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quinta-feira, 18 de julho de 2013

Obrigação de fazer imposta ao Estado do Paraná para contratar RH para o Hospital Regional do Litoral

na Página do MP-PR


Trata-se de Ação Civil Pública promovida pelo Ministério Público Estadual em face do Estado do Paraná, com o objetivo de que seja imposta obrigação de fazer ao Estado do Paraná a fim de que adote as medidas necessárias para contratar enfermeiros e técnicos de enfermagem em número mínimo, suficiente para que haja assistência de enfermagem a todos os leitos do Hospital Regional do Litoral, no prazo de trinta dias.

Fundamenta seu pedido trazendo vasta documentação, inclusive procedimento preparatório instaurado para apuar irregularidades apresentadas pelo SINDSAÚDE.

Esclarece que, diante da falta de enfermeiros e técnicos de enfermagem, os leitos do hospital ficam sem assistência adequada, colocando a saúde dos pacientes em risco e aumentando a possibilidade de fechamento de leitos com restrição de atendimento a população litorânea.

Intimada para se manifestar, a Administração Pública relatou que está impossibilitada de contratar pessoal, uma vez que se encontra dentro do limite prudencial, imposto pela Lei de Responsabilidade Fiscal para despesas com pessoal e alegou que o Hospital Regional encontra-se em pleno e perfeito funcionamento, sendo certo que o quadro de pessoal vem dando conta da demanda existente.

No dia 18.07.2013, foi apresentada petição com Relatório de Inspeção do Hospital Regional do Litoral realizado no último dia 11.07.2013.

Vieram-me os autos conclusos para decisão liminar.

Brevemente relatado, passo a decidir.
Quanto ao pedido de decisão liminar para os fins de antecipação dos efeitos da tutela, ao menos nesta estreita via de cognição sumária, reputo estarem presentes os requisitos autorizadores da medida.

A prova inequívoca do pedido invocado pelo Ministério Público mostra-se presente à luz dos documentos que instruem a petição inicial, permitindo reconhecer que efetivamente há precariedade no número de enfermeiros e técnicos de enfermagem, em uma relação fornecida pelo próprio Hospital Regional, consta que há no quadro de funcionários 59 enfermeiros sendo que 04 encontram-se afastados e 251 técnicos de enfermagem tendo 26 afastados, totalizando um número bem abaixo do que dispõe a Resolução COFEN – Conselho Federal de Enfermagem - n.o 293/2004, que fixa e estabelece parâmetros para o dimensionamento do quadro de profissionais de enfermagem nas unidades assistenciais das instituições de saúde, que seriam de 99 enfermeiros e 368 técnicos de enfermagem.

Ainda, restou comprovado através de vários memorandos enviados pela direção de enfermagem à direção do hospital relatando os problemas causados pela falta de funcionários, como o fechamento de leitos por falta de atendimento adequado (evento 1.2, pg19/24).

Verifico também pela documentação acostada aos autos que do número efetivo de enfermeiros e técnicos de enfermagem, que já é um número abaixo do exigido pelo COFEN, vários funcionários do quadro de enfermagem se encontram afastados, seja por licença maternidade, médica ou cedidos para outros lugares, além do mais não houve substituição de funcionários que foram transferidos, cedidos ou que entraram em óbito, deixando vagas em aberto.

A jurisprudência vem ampliando a margem dos candidatos que têm direito subjetivo à nomeação, e não mera expectativa de direito, afirmando que mesmo aqueles aprovados fora do número de vagas poderão exigir sua nomeação se ficar comprovado que há postos disponíveis. Isso poderá dar-se, por exemplo, se houver contratações temporárias (ou renovações desses contratos) ou se ficar comprovado que houve desistências entre aquelas pessoas que foram aprovadas dentro das vagas.

É o que se extrai do STF, informativo n°622 (abril 2011):
“Por reputar haver direito subjetivo à nomeação, a 1a Turma proveu recurso extraordinário para conceder a segurança impetrada pelos recorrentes, determinando ao Tribunal Regional Eleitoral catarinense que proceda as suas nomeações, nos cargos para os quais regularmente aprovados, dentro do número de vagas existentes até o encerramento do prazo de validade do concurso. Na espécie, fora publicado edital para concurso público destinado ao provimento de cargos do quadro permanente de pessoal, bem assim à formação de cadastro de reserva para preenchimento de vagas que surgissem até o seu prazo final de validade. Em 20.2.2004, fora editada a Lei 10.842/2004, que criara novas vagas, autorizadas para provimento nos anos de 2004, 2005 e 2006, de maneira escalonada. O prazo de validade do certame escoara em 6.4.2004, sem prorrogação. Afastou-se a discricionariedade aludida pelo tribunal regional, que aguardara expirar o prazo de validade do concurso sem nomeação de candidatos, sob o fundamento de que se estaria em ano eleitoral e os servidores requisitados possuiriam experiência em eleições anteriores.  Reconheceu-se haver a necessidade de convocação dos aprovados no momento em que a lei fora sancionada. Observou-se que não se estaria a deferir a dilação da validade do certame. Mencionou-se que entendimento similiar fora adotado em caso relativo ao Estado do Rio de Janeiro. O Min. Luiz Fux ressaltou que a vinculação da Administração Pública à lei seria a base da própria cidadania. O Min. Marco Aurélio apontou, ainda, que seria da própria dignidade do homem. O Min. Ricardo Lewandowski acentuou que a Administração sujeitar-se-ia não apenas ao princípio da legalidade, mas também ao da economicidade e da eficiência. A Min. Cármen Lúcia ponderou que esse direito dos candidatos não seria absoluto, surgiria quando demonstrada a necessidade pela Administração Pública, o que, na situação dos autos, ocorrera com a requisição de servidores para prestar serviços naquele Tribunal. RE 581113/SC, rel. Min. Dias Toffoli, 5.4.2011”.

Ainda, é estreme de dúvidas a urgência do pedido uma vez que várias vezes leitos foram fechados por não ter equipe suficiente, deixando de atender pacientes de maneira a ocasionar danos irreparáveis à saúde destes.

Além disso, o relatório de inspeção juntado no evento 11.2 evidencia a situação precária em que se encontra a unidade hospitalar, colocando em severos riscos aqueles que necessitam atendimento médico.

No tocante à possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela contra a Fazenda Pública, a jurisprudência é remansosa. Em princípio, poder-se-ia aduzir que não é cabível contra o Ente Público em baila, com esteio nos arts. 1o, §3o da Lei no 8.437/92 e art. 1o da Lei no 9.494/97. Entretanto, a interpretação sistemática do instituto “tutela antecipada” deve ser feito, mormente em situações de risco (como a ora aduzida), onde a prevalência de direitos fundamentais e garantidos pelo Texto Magno é inquestionável.

Nesse diapasão, faço alusão aos seguintes entendimentos jurisprudenciais, dos quais perfilho:
“[...] A medida não viola o disposto no art. 475, I, do Código de Processo Civil, pois se trata de decisão provisória que simplesmente antecipa os efeitos da prestação jurisdicional. (TJSC – AI 2005.016456-7 – Joaçaba – 2a CDPúb. – Rel. Des. Luiz Cézar Medeiros – J. 04.10.2005)” e; “[...]Diante do regramento estabelecido pela Lei no 9.494/97, é ínsita a possibilidade de concessão de medidas de urgência, tutela antecipada e cautelar, contra pessoa jurídica de direito público. 4. Agravo de instrumento improvido” (TRF 3a R. – AG 2005.03.00.063624-8 – (242407) – 10a T. – Rel. Des. Fed. Galvão Miranda – DJU 01.02.2006 – p. 298).

Além disso, o art. 11 da Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85) contempla o instituto de forma direta e específica:
Art. 11. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor.

Importante ressaltar que em regra, não incumbe ao Poder Judiciário (lembrando tratar-se de um dos três poderes da república) analisar a conveniência e a oportunidade das políticas públicas. Porém, tratando-se da efetivação de diretos fundamentais, notadamente a dignidade da pessoa humana, princípio-norma-mater de eficácia plena, a situação se afigura diversa. Por isso, não se trata de indevida interferência jurisdicional na discricionariedade do administrador público, mas de correção da falta de atendimento aos comandos constitucionais, os quais já elegeram a prioridade absoluta e, por consequência, sua intrínseca alocação prioritária de recursos.

A Constituição tem prevalência sobre qualquer outro ato, norma ou “vontade política”. Os direitos e garantias nela presentes devem ser concretamente assegurados pelo Poder Judiciário. Todas as lesões ou ameaças a direitos são passíveis de apreciação pelo Poder Judiciário. É o princípio constitucional da inafastabilidade, previsto no art. 5o, XXXV, da Constituição. A missão institucional do Poder Judiciário caracteriza suas funções típicas como a preservação da Constituição Federal e o exercício da jurisdição, que nada mais é do que a solução dos casos concretos, fazendo-se valer o ordenamento jurídico. E é por isso que a omissão no desempenho adequado e satisfatório de políticas públicas voltadas ao resguardo da dignidade da pessoa humana pode e deve ser apreciada como forma de lesão a direito, cabendo ao exercício jurisdicional a aplicação de solução ao caso concreto. Possível, portanto, a atuação jurisdicional positiva.

Quando o assunto é judicialização de políticas públicas, muito se discute acerca da possibilidade ou não de o Poder Judiciário intervir na chamada discricionariedade administrativa, sendo este o juízo de conveniência e oportunidade dado ao administrador para eleger as providências mais aptas a atender às finalidades decorrentes da função por ele desempenhada.

Desde as célebres lições do Prof. Hely Lopes Meirelles já era de “sabença pétrea”, como diz o Ministro Gilmar Mendes, que o poder discricionário é, em verdade, um dever, consubstanciado na obrigação de melhor atendimento ao interesse público, sem qualquer possibilidade de livre arbítrio por parte do administrador, mormente em questões envolvendo direitos e garantias fundamentais. Ademais, dentre os cinco elementos do ato administrativo (competência, forma, finalidade, motivos e objeto), somente os motivos e o objeto são alcançados pela discricionariedade, restando os demais, e dentre eles destacamos a finalidade, sempre vinculados ao interesse público.

O que se vê é que a discricionariedade é sempre relativa e parcial, porque, quanto á competência, à forma e à finalidade do ato, a autoridade está subordinada ao que a lei dispõe, como para qualquer ato vinculado. Com efeito, o administrador, mesmo para a prática de um ato discricionário, deverá ter competência legal para praticá-lo; deverá obedecer á forma legal para a sua realização; e deverá atender à finalidade legal de todo ato administrativo, que é o interesse público.

E quando se fala no princípio da dignidade da pessoa humana, evidentemente não há que se falar em discricionariedade no sentido pejorativo de plena liberdade. Há dever do Estado, através de seus Administradores que, no exercício de função administrativa, não podem se omitir e permitirem a violação do mais importante princípio de nossa Constituição.

Assim, o direito à saúde constitui um direito indisponível consagrado na Constituição Federal, a ser provido pelo Estado:
“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Demais disso, diante da alegação da Reserva do Possível, é assente na doutrina e na jurisprudência que esta não se aplica quando o tema é a destinação de recursos para o atendimento a direitos fundamentais. Inclusive, avilta o bom senso que o país com tamanha carga tributária olvide destinação de recursos para garantir o acesso à saúde.

Neste sentido:
ADMINISTRATIVO - CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS - POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS - DIREITO À SAÚDE - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS - MANIFESTA NECESSIDADE - OBRIGAÇÃO DO PODER PÚBLICO - AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES - NÃO OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO EXISTENCIAL. 1. Não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de fundamental importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais. 2. Tratando-se de direito fundamental, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico- financeira da pessoa estatal. 3. In casu, não há empecilho jurídico para que a ação, que visa a assegurar o fornecimento de medicamentos, seja dirigida contra o município, tendo em vista a consolidada jurisprudência desta Corte, no sentido de que "o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é de responsabilidade solidária da União, Estados- membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades têm legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros" (REsp 771.537/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 3.10.2005).Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1136549/RS, Rel. MIN. HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/06/2010, DJe 21/06/2010). Destaquei.

Extrai-se do corpo do acórdão:
"(...) a atuação do Poder Judiciário no controle das políticas públicas não se pode dar de forma indiscriminada, pois isso violaria o princípio da separação dos Poderes. No entanto, quando a Administração Pública, de maneira clara e indubitável, viola direitos fundamentais por meio da execução ou falta injustificada de programas de governo, a interferência do Poder Judiciário é perfeitamente legítima e serve como instrumento para restabelecer a integridade da ordem jurídica violada".

É um contrassenso leitos permanecerem inoperantes por falta de funcionários, deixando de atender pacientes, ou seja, contribuintes, sendo que há candidatos aptos, selecionados através de concurso público (115/2009), a disposição, atendendo assim a necessidade de contratação de efetivo, para atender a população, com dignidade. Deve o estado, promover todas as diligências necessárias para suprir essa deficiência, ao menos é o que se espera da administração publica.

Diante do exposto, ante a presença dos requisitos legais, a concessão da medida liminar é medida imperativa.
  1. Posto isto, concedo a medida postulada para o fim de determinar liminarmente que o Estado do Paraná ajuste o quadro de enfermeiros e técnicos de enfermagem, na forma exposta pelo Ministério Público, no prazo de trinta dias. 
  2. Na hipótese de descumprimento da presente obrigação de fazer, fixo multa diária no montante de R$ 2.000,00 (dois mil reais), nos termos do artigo art. 11 da Lei n° 7.347/85. 
  3. Cite-se o Estado do Paraná, na pessoa do Procurador-Geral do Estado para, querendo, oferecer resposta no prazo legal e para que cumpra a presente decisão. 
  4. Após, vista ao Ministério Público.

    Cumpram-se, no que for pertinente, as instruções contidas no Código de Normas da 
Corregedoria Geral de Justiça do Paraná.
Paranaguá, 17 de Julho de 2013.

Leane Cristine do Nascimento Oliveira Magistrado

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