assiduidade chegou a 67% entre os médicos –, e, em 17% dos municípios, os recursos liberados pelo governo não foram efetivamente aplicados no programa.
Devido às considerações feitas pelo CGU, em 2011 o Ministério da Saúde suspendeu o envio de verbas para 69 equipes de Saúde da Família e duas equipes de Saúde Bucal em 66 municípios, dois deles no Paraná (uma equipe em Grandes Rios e outra em Santa Helena).
Providências
Segundo a superintendente de Atenção à Saúde da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), Márcia Huçulak, para evitar situações como essas, hoje a secretaria mantém um monitoramento contínuo das equipes.
Ela explica que em 2012 o Ministério da Saúde realizou uma avaliação em conjunto com a Fiocruz para qualificar o atendimento oferecido e a rede paranaense teve conceito “excelente”. “Recebemos avaliação ótima e boa em 65% das equipes no Paraná e só 2% foram consideradas insatisfatórias.”.
“Realmente a nova gestão vê o Saúde da Família como ponto estratégico para ampliar a atenção primária na cidade e queremos investir para qualificá-la e tornar nosso sistema de saúde mais eficiente”, explica o assessor de atenção primária à saúde da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), César Titton.
Segundo Titton, hoje mui­tas pessoas procuram os CMUMs para atendimentos que não são de urgência ou emergência, o que sobrecarrega o sistema. “Às vezes uma pequena queixa ou acompanhamento de rotina vai parar lá e o local não é ideal para isso. Temos de organizar o sistema para responder a essa demanda por primeira atenção e desafogar os CMUMs”, explica.
Benefícios
Internacionalmente, o investimento em programas de atenção primária está ligado a uma diminuição progressiva nas mortes por doenças crônicas e redução de custos com internações e procedimentos de alta complexidade, já que os problemas são antecipados e somente em casos extremos os tratamentos chegam à internação em UTI ou exigem procedimentos de alta complexidade.
“Esse tipo de organização do sistema gera melhores resultados com menor custo. Países que são referência nessa área, como Canadá, Austrália e quase toda a Europa, trabalham com atenção primária fortalecida”, afirma o presidente da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), Nulvio Lermen Junior.
Para o secretário-geral da SBMFC e diretor de atenção primária à saúde da SMS, Paulo Poli Neto, além da possibilidade de melhor direcionamento dos investimentos em saúde, a valorização da atenção primária é uma forma de qualificar os atendimentos. “De uma dor de ouvido até a indicação de um contraceptivo, a pessoa se sente confortável para procurar o médico de família sem precisar esperar por um especialista, cujo tratamento é bem menos abrangente.”
No interior do estado, plano é eliminar disparidades
Se em Curitiba o Saúde da Família atinge apenas 38,7% da população, no Paraná a cobertura é considerada boa, com 57,6% dos paranaenses beneficiados pelo programa. Ao todo, são 1.878 equipes implantadas no estado. Em 293 municípios (de um total de 399), pelo menos 70% da população é coberta pelo Saúde da Família. Desses, 195 conseguem oferecer atendimento do programa a todos os moradores.
“O número é significativo, mas ainda temos de acertar as disparidades entre municípios. Como o programa depende muito da gestão municipal, há excelentes exemplos de 100% de cobertura, enquanto ainda existem 12 municípios que não contam com qualquer equipe do programa”, explica a superintendente de atenção à saúde da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), Márcia Huçulak. Entre os municípios desatendidos estão Balsa Nova, na Região Metropolitana de Curitiba, Cruz Machado, no Sudeste do estado, e Jaguariaíva, nos Campos Gerais.
Recursos
Márcia afirma que, em 2011, o governo do estado lançou um plano para melhorar a atenção primária, o Programa de Qualificação da Atenção Primária à Saúde (APSUS), que visa principalmente a aportar recursos para a construção de unidades básicas e qualificar os atendimentos.
“Em 2013, os recursos estão na ordem de R$ 50 milhões para construção ou reformas de 150 unidades. Em 2011, construímos 72 novas unidades e em 2012 foram 70 unidades. Também repassamos mensalmente entre R$ 2 mil e R$ 15 mil para 391 municípios para apoiar a execução do programa.”.
Atendimento para toda a família
Morando há dois meses em uma rua próxima à Unidade de Saúde Monteiro Lobato, no bairro Tatuquara, a comerciante Elma Martins garante que a qualidade do atendimento por lá é de fazer inveja. Em sua segunda consulta, na semana passada ela levou a filha, Bianca, de 3 anos, para sua primeira visita à unidade. “É comum irmos a outras unidades e, por falta de médico, ficarmos sem atendimento. Aqui a realidade é outra. Os exames são feitos bem rápido e o médico faz uma investigação completa, conversa, se interessa pelo que estou dizendo, então me sinto valorizada”, diz.
A mãe de Elma, a dona de casa Juvina Martins, que também acompanhou a consulta, concorda. “Em outras unidades, a sala de espera fica cheia e o médico nem tem tempo de olhar para nós. Todas [as unidades] deveriam ser como esta aqui.”
Futuro
Programa ainda precisa aumentar cobertura

Depois de 18 anos de atuação, o Saúde da Família tem uma avaliação bastante positiva entre os especialistas. “Ele começou lento, mas em 1998 começou uma expansão que gerou benefícios importantes. Estudos internacionais mostram que a estratégia colaborou para a diminuição da mortalidade infantil, aumentou o cuidado da saúde da mulher e melhorou a situação socioeconômica de quem recebeu o serviço”, comenta o presidente da SBMFC, Nulvio Lermen Junior.
Para ele, agora o esforço do programa deve ser no sentido de aumentar a cobertura, que ainda é considerada baixa para os padrões de referência internacionais. “No Brasil, pouco mais da metade da população, cerca de 53%, tem realmente acesso ao Saúde da Família, enquanto na Europa é comum países com quase 100% de abrangência de atenção primária. Precisamos corrigir essas divergências”, diz. Por e-mail, a assessoria de imprensa do Ministério da Saúde afirmou que atualmente o PSF beneficia 191,6 milhões de pessoas em 5.297 municípios, o que equivaleria a uma cobertura de 96,7% da população.
Para o diretor de atenção primária à saúde da SMS, Paulo Poli Neto, a melhora do sistema depende do esforço conjunto dos municípios e de uma mudança de atitude da própria população. “Por que lá na França, o rico usa o sistema público de saúde e faz questão de contar com um médico de família? Hoje, nosso desafio é convencer a classe média a participar do processo de melhora da saúde pública. Nenhum sistema público nos país consegue ser bom se a maioria não usa e não exige qualidade.”

Um comentário:

  1. Estimado Mario, a iniciativa trilha o caminho percorrido por países com sistemas de saúde bem avaliados pelos cidadãos e financeiramente suportados pelos governos locais, sendo suportada por fortes evidências. É por aí, retomar o SUS da base para o ápice da pirâmide.
    Ampliar as ESF percorre um terreno pantanoso, áspero. Tento explicar o que penso:
    1. A figura do médico é central na ESF e ele não é formado para o novo modelo. Teremos que fazer um recall médico emergencial, requalificando-os para o SF. Avançaríamos tendo profissionais acolhedores e humanizados, resolutivos nas clínicas básicas e com um olhar que vá além do indivíduo com queixas específicas. Por quê priorizo a clínica qualificada, pelo menos de início? Por que é na clínica se "seduz" o médico. Nosso discurso sanitarista é hermético e não tem conseguido atrair tal profissional.
    Virá a residência em SF, porém a ampliação necessita de apoio imediato de equipes distritais especializadas, dando suporte à clínica cotidiana. Tal suporte pode ser à distância. Veja, um profissional, pediatra por 20 anos passa a atender adultos e gestantes. Estresse e potencial iatrogênico. Mas, podendo "trocar impressões", hipóteses diagnósticas, condutas, imagens... com um clínico do próprio DS, sua segurança será maior. Ganha o paciente, o profissional e o SUS. Podemos ter mecanismos de suporte por voz, texto e imagem US><DS. Problema para o ICI!!
    2. Os parâmetros de avaliação quanti-qualitativos, vindos do MS e da SMS são complexos e há pouco feedback. É necessário aprofundar mecanismos de avaliação da prática profissional, não só do médico. P.ex.: paciente "x" tem seu problema resolvido ou perambula pelas US e outros serviços com a mesma reiterada queixa de cefaléia crônica?
    3. Um novo modus operandi das equipes sobre o território e famílias sob sua responsabilidade é necessário. As equipes devem ter responsabilidade epidemiológica sobre as famílias do território. Morreu um bebê na área? Por quê? Onde a equipe poderia ter atuado antes do desfecho? Qual o % de captação de hipertensos, diabéticos, alcoolistas, gestantes... Aqui redefine-se o papel apoiador das equipes de epidemiologia e outras dos DS, que são fechadas em si mesmas, às equipes locais.
    4. A flexibilização da carga-horária médica pode ser aprimorada em relação à Portaria do MS que buscou atender situação de crise de captação médica. Será o horário ampliado o único problema? Creio que não. O profissional pode atender 20 horas na US e outras 10 num hospital ou CMUM de referência para os pacientes da própria US? Ter outras tantas horas para reciclagens, discussão de protocolos... Contratar por 20h é simplificar demais o problema. A solução emergencial no futuro trará novos problemas.
    5. O ACS, profissional estratégico na ESF deve ser repensado e revalorizado quanto às suas verdadeiras atribuições. O mesmo deve ser, de fato, um 'advogado' das suas famílias e porta-voz das mesmas junto à equipe de saúde. ACS não pode "perder" uma gestante, um hipertenso, um TB que não adere ao tratamento, uma criança que necessita de tratamento dentário, etc. ACS tem alto potencial transformador, mas, com tristeza, não tem recebido o olhar necessário dos gestores.
    6. Finalmente, não sendo possível esgotar discussão tão complexa, as chamadas áreas de abrangência, territórios sob responsabilidade das equipes, são verdadeiros esquadrinhados desprovidos de sentido e razão. A gestão passada, ‘sapientíssima’, no afã de informar que 100% da cidade é coberta por uma equipe de saúde, desenhou áreas que de fato não existem na prática.
    Minhas considerações são revestidas de sincera torcida para que a APS seja efetivamente fortalecida em Ctba pela nova gestão. Devo admitir, fui o primeiro coordenador do antigo PSF na cidade, lá por 1992/93, apoiado por Dante Romanó Jr, pelo pessoal do Hospital Conceição e tantos outros. Erramos por idealismo, ingenuidade e vontade de acertar. Pelos erros que do passado e do presente temos tudo para avançar.
    Forte abraço, Antonio C. Nascimento (SMS Curitiba)

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