O Relatório de Gestão, previsto inicialmente na Lei 8.142, de 1990, em seu art. 4º, como um dos requisitos para o ente federativo receber da União as transferências de recursos para a saúde, foi regulamentado somente agora pela Lei Complementar 141, de 2012, como um importante documento demonstrativo da gestão do SUS, auxiliar do controle interno e externo.
A partir da LC 141 o relatório de gestão ganhou força e regulamentação legal, que prevalece sobre todas as portarias do Ministério que a contrariar e sobre o art. 4º da Lei 8.141 que acabou sendo revogado por ela, tendo em vista as novas disposições trazidas pela LC 141 que não inseriu dentre as condicionantes de transferência dos recursos de rateio a apresentação quadrimestral e anual do relatório de gestão do SUS.
O referido art. 4º da Lei 8.142, foi, assim, revogado pelo art. 22 da LC 141 por ter tratado do tema de maneira diversa.
Somente poderão ser restringidos os repasses interfederativos obrigatórios quando o ente federativo não dispuser em sua Administração Pública de fundo, conselho e plano de saúde. O art. 4º fazia outras exigências, além das previstas na LC 141, como a existência de relatório de gestão, o qual não foi considerado pela referida lei complementar como elemento que permita o condicionamento das transferências ante a sua ausência.
A LC dispôs de outra forma sobre o tema das transferências interfederativas de recursos, inclusive no tocante ao seu rateio e sua metodologia de cálculo, estando, portanto revogado, também, o art. 3º da referida lei pelo fato de serem outras as disposições a respeito do rateio de recursos.
Nesse sentido, se o ente federativo que não enviar anualmente o seu Relatório de Gestão não poderá ter suspenso os recursos das transferências obrigatórias da União, tanto quanto do Estado. Poderá, sim, a União, suspender as transferências voluntárias, por força do § 6º do art. 39 da LC 141, devendo, ainda, comunicar a ausência do Relatório de Gestão ao tribunal de contas, ao Ministério Público e ao conselho de saúde, respectivos, cabendo a esses órgãos definir as medidas sancionatórias (§ 5º do art. 39), dentre elas a não aprovação das contas da saúde e suas consequências.
Pelo disposto na LC 141, art. 39 e seus parágrafos, vê-se que ao prestar as devidas informações ao SIOPS (que é o relatório de execução orçamentário-financeira, diferentemente do escopo do relatório de gestão que se refere à execução das políticas de saúde, seus programas e metas) – o ente federativo deverá deixar evidenciado os resultados do monitoramento e avaliação previstos neste mesmo artigo, os quais serão apresentados de forma objetiva, inclusive por meio de indicadores e integrarão o relatório de gestão de cada ente federado. Por isso o relatório de gestão tem dimensão diferenciada das informações orçamentário-financeiras do SIOPS, uma vez que precisa deixar claro todos os aspectos da gestão do SUS: políticas, programas, metas, indicadores.
Desse modo não se pode dizer que não haverá sanção administrativa para o ente federativo que deixar entregar o relatório de gestão. Sua maior punição será a não aprovação das contas da saúde pelo tribunal de contas correspondente; cabendo, ainda, ao Ministério da Saúde a suspensão das transferências voluntárias, de acordo com o disposto no § 6º do art. 39.
Contudo, não poderia deixar de comentar uma importante atecnia existente na LC 141, § 4º do art. 39, que ao se referir ao art. 4º da Lei 8142, de 1990, o qual foi revogado pela própria LC, poderá levar os interpretes a primeira vista, sem maior aprofundamento, a entenderem que aquele artigo (4º) não foi revogado. Essa atecnia poderá ensejar interpretações equivocadas.
O interprete poderá entender que o mencionado artigo está em vigor. Mas de acordo com as regras de hermenêutica e as da Lei de Introdução ao Código Civil, não há como prevalecer esse entendimento uma vez que houve alteração na LC. Doravante a lei somente exige a existência de conselho, plano e fundo de saúde em funcionamento como condição para as transferências se realizarem.
Não se deve perder de vista, ainda, que todas as portarias do Ministério da Saúde que tratam do relatório de gestão e que contrariam o disposto na LC 141 estão revogadas.

[1] É doutora em saúde pública pela UNICAMP, especialista em direito sanitário pela USP e coordenadora do curso de especialização em direito sanitário IDISA-Hospital Sírio Libanês. Advogada.