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quinta-feira, 10 de outubro de 2013

PROGRAMA ‘MAIS MÉDICOS’ | Quando a barganha funciona

Por Luciano Martins Costa em comentário para o programa radiofônico do Observatório da Imprensa

Em meio à polêmica sobre a aliança entre a ex-ministra e ex-senadora Marina Silva e o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, quase passa sem a devida atenção a notícia de que o Conselho Federal de Medicina recuou de sua posição contrária ao Programa Mais Médicos.
Um acordo simples faz com que a entidade aceite transferir para o governo a atribuição de conceder registros aos profissionais formados no exterior, para atuar no programa de emergência. Em troca, a base aliada no Congresso vai discutir a criação de uma carreira para os médicos no funcionalismo federal.
Termina assim, na base do toma-lá-dá-cá, um dos casos mais desgastantes de confronto entre uma entidade profissional e o poder público. Desde a criação do programa, as representações dos profissionais de saúde, lideradas pelo Conselho Federal de Medicina, vinham protagonizando ações de boicote, cuja principal consequência tem sido o atraso no atendimento de populações carentes.
Os jornais de quarta-feira (9/10), com exceção do Estado de S.Paulo, descrevem o processo de negociação – que chegou a ser tumultuado por manobra da bancada ruralista mas foi confirmado pela votação, que ocorreu na madrugada.
Com seu processo de edição encurtado pelas mudanças feitas em abril, o Estado informou seus leitores apenas que a Medida Provisória que cria o Programa Mais Médicos havia “começado a ser discutida no plenário da Câmara”. O Globo e a Folha de S.Paulo foram além, acompanhando a sessão até o início da madrugada, e puderam oferecer aos seus leitores uma versão mais atualizada, que muda completamente a interpretação dos fatos.
No fim das contas, passados três meses de confronto, período em que muitos médicos saíram às ruas, chegando a agredir colegas estrangeiros, e as associações médicas tentaram obstruir na Justiça a aplicação do programa, fica demonstrado que a motivação das entidades profissionais da saúde era o velho e bom interesse corporativo.
Nesse processo desgastante, consultas à opinião pública mostraram que a maioria da população apoiava o plano de contratar no exterior os médicos que faltam às periferias das grandes cidades e às comunidades mais distantes das metrópoles.
A prática do discurso
O episódio mostra como, em determinadas circunstâncias, até mesmo o jogo de barganhas que caracteriza o regime democrático pode ser produtivo, no interesse da sociedade, mas também confirma a percepção de muitos analistas de que algumas forças políticas legalmente eleitas funcionam exclusivamente nos seus interesses específicos.
Um exemplo é a obstrução dos trabalhos feita terça-feira (8) na Câmara dos Deputados pela bancada ruralista, que tentou impedir o acordo na área da saúde. Os representantes do agronegócio queriam forçar a instalação de uma comissão especial destinada a apressar a tramitação de uma Proposta de Emenda Constitucional que dá ao Congresso poderes para decidir sobre a demarcação de terras indígenas. Não faltou em suas intervenções nem mesmo a referência ao conceito da “função social” da propriedade agrícola.
Aqui é que as duas vertentes do noticiário encontram um ponto comum: a ser levada a sério a aliança entre o PSB e o grupo político liderado pela ex-ministra Marina Silva, essa será uma questão importante a ser observada nos debates eleitorais de 2014.
Uma das origens da falta de representatividade do Parlamento reside no fato de que as alianças compostas apenas para a disputa das urnas se desfazem imediatamente com a posse dos eleitos, e todas as decisões que chegam pelo Congresso precisam passar pelos diversos filtros corporativistas, onde o interesse público se corrompe na massa das ambições particulares.
Se quiserem ser realmente considerados como agentes de mudança, os “sonháticos”, utopistas e quaisquer outros ativistas de uma ação progressista precisam identificar claramente onde estão os pontos contaminados do sistema democrático, e fazer de sua extinção um objetivo de governo.
Assim como a questão das desigualdades sociais foi enfrentada com políticas públicas assertivas, o problema do aperfeiçoamento do sistema republicano exige propostas objetivas.
O discurso quase esotérico, com frases de efeito do tipo “um ato de legítima defesa da esperança”, pertence ao campo da religião. Em política, é preciso definir claramente o que fazer com aliados que, depois de eleitos, vão atuar exatamente como fazem os “socialistas” da bancada ruralista.

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