Por orientação da PF e da Funai, indígenas evitam a cidade de Humaitá, onde houve confrontos
FABIANO MAISONNAVEENVIADO ESPECIAL da FOLHA À ALDEIA JU'I (AMAZONAS)
Desde junho, o estudante indígena Elton Jiahui, 17, faz um curso por correspondência para o exame de admissão para a Marinha, sonho alimentado por dois amigos que seguem a carreira militar. Mas, por orientação da Polícia Federal e da Funai, ele diz que não fará a prova, marcada para depois de amanhã, em Humaitá.
"Eles falaram que nenhum índio podia ficar na cidade. O policial disse para não pensar nisso [prova], mas na minha vida", disse Jiahui, em sua aldeia, que fica a 106 km da cidade.
No município com cerca de 50 mil habitantes, centenas de manifestantes queimaram, em pleno Natal, a sede da Funai, ao menos 11 carros e um barco da instituição.
Foi um protesto contra o desaparecimento de três moradores da região no último dia 16, em trecho da rodovia Transamazônica que atravessa o território indígena.
Orientados pela Funai, Elton, que cursa o ensino médio em Humaitá, deixou a casa alugada onde mora na cidade e se refugiou no quartel do Exército no dia 24.
Ele, seu pai, o cacique Pedro, que estava de compras na cidade, e outros 113 indígenas só puderam deixar o quartel após seis dias, quando foram levados às aldeias em um ônibus com escolta policial.
Ao chegar à aldeia, às margens da Transamazônica, descobriram que o posto de pedágio construído pelos índios também fora incendiado, um dia após o Natal.
Os pedágios dos indígenas funcionam desde 2006 e são bastante criticados pelos moradores da região, que reclamam o pagamento de até R$ 110 para transitar numa estrada ruim e sem pavimento.
Os índios dizem que o pagamento é uma "reparação" pelos danos provocados pela rodovia. Decisões judiciais autorizaram o funcionamento desses pedágios. São cerca de dez, mas só funcionava um de cada vez, num esquema de rotação entre as aldeias. Todos foram incendiados na semana passada.
Assustados, os cerca de 60 moradores da aldeia fugiram para o mato. Elda, 24, com o filho de três meses no colo, acabou se perdendo. Foi encontrada às nove horas depois, graças aos gritos dos homens que a buscavam.
Desde então, mulheres e crianças dormem em acampamentos escondidos na mata, em redes e sobre folhas de bananeira no chão, enquanto os homens ficam de vigia nas casas de madeira à beira de rodovia.
A aldeia ficou ainda cinco dias sem luz, depois que os manifestantes derrubaram um poste da rede com um trator. A eletricidade só foi restabelecida anteontem, quando descobriram que a bomba que puxava água do poço havia queimado.
O cacique Pedro diz que o principal problema no curto prazo é o desabastecimento. Por causa da crise, ele teve de deixar em Humaitá a compra de mantimentos para o mês.
A aldeia já não tem leite para as crianças. Uma jovem epilética só tem medicamento para mais quatro dias.
Para piorar, o macaco de estimação da aldeia, Chicão, aproveitou a confusão durante o ataque ao pedágio para entrar na dispensa. Espalhou todo o arroz estocado no chão, comido em seguida pelas galinhas.
Elda, filha de Pedro, diz que eles não podem sequer encomendar comida ao único ônibus que passa pela aldeia. "A PF disse que podiam envenenar."
Sem carros, a Funai não visitou a aldeia desde o início da crise. Amedrontados, os funcionários deixaram a cidade e se refugiram em Porto Velho, a cerca de 200 km, apesar de o governo federal ter mobilizado cerca de 300 agentes de segurança para a região, incluindo militares e policiais federais.
Os jiahui sofrem apesar de não estarem diretamente envolvidos com a crise. Os suspeitos do desaparecimento são a etnia vizinha tenharim. Seria uma retaliação contra a morte do cacique Ivan Tenharim, que apareceu morto na rodovia no início de dezembro, ao lado de sua moto.
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