na Gazeta do Povo via Boletim do NEMS-PR
O trabalho dos observatórios sociais no Paraná – entidades da sociedade civil que acompanham processos de licitação nos municípios – evitou que pelo menos R$ 150 milhões fossem desperdiçados durante o ano de 2013 em compras feitas pelo poder público. Com isso, colaborou para uma economia em torno de 10% no orçamento de compras das prefeituras fiscalizadas.
O acompanhamento dos processos de licitação é feito em pelo menos 30 cidades do estado e envolve cerca de 600 voluntários. Os observadores monitoram as compras do município, desde a publicação do edital de licitação até a entrega de produtos ou serviços. “É um trabalho técnico e, por meio dele, se identificam irregularidades ou inconsistências no processo. Se houver, o gestor público é avisado para que faça a devida correção”, explica Roni Enara, diretoraexecutiva do Observatório Social do Brasil, que fez o levantamento de 2013 nas cidades onde o grupo atua.
Motivados pela ação preventiva de evitar desperdício, os observatórios buscam agir antes de o dinheiro sair do cofre público. “A ideia é gerar economia e melhorar o sistema de gestão. Porque nem sempre o que tem por trás do desperdício é corrupção. Muitas vezes são servidores sem capacitação”, comenta Roni.
O consultor em gestão pública Sir Carvalho aponta que é essencial que a população se preocupe com o dinheiro público. Para ele, o ato de vigilância deve estar intrínseco ao cidadão, independentemente da disposição em participar ou não do processo. “Toda vez que você faz uma compra e paga imposto, é um direito do cidadão saber o que será feito a partir dali. Mas isso ainda não é uma prática social”, diz.
Priorizar
Os observatórios sociais não têm equipe suficiente para monitorar 100% das licitações das prefeituras, então a prioridade do trabalho fica com as áreas de saúde e educação. A escolha é feita porque essas áreas concentram os maiores orçamentos e são prioritárias para a comunidade. “Em cidades maiores, como Ponta Grossa, são mais de 1.500 licitações por ano, mais de 100 por mês. Seria preciso ter grandes equipes envolvidas”, diz a diretora.
Durante o ano de 2013, para dar conta do trabalho, os observatórios firmaram parcerias com entidades técnicas, como OAB-PR e Crea-PR, que oferecem suporte jurídico e envio das questões para os órgãos oficiais de fiscalização e monitoramento de editais de obras, respectivamente. “Aconteceram muitas ações emblemáticas nos municípios, como trabalho de levantamento de custo dos órgãos. Detectamos irregularidades em prefeituras, atuamos com educação fiscal”, afirma.
Alguns grupos buscam agir sem contato com o poder público
Enquanto o Observatório Social do Brasil e os observatórios ligados a essa rede buscam parcerias com entidades e órgãos públicos que fazem a fiscalização de modo “oficial”, como Tribunal de Contas e Ministério Público, há grupos de monitores da gestão que buscam agir sem nenhum tipo de contato com o poder público. Nesse caso, além de combater o desperdício do dinheiro usado por prefeituras e câmaras municipais, esses grupos tentam evitar “parcerias” com os governantes.
“Em 2014, ano de eleição e Copa do Mundo, a ação dos observatórios tem de ser ainda mais efetiva. O que vemos como objetivo para o próximo ano nesse trabalho de controle social é evitar o ‘emparelhamento’ com os órgãos públicos. Isso é muito sutil, mas há casos em que o próprio governo assume o financiamento desse tipo de trabalho, o que não faz sentido”, diz o consultor em gestão pública Sir Carvalho.
Para ele, o controle social dos gastos dos órgãos públicos tem de ser feito pelos civis e não pode ser um braço do Estado. O efeito disso, afirma, depende de um trabalho técnico muito específico, que para existir vai depender da iniciativa privada. “Além dos impostos que pagamos embutidos nas compras, teremos de colocar a mão no bolso de novo para pagar essas organizações, que não podem ter dinheiro de partido político, órgãos públicos ou de pessoas com interesses partidários”, afirma.
Formato dos dados nos sites do poder público do PR dificulta a fiscalização
A Lei de Acesso à Informação (n.º 12.527/11) passou a valer em maio de 2012. Mas, até agora, órgãos públicos estaduais do Paraná, a prefeitura de Curitiba e a Câmara de Vereadores da capital não cumprem a legislação na íntegra. O formato dos dados que é colocado à disposição da população dificulta a análise e o cruzamento de informações – o que cria obstáculos à fiscalização do poder público pela sociedade. A legislação estabelece que as entidades governamentais devem “possibilitar a gravação de relatórios em diversos formatos eletrônicos, inclusive abertos e não proprietários, tais como planilhas e texto, de modo a facilitar a análise das informações”. De acordo com mapeamento feito pela Gazeta do Povo em sites de sete instituições públicas (veja mais no infográfico), apenas três fornecem alternativas para o internauta obter informações em formato aberto, que facilita a análise dos dados.
Mais que tecnologia
A discussão parece somente tecnológica. Mas a forma de disponibilização dos dados – como despesas, receitas, quadro de pessoal e salários – influencia a visão que o cidadão tem do órgão e pode ser fator decisivo para a fiscalização.
“Só publicar uma informação não é o suficiente para classificar como dado aberto. O órgão tem de garantir que aquilo seja útil ao cidadão”, diz o webativista Pedro Markun, da ONG Transparência Hacker. “Um exemplo icônico é o PDF [Portable Document Format]. É um formato válido em alguns casos, mas é muito complexo extrair dados dali. Às vezes, toda a informação tem de ser digitada novamente para poder ser analisada.”
Maiores possibilidades de formatos podem indicar mais transparência. “O ideal é permitir que os dados sejam acessados em vários formatos, sem vincular a transparência a um produto específico. Quanto mais formas de disponibilização, mais entidades e cidadãos interessados terão acesso e poderão analisar as informações sobre a gestão”, diz Sérgio Amadeu, cientista político da Cásper Líbero.
Dados estaduais
O levantamento da Gazeta do Povo levou em conta os portais da transparência e banco de dados disponibilizados na internet pelo governo do estado, Assembleia Legislativa, Tribunal de Contas do Paraná (TC), Tribunal de Justiça (TJ), Ministério Público Estadual (MP), Câmara de Vereadores e prefeitura de Curitiba. Entre os formatos encontrados, prevalece o PDF.
O segundo tipo de acesso que mais aparece são sistemas on-line – nos quais, para encontrar uma informação, é preciso passar por uma série de cliques. “Há funcionalidade se o cidadão quer ver quanto o governo do estado gastou em um dia. Mas se quiser comparar com o mesmo dia no mês anterior ou há um ano, esse tipo de acesso dificulta”, exemplifica Markun.
A prefeitura de Curitiba, a Câmara Municipal e o TC, em alguns quesitos, deixam que o internauta baixe a informação no tipo de arquivo que escolher. No site da prefeitura, há dados sobre receitas, despesas e transferências de recursos que podem ser acessadas como documento de texto ou tabela. No Legislativo municipal, salários de funcionários estão disponíveis em PDF, ODS (documento de texto para software livre) ou CSV (tipo de arquivo de planilha em software livre).
O TC proporciona as informações referentes a contratos, receitas e despesas em formato de documento de texto, planilha de dados, PDF ou XML. Esse último formato permite cruzamento e codificação de dados, além de poder ser facilmente manejado. No entanto, as informações do TC referentes aos 399 municípios paranaenses não estão em formato aberto.
Liberar dados pode ser uma estratégia para melhorar a gestão
A imensa quantidade de dados públicos, se bem utilizada, é essencial para avaliar políticas públicas e, como consequência, para melhorar a gestão. “Na medida em que os governos propiciam dados brutos e não colocam barreiras à informação, haverá mais gente avaliando e indicando o que está dando certo e o que está dando errado”, diz o webativista Pedro Markun, da ONG Transparência Hacker.
Apesar disso, especialistas indicam que há dificuldades técnicas para proporcionar todas as informações em dado aberto. Dentro dos órgãos públicos, a coleta de informações é produzida em tipos diferentes de formato em cada setor. “Bancos de dados de uma secretaria ou outra não conversam entre si, por exemplo. Mas é tarefa do gestor público fazer um esforço e fazer a migração entre sistemas para que a transparência seja efetiva”, diz o cientista político Sergio Amadeu, da Casper Líbero.
Para Amadeu, disponibilizar material em formato aberto é criar “memória” para a gestão. “A forma como os dados forem armazenados vai dizer muito sobre como se geriu aquele órgão, o que deu certo, o que deu errado e serve como balizador para novos gestores.”
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